Dirce Maria Carraro é uma das principais cientistas brasileiras à frente de importantes estudos sobre um dos subtipos de câncer de mama mais agressivos, o triplo negativo.
Hoje, este diagnóstico corresponde a 15% de todos os casos e sua incidência costuma ser maior em mulheres jovens, com menos de 40 anos, latinas e negras.
Diferentemente dos outros cânceres invasivos, o triplo negativo é considerado um dos mais hostis, pois as células cancerígenas crescem e se multiplicam rapidamente, com maior chance de reaparecer em outras partes do corpo – as metástases.
Estudar o perfil genético deste subtipo é o que faz brilharem os olhos da cientista, graduada em engenharia agronômica pela ESALQ/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo), mestre na área de genética na mesma instituição e doutora pelo Instituto de Química da USP na área de bioquímica e biologia molecular.
Atualmente, Dirce é a pesquisadora principal do grupo de Genômica e Biologia Molecular do A.C. Camargo Cancer Center e responsável pelo Laboratório de Diagnóstico Genômico da mesma instituição.
O rastreamento genético deste subtipo de câncer de mama é um dos focos de sua equipe.
Este tipo de investigação não é um mero retrato do DNA de cada pessoa, e sim um mapeamento que possibilita ao oncologista saber de que maneira as células estão programas e, assim, nortear medidas de prevenção e tratamento.
“É interessante que o triplo negativo é um câncer hereditário associado a genes em que as medidas de prevenção, de vigilância são mais bem estabelecidas”, afirma Dirce.
“Dessa forma, a realização de um teste genético após o diagnóstico de câncer de mama pode salvar vidas.”
É justamente este tipo de exame que pode ajudar cada vez mais mulheres a rastrear a possibilidade de cânceres hereditários e metástases e optar por cirurgias profiláticas invasivas, como a realizada pela atriz Angelina Jolie, em 2013.
Após a morte de sua mãe, aos 56 anos, ela fez o rastreamento ao detectar as mutações genéticas – e retirou as mamas para reduzir a apenas 5% as chances de ter a doença.
“É exatamente este tipo de rastreamento que possibilita membros de uma mesma família que ainda não desenvolveram a doença possam tomar essas condutas antes mesmo de aparecer o tumor”, explica a cientista.
“Esse mapeamento traz um benefício muito grande para portadores do triplo negativo.”
CÂNCER DE MAMA: O QUE MAIS MATA
De acordo com o INCA (Instituto Nacional de Câncer), somente em 2021 foram estimados 66.280 casos novos de câncer de mama, que é o que mais mata.
No ano passado, mais de 2,3 milhões de mulheres no mundo descobriram que estavam com a doença.
Esse tipo de tumor é o que mais acomete a população feminina brasileira e representa cerca de 24,5% de todos os tipos de diagnósticos.
Conhecer a predisposição genética de cada um pode trazer um grande avanço em políticas públicas de saúde, por exemplo.
Atualmente, os testes genéticos para a prevenção oncológica não têm cobertura no SUS (Sistema Único de Saúde).
Já no sistema privado de saúde, a ANS (Agência Nacional de Saúde) permite a cobertura mínima obrigatória para os planos de saúde realizarem o rastreamento e tratamento de 29 doenças genéticas, incluindo a mutação BRCA1 e BRCA2.
POLÍTICAS PÚBLICAS NA PREVENÇÃO DO CÂNCER
Enquanto isso, o Projeto de Lei 265/20, da deputada Rejane Dias (PT), que obriga o SUS a oferecer gratuitamente a mulheres com histórico familiar de câncer de mama ou de ovário o exame de detecção de mutação nos genes BRCA1 e BRCA2, já está aguardando votação no plenário.
“Parentes de primeiro grau têm 50% de chance de receber essa alteração”, alerta Dirce.
“Identificar isso na família é muito importante, pois essas pessoas, principalmente as jovens, serão acompanhadas e podem não desenvolver o câncer.”
Para ela, isso deve ser contemplado o quanto antes em medidas públicas de saúde.
“Sem pensar em evidência científica muito clara, pela experiência mesmo, acredito que é mais barato o teste e a profilaxia do que o tratamento posterior ao avanço do câncer”, explica.
O estudo de Dirce é específico, mas a aplicação é ampla, como ela mesma define.
Com seu olhar clínico para a genômica do câncer, ciência que estuda a estrutura do genoma das células cancerígenas, ela lidera equipes em várias frentes de estudos de todos os tipos de cânceres.
“É essencial buscar mutações específicas com testes poucos invasivos e muito precisos”, avalia.
“Será uma grande ajuda na clínica, no direcionamento e na vigilância da doença.”