Atuando grande parte de seu tempo no Heart Institute do Children’s Hospital de Pittsburgh, nos Estados Unidos, um dos maiores especialistas da cirurgia pediátrica do mundo carrega um nome bem brasileiro.
Sentado em seu consultório, José Pedro da Silva fala com orgulho de como contribuiu para salvar a vida de centenas e centenas de recém-nascidos e crianças com problemas no coração.
São quase 50 anos de profissão e pioneirismos em técnicas que se tornaram padrão mundial, a exemplo do tratamento da anomalia de Ebstein, criado em 1993 para combater uma cardiopatia congênita rara que causa insuficiência cardíaca no bebê, podendo afetar também os pulmões.
Por esse feito, o Heart Institute homenageou José Pedro, em 2018, dando seu nome à ala infantil do hospital: “Da Silva Center Ebstein’s Anomaly”.
A técnica tem sido aperfeiçoada durante esses anos e vem ganhando cada vez mais especialistas aptos a utilizá-la.
“Divido meu tempo passando adiante tudo o que aprendi ao longo da minha carreira”, afirma ele.
“Uma das coisas que me dá mais prazer na profissão é ter treinado mais de 100 cirurgiões cardiotorácicos em vários lugares do mundo, como Colômbia, Inglaterra, Alemanha, Israel, Índia, Paraguai, Polônia, entre muitos outros.”
Modesto, para ele sucesso “são as técnicas que diminuem drasticamente as taxas de mortalidade”.
“Nos últimos anos de cirurgia cardíaca pediátrica em Pittsburgh, na instituição em que atuo, temos a menor taxa global – 1,5% – entre todos os programas de alto volume”, conta.
“Nos EUA, a taxa média de mortalidade para todos os programas cardiovasculares pediátricos foi de 3,4%.”
O médico, que também é professor visitante do departamento de Cirurgia Cardiovascular Torácica no hospital em que atua nos EUA, passa mais tempo lá, mas faz questão de manter seu vínculo com o Brasil.
Todo mês, José Pedro dedica uma semana para realizar cirurgias na BP – Beneficência Portuguesa de São Paulo, onde chefia a equipe de Cirurgia Cardiovascular.
DO CAMPO PARA A MEDICINA
José Pedro da Silva nasceu em abril de 1947 na Fazenda da Faca, em Pirajuí, no interior de São Paulo, onde estudou na zona rural até realizar seu sonho de tornar-se aluno na Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho).
O curioso é que fez do seu hobby na época a renda para custear a universidade: ele pintava retratos de colegas.
Aprimorou-se em cirurgia torácica e cardiovascular nos Estados Unidos, na Cleveland Clinic Foundation, em Ohio, como special fellow, clinical fellow e associate staff.
Sua paixão está no tratamento da doença coronariana – revascularização do miocárdio, transplante cardíaco, transposição das grandes artérias e síndrome do coração esquerdo hipoplásico, além da anomalia de Ebstein.
Uma de suas grandes contribuições para a medicina foi a criação de um filtro arterial que diminui a chance de acidente vascular cerebral, que causa sérias complicações em cirurgias cardíacas.
José Pedro ganhou notoriedade ao desenvolver a técnica da mamária sequencial, antes de a artéria mamária ser considerada o melhor enxerto nas cirurgias.
Sua genialidade permitiu identificar que a técnica pode ser usada para duas ou mais coronárias, aproveitando-se melhor a potencialidade desse enxerto.
Outra descoberta cirúrgica para o tratamento da ruptura do septo interventricular, que foi adotada por outros cirurgiões e é referência nos melhores livros-textos americanos sobre o assunto, teve um grande destaque no Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery.
Transplante também está entre suas especialidades, área que lhe conferiu o título de primeiro cirurgião da América Latina a realizar com sucesso o de coração e pulmões em bloco.
Realizou, ainda, o primeiro transplante de coração heterotópico do país – quando o coração do doador é conectado ao do receptor, sem que este precise ser removido, e os dois órgãos funcionam em paralelo.
OS PEQUENOS CORAÇÕES EM SUAS MÃOS
Na área da cirurgia cardíaca em crianças, José Pedro inovou na translocação da artéria pulmonar para o tratamento da transposição das grandes artérias.
“Atualmente essa técnica permite que 60% dos pacientes não precisem mais realizar uma possível segunda intervenção cirúrgica, o que pode acarretar em alto risco”, explica.
Para as próximas décadas, a tendência é aperfeiçoar o método para aumentar essa porcentagem para 90% a 95%.
O que garante o sucesso da técnica é a utilização de uma prótese em substituição à artéria pulmonar, que evitará possíveis novas cirurgias ao longo do crescimento da criança.
Sem dúvida, a inovação para a correção da anomalia de Ebstein 3, uma malformação grave, alçou o doutor à categoria de maior especialista nesta técnica que baixou o risco de mortalidade de seus portadores.
No tratamento de crianças que nascem com a Síndrome da Hipoplasia do Coração Esquerdo, doença congênita gravíssima em que o portador apresenta apenas o lado direito do coração funcionando, José Pedro desafiou a medicina apresentando alto índice de sucesso, atualmente 80%.
Ao ser questionado sobre quando pretende se aposentar, o cirurgião alegou que ainda tem muita disposição para continuar seu propósito de não deixar o coração de seus pacientes parar de bater.
“Se eu tivesse que dar um ensinamento para o menino José Pedro que há quase 50 anos iniciou sua carreira, diria a ele que o mundo da medicina é aberto para o pensar e o criar”, afirma. “Enquanto tiver saúde, sigo trabalhando.”