Sofrer com seu plano de saúde é uma tristeza bem brasileira. Tanto como encarar filas em cartórios por um reles reconhecimento de firma ou aguardar dias (na melhor das hipóteses) para conseguir abrir uma empresa.
Em 2019, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) suspendeu 51 planos por excesso de reclamação dos clientes. Em uma pesquisa da Associação Paulista de Medicina (APM) com o Datafolha, a fatia da população que relatou algum problema com seu plano de saúde saltou de 77%, em 2012, para assombrosos 96%, em 2018 – o levantamento incluía tanto usuários como profissionais de saúde.
Em um cenário tão desolador, a healthtech Sami chegou ao mercado no início de novembro prometendo chacoalhar o setor. Muita gente aposta nisso, de investidores aos primeiros clientes.
A empresa foi fundada em 2018 por Vitor Asseituno e Guilherme Berardo. Nesses dois anos, a dupla se empenhou em estudar o mercado e construir um time “substancialmente melhor do que o que se encontra na área”, nas palavras de Vitor.
A Sami conta hoje com quase 80 funcionários no Brasil e dez na Índia. Em outubro, ela anunciou um aporte de R$ 86 milhões, coliderado pela Valor Capital Group e pela Monashees. Foi a maior rodada série A registrada por uma startup de saúde da América Latina.
Além desses fundos de investimentos, a empresa conta com a Redpoint eventures e o Canary – os quatro são figurinhas carimbadas por trás de alguns dos unicórnios (empresas de tecnologia avaliadas em pelo menos US$ 1 bilhão) brasileiros.
Paulo Veras, fundador do primeiro unicórnio nacional, a 99, é um dos sócios da Sami. Ao seu lado há outros nomes conhecidos: Sérgio Ricardo dos Santos, ex-CEO da Amil, e Alan Warren, ex-vice-presidente do Google e ex-CTO da Oscar Health, uma operadora digital de planos de saúde investida pela gigante de Mountain View.
Agora com R$ 90 milhões em investimentos recebidos, a Sami inaugura seus serviços e, em poucas semanas, já conta com centenas de empresas interessadas na fila de espera, segundo Vitor. A expectativa é alta para essa startup que pretende resolver problemas crônicos dos planos de saúde tradicionais, como alto custo, baixa qualidade e ineficiência.
DA CONTRATAÇÃO DO SERVIÇO À ALTA NO HOSPITAL
A ideia da empresa é acompanhar de perto os clientes, da contratação de um serviço à alta no hospital. Isso será feito por meio do que a startup chama de “time de saúde”, formado por médico(a), enfermeiro(a) e três coordenadores.
Esse grupo é montado no momento em que a pessoa adere ao plano. Dessa forma, o time acompanha o histórico do beneficiário – ou, como a empresa prefere, “membro”.
Assim, em vez de você buscar um médico em uma longa e árida lista de profissionais, como costuma acontecer nos planos de saúde, o próprio grupo vai auxiliá-lo, após uma consulta remota com o seu “doutor do time”.
Justamente por isso, a telemedicina, segundo Vitor Asseituno, é um pilar importante da empresa. “Ela facilita muito o acesso do membro aos profissionais. As pessoas talvez tendam a evitar serviços de saúde presenciais desnecessariamente por um tempo”, diz, em referência às mudanças no dia a dia impostas pela pandemia.
A ideia de simplificar os procedimentos está presente já na contratação do plano. Basta ter o aplicativo e os documentos necessários em mãos, e em questão de minutos é possível aderir à novidade.
Os valores dos planos ainda não estão disponíveis no site, “porque foram recentemente aprovados pela ANS”, explica o cofundador e presidente da Sami. Os preços começam em R$ 172, para quem tem até 18 anos. Para aqueles na faixa dos 19-38 anos, o valor fica entre R$ 198 e R$ 297.
A empresa garante, já que se trata de um de seus fundamentos, que não praticará reajustes absurdos, uma das principais reclamações de clientes – entre 2013 e 2018, os planos empresariais subiram 158%, enquanto a inflação acumulada no período foi de 35%.
MÉDICOS REMUNERADOS PELA QUALIDADE, NÃO QUANTIDADE
Do outro lado do serviço, a Sami promete ser benéfica também para os profissionais de saúde, oferecendo uma remuneração “com base na qualidade, não no volume de atendimento”.
Vitor explica a proposta. Segundo ele, os modelos mais comuns hoje são o pacote (bundle), o capitation e o ABP (Adjustable Budget Payment, ou pagamento por orçamento ajustável).
“Na Sami usamos ou temos discutido praticamente todos, em diferentes situações”, diz. “Por exemplo, em uma cirurgia o modelo tradicional cobraria por cada item usado, de maneira independente. O modelo capitation considera um pagamento mensal por pessoa, independentemente do uso dela. O ABP considera um orçamento para aquele prestador pelo conjunto de atendimentos feitos em nome do pagador”, conta.
“Cada modelo de remuneração tem vantagens e desvantagens e todos precisam de algum aprendizado, mas trazem melhorias claras em relação ao sistema tradicional, que estimula ou premia a ineficiência”, acredita.
“Eu comparo esse modelo tradicional ao táxi, que ganha mais dinheiro quanto maior o trajeto, enquanto o Uber valoriza o destino final e estimula o motorista a fazer o trajeto mais curto, focado no resultado para o cliente.”
Quanto à rede de atendimento, a proposta é que ela seja “mais enxuta, porém mais qualificada e direcionada”, diz o cofundador. “De que adianta ter 100 hospitais no seu plano e não confiar neles ou não conhecê-los?”, questiona.
“Nos planos de saúde de hoje, abrimos um livrinho ou uma lista na internet, com centenas de médicos e hospitais, e nenhuma informação sobre qualidade ou quem pode melhor resolver o meu problema”, relata.
“Na Sami, nós nos preparamos para usar análise de dados para direcionar as pessoas aos melhores hospitais, médicos e laboratórios, como o Waze nos direciona ao caminho mais eficiente usando milhares de experiências passadas de outros usuários.”
Justamente pela proposta de uma rede mais enxuta, a Sami está limitada à cidade de São Paulo e deve ficar nessa por um tempo, de acordo com seu fundador. O primeiro hospital parceiro do plano é a Beneficência Portuguesa.
Foi também na capital paulista que Vitor Asseituno se formou em Medicina, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Com um MBA em finanças pela Fundação Getúlio Vargas, ele se uniu a Guilherme Berardo, que estudou Negócios Internacionais na Universidade Estadual de San Diego, nos Estados Unidos, e já tinha experiência em outros empreendimentos no mercado de saúde.
“Tanto eu como o Guilherme já demoramos semanas para conseguir contratar um plano de saúde. Nós dois já vimos acontecer, ou assim fomos cobrados, reajustes de 20% a 114%”, lembra, ao explicar as motivações pessoais para criarem a Sami.
“É simplesmente impossível tornar saúde mais acessível aos brasileiros se o setor continuar funcionando dessa forma.”
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