Ozetês, Doy Jorge, Cacique Jaraguá, Faquinha, Casal Neuras, Geraldão. Por meio de seus personagens, o cartunista Glauco, desde os anos 1980, abordava o universo canábico e suas bandeiras, polêmicas e marcos culturais.
Graças a seu legado, indiretamente, uma startup canábica voltada a mulheres acaba de surgir. Em 2018, em um projeto sobre a obra do artista, morto tragicamente em 2010, Katia Cesana e Danila Moura “se conectaram”, nas palavras da dupla.
Katia, CEO da empresa, atua desde 2005 no mercado cultural. Danila, COO, é jornalista. As duas decidiram se unir para criar algo voltado às mulheres no setor canábico.
“Queremos mostrar para as mulheres os benefícios e possibilidades de utilização da planta que vão além do medicinal”, diz Danila. “É um novo mercado em que elas podem inovar e serem donas do próprio negócio.”
No mundo, a cannabis deverá movimentar US$ 194 bilhões até 2026, segundo o Banco de Montreal, no Canadá. No ano passado, a indústria legalizada faturou mais de US$ 21 bilhões.
As oportunidades para a medicina, a indústria e o uso recreativo são muitas. Seriam até 25 mil aplicações diferentes, embora esse número tenha sido usado pela revista americana Popular Mechanics no longínquo 1938 e replicado e tirado de contexto desde então.
Em todo caso, já está mais que provado e demonstrado que a cannabis é uma planta tremendamente versátil, que pode ser usada na fabricação de camisetas a bioplástico, de limpeza do solo a biocombustível.
Em março, Nova York se tornou o 16º estado americano a legalizar o uso recreativo de maconha. No ano passado, até a Tailândia, em meio a grandes protestos que pressionaram o governo, também deu passos nessa direção. Os militares, no poder lá desde um golpe em 2014, legalizaram o uso de partes da planta com baixo THC (o composto psicoativo da maconha) na culinária.
EMBORA NOVO, O MERCADO CANÁBICO NÃO É DIVERSO
O mercado canábico, acreditam os especialistas, só tende a crescer, no Brasil e no mundo. Mas, justamente por ser uma área nova – brotando do trabalho de ativistas, cientistas e outras cabeças que pouco a pouco derrubam a muralha erguida pela chamada guerra às drogas em décadas de combate ao narcotráfico –, a indústria canábica não seria um ambiente mais diverso, com uma presença feminina muito mais preponderante? Afinal, não estamos falando de montadoras de Detroit, mas de maconha.
A resposta, segundo Katia e Danila, é não. Nos Estados Unidos a presença feminina é maior em relação a setores mais tradicionais da economia, mas o cenário é de oscilação para baixo, segundo um relatório da publicação Marijuana Business Daily.
Em 2015, mulheres ocupavam 36% dos cargos executivos do setor. O número caiu em 2017 e voltou ao mesmo patamar em 2019.
“A cannabis saiu do mercado alternativo e virou ‘mainstream’, fator de atração para as grandes empresas, estruturalmente masculinas”, explica Danila.
“O Canadá também está nesse mesmo processo. Ou seja, o momento pré-legalização, como vivemos no Brasil, é o ideal para as mulheres se articularem, enquanto não concorremos com os grandes players.”
O QUE QUEREM AS MARIAZ NO BRASIL?
Essa é a proposta da Xah com Mariaz: ser um espaço acolhedor para mulheres criarem conexões no mundo canábico por meio de encontros, workshops e cursos para facilitar sua entrada no mercado.
Katia e Danila mapearam as grandes questões femininas em relação ao uso medicinal e outras áreas – vale lembrar que, em 2015, a Anvisa retirou o CBD, um dos compostos da planta, da lista de substâncias proibidas, graças especialmente à atuação de mães em Brasília que buscavam remédios efetivos para tratar as convulsões de seus filhos.
“Nossa missão é levar as mulheres ao fantástico universo da cannabis por meio de uma plataforma digital totalmente personalizada para elas”, diz Katia.
O que faz sentido, porque a relação entre maconha e mulheres vai além de oportunidades de negócios e ativismo por medicamentos. É algo fisiológico.
“Durante a menstruação, a cannabis pode atenuar as cólicas e sintomas da endometriose”, afirma Danila. “As sensações desconfortáveis da menopausa oriundas de oscilações hormonais também podem ser combatidas com a planta.”
A COO ainda lista que a cannabis é usada em tratamentos de câncer de mama e do colo do útero, depressão e ansiedade.
Em mercados mais maduros, como o americano, os benefícios e as aplicações para o público feminino já mostram as caras. Um relatório de duas empresas do país, Brightfield e HelloMD, constatou que 59% dos consumidores de CBD são mulheres.
Elas também são as maiores compradoras de produtos de beleza e cuidados com a pele à base de cannabis. Danila cita um levantamento da empresa de pesquisas de mercado Allied Marked Research que diz que o mercado global de produtos para a pele canábicos deverá saltar de US$ 633 milhões em 2018 para US$ 3,48 bilhões em 2026.
“A mesma força das mulheres capaz de mudar leis com certeza irá transformar o mercado canábico, como podemos constatar por meio da atuação inovadora de grandes empresárias, como Viviane Sedola, da Dr. Cannabis [plataforma online de acesso a maconha medicinal], e a Bárbara Arranz, da Linha Canabica da Bá [loja digital de produtos à base de cannabis]”, acredita Katia.
INCUBAÇÃO EM 2021
Outra mulher do ramo foi fundamental no nascimento da Xah com Mariaz: Damaris Ribeiro, chefe de inovação da The Green Hub, primeira aceleradora de negócios canábicos no Brasil.
“Nós a conhecemos no ano passado. A Damaris se interessou muito pelo projeto e mostrou o caminho para montarmos a startup”, lembra a CEO.
Em abril, começou a incubação na Green Hub . Para este ano, a dupla quer desenvolver três cursos e colaborações com empreendedoras de diversos mercados.
Outro motivo de orgulho para as empreendedoras é estar agora no programa B2Mamy Pulse. “É a primeira startup canábica do Brasil acelerada em parceria com a Google for Startups”, diz Danila.
Em todos esses encontros, Katia e Danila têm a oportunidade de contar a origem do nome da empresa. Ele surgiu, diz Katia, “após alguns trabalhos espirituais com a Santa Maria” – nome dado à cannabis no Santo Daime.
“A Xah nasce dessa consagração, e ‘Mariaz’ vem representando as mulheres. Queremos exaltar a feminilidade.”