• Por que só existe um unicórnio que atua na saúde no Brasil?

    Rafael Kenji Hamada
    Rafael Kenji Hamada é médico, CEO da FHE Ventures e da Health Angels Venture Builder.
    Rafael Kenji Hamada | 21 jun 2024

    Em 2018, depois de seis anos desde sua fundação, a 99 foi a primeira startup brasileira a atingir o valor de mercado de US$1 bilhão. Desde então, outras 23 startups atingiram essa marca no país, entre elas, grandes referências como iFood, Nubank e Quinto Andar. O Brasil sedia mais da metade do número de unicórnios da América Latina, totalizando 45 empresas no continente. 

    Contudo, das 24 startups que atingiram essa marca, apenas uma oferece soluções voltadas à saúde. É um fato curioso, já que, desde 2020, o setor passou pelo momento de maiores desafios e investimentos do último século, devido à pandemia de COVID-19. Somado a isso, a população mundial atingiu a marca de 8 bilhões de pessoas em 2022.

    A única empresa brasileira que atingiu o valor de 1 bilhão de dólares foi a Gympass, que passou a se chamar Wellhub em abril de 2024, direcionando o foco da instituição para a saúde corporativa.

    No Brasil, país de tamanho continental, apesar das urgentes necessidades de acesso, informação e cobertura do cuidado em saúde, o investimento no setor enfrenta alguns desafios. O principal deles é o aspecto cultural, já que cada região apresenta suas peculiaridades. Esse aspecto também leva a um cenário político polarizado, com diferentes graus de investimento à medida que existe alteração no direcionamento político municipal, estadual e federal.

    A existência desses dois fatores reflete maior facilidade ou dificuldade na implementação de novas tecnologias e políticas de cobertura em saúde. O Brasil se torna extremamente fragmentado, com diferentes realidades, mesmo compartilhando um mesmo sistema público de saúde, que precisa cobrir 77% da população que é totalmente SUS-dependentes.

    Além dos fatores relacionados à extensão e à cobertura do atendimento, o Brasil continua com aspectos regulatórios complexos, baseados em regras tradicionais que ainda estão em processo de maturação. Esse é o motivo de a telemedicina ter sido devidamente regulada pelos órgãos fiscalizadores apenas no final de 2022, cerca de três anos após o início da pandemia — que revelou uma clara necessidade de implantação da tecnologia. 

    Esse cenário também demonstra uma característica do setor de saúde brasileiro: o alto controle das agências regulatórias e a dificuldade em realizar testes com novas tecnologias. Muito comuns nos Estados Unidos, os ambientes de teste de novos produtos e tecnologias também são chamados de “sand boxes”, ambientes seguros para o desenvolvimento. Como o próprio nome diz, são “caixas de areia” onde as crianças podem brincar seguras, com a supervisão próxima dos pais.

    No Brasil, as sand boxes já são pautas de discussões envolvendo o Ministério da Saúde, a Vigilância Sanitária e a Agência Nacional de Saúde Suplementar. Contudo, os debates ainda não passam do campo teórico, com pouco resultado prático, por conta de os testes realizados no Brasil até o momento serem restritos às soluções de telemedicina e aos equipamentos médicos. 

    Dessa forma, mesmo com 203 milhões de habitantes para acessar, as healthtechs brasileiras buscam o crescimento internacional, em lugares como México, Estados Unidos e países da Europa, mesmo antes de completar sua expansão no Brasil.

    O país se torna um bom validador da solução, devido às diferentes realidades da saúde dentro do mesmo território, mas com barreiras e dificuldades operacionais. 

    Os unicórnios de saúde apenas começarão a aparecer mais no Brasil quando os setores privado e público se unirem às universidades para realizar testes que possam aproveitar todo o potencial do país, repleto de peculiaridades, regionalismos e diferentes culturas de consumo e acesso aos serviços de saúde.

    Um grande case dessa união de esforços é a startup Hi! Healthcare Intelligence, que utiliza machine learning para analisar a custo-efetividade de hospitais. Após receber aportes de fundos de investimento, ela implementou sua solução em hospitais privados da Rede Unimed Nacional e foi contemplada com um financiamento público da FAPESP para atuação no setor de oncologia do Hospital de Amor, em Barretos. A startup é um exemplo de impulsionamento de tecnologias em saúde com a colaboração de todos os setores. 

    Com a criação de ambientes controlados, seguros e preparados para testes das novas tecnologias, com o apoio dos vários stakeholders, novas startups entrarão para a lista dos candidatos a unicórnio de saúde no Brasil. Por ora, as empresas Alice, Conexa, Dr. Consulta, Sami, Amigotech e Beep Saúde lideram a corrida pelo valor de mercado de 1 bilhão de dólares. 

    *Rafael Kenji Hamada é médico, CEO da FHE Ventures e da Health Angels Venture Builder, fundos de investimento no formato de venture builder, com tese em saúde e educação.

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