O ano de 2020 vai rivalizar com os dos grandes acontecimentos históricos, aqueles que são impossíveis de serem esquecidos. Você pensou pandemia, certo? E, claro, não errou. Mas 2020 também foi o ano que marcou, mais do que a comodidade que costuma oferecer, a necessidade da tecnologia em nosso dia a dia.
A rotina de um mundo inteiro mudou graças ao Sars-Cov-2, causador da Covid-19: ficamos fisicamente mais distantes uns dos outros, paramos de frequentar bares e restaurantes e até uma ida ao mercado tornou-se uma operação de guerra. Se ir comprar comida era um desafio, o que dizer de ir ao médico?
Soluções tecnológicas que facilitavam essa tarefa tiveram um boom.
Caso da Nexodata, startup de prescrição eletrônica que cresceu 150% neste ano, permitindo aos médicos que receitassem medicamentos digitalmente.
Em 23 de março de 2020, o Ministério da Saúde publicou a portaria 467/20, dispondo sobre ações da telemedicina. A categoria havia sido fruto de uma polêmica, em 2019, quando uma resolução parecida foi aprovada e revogada em um intervalo de semanas, em fevereiro – por ter enfrentado muita resistência de médicos e profissionais da saúde.
Segundo a portaria, as ações de interação à distância passaram a poder contemplar o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico por meio de tecnologia da informação e comunicação.
Isso tudo não apenas no âmbito do SUS, mas também na saúde suplementar e privada – diretamente entre médicos e pacientes, com tecnologia que garantisse o sigilo. Além das consultas, a portaria permitiu aos médicos emitir atestados e receitas por meio eletrônico.
GERAÇÕES DIFERENTES COMO AGENTES DE TRANSFORMAÇÃO
Em 2015, o jovem empreendedor Pedro Dias tornou-se cofundador da healthtech Vitta, que nasceu como um site para médicos marcarem presença na internet e melhorar a conexão entre eles, operadoras de saúde e pacientes.
A Vitta acabou virando uma das mais promissoras do país, atraindo investidores como Jorge Paulo Lemann (da 3G Capital), Armínio Fraga (da Gávea Investimentos) e Andre Street (da Stone) – e, em maio foi adquirida pelo unicórnio brasileiro de meios de pagamento.
Habituado com a rotina do consultório médico, ele não entendia por que os profissionais, mesmo os mais adeptos da tecnologia, ainda faziam suas prescrições a caneta.
“Aquela história de buscar o papel para fazer a receita nunca fez muito sentido para mim”, conta ele.
Dessa experiência com a Vitta, conta Pedro, veio a ideia da Nexodata. Pedro criou a startup em janeiro de 2017 ao lado de Antonio Carlos Endrigo. “Ele é um médico com quase quarenta anos de experiência no setor de saúde”, conta Pedro. Os dois foram apresentados por amigos em comum – e compartilhavam a mesma indignação com as prescrições feitas em papel.
“Nosso desejo era de sermos os principais agentes dessa transformação”, confessa Pedro.
Mas as coisas, em 2017, eram bem diferentes. Na avaliação do CEO da Nexodata, o setor de saúde não estava tão aquecido. “Especialmente no setor de venture capital, e era um cenário bastante desfavorável à adoção de novas tecnologias”, conta.
INVESTIMENTOS E ACELERAÇÃO
A Nexodata exigiu um investimento inicial de R$ 1 milhão, que veio de recursos dos próprios fundadores e de um investidor. Algum tempo depois de ser lançada, a healthtech atraiu outro investidor, Juscelino Martins, fundador do Tribanco, que está na empresa até hoje. Desde então, mais duas rodadas de investimento foram feitas – cujos valores não foram revelados.
Em 2018, a vivência em um programa de aceleração firmaria ainda mais os rumos da Nexodata: o Eurofarma Synapsis, promovido pela gigante farmacêutica com a Endeavor.
“Ficamos um ano dentro da Eurofarma desenvolvendo projetos específicos, junto com eles, para validar o modelo de negócios da Nexodata”, diz Pedro.
“Nosso objetivo era entender caminhos para conseguir levar a prescrição eletrônica para médicos que são, de certa forma, mensalmente impactados pela Eurofarma – já que são parceiros importante da indústria farmacêutica. Como a Eurofarma é uma marca consolidada, ela nos ajudou a chegar nos médicos”, explica o empreendedor.
“Foi um passo muito importante – e fomos um dos destaques do programa.”
MAIS DE UM MILHÃO DE PACIENTES NA PANDEMIA
Neste 2020, com a pandemia e o isolamento social, a telemedicina caiu no gosto da população e dos profissionais de saúde. Para Pedro e o time da Nexodata, a healthtech já estava à frente de seu tempo, desenvolvendo uma tecnologia antes mesmo de o mercado estar totalmente pronto para essa mudança.
“A telemedicina não funciona sem prescrição eletrônica: como o paciente está necessariamente sendo atendido de forma virtual, não pode receber a receita em papel”, diz o empreendedor.
“A aprovação da telemedicina consequentemente viabilizou a receita médica digital – e a partir disso houve uma busca muito grande pela prescrição.”
No decorrer do ano, a Anvisa e outros órgãos competentes movimentaram-se junto a redes de farmácia para organizar a aprovação da receita médica prescrita de forma virtual para medicamentos controlados – desde que ela apresentasse um certificado digital, por exemplo.
A demanda continuou crescendo – e muito. “Superamos a marca de 1 milhão de pacientes únicos com prescrição digital durante a pandemia. Começamos o ano com 10 empresas clientes e já estamos com mais de 150 na rede de parceiros – e nosso time dobrou de tamanho”, revela Pedro.
A Nexodata, que já vinha em uma toada de triplicar de tamanho anualmente, cresceu 1500% em menos de um ano.
Além disso, o número de farmácias conectadas à solução da startup, que era zero em janeiro, agora já passou de 20 mil lojas.
“Vimos muitas empresas grandes, multinacionais e de capital aberto, que entraram nisso e surfaram essa onda, mas não foram bloqueadoras dessas tecnologias. Pelo contrário: a abraçaram e aderiram. E isso também impulsionou um pouco nosso próprio crescimento”, comenta Pedro.”
“DO CHEQUE PARA O PIX”
É normal se perguntar se, finda a pandemia, a prescrição digital vai se manter. Para Cesar Giannotti, chief operating officer da Nexodata, não há muitas dúvidas sobre isso.
“Nos últimos dez anos, houve um investimento muito grande em plataformas transacionais – e muito voltado para a operação e gestão médica”, analisa.
“Agora, porém, começa um novo movimento: empresas e prestadores de saúde estão buscando uma integração maior do ecossistema.”
Esta segunda onda de tecnologias que vivemos está, afirma Cesar, muito mais ligada ao paciente. “O objetivo é estar mais próximo dele – e agora existem novas plataformas, impulsionadas pela telemedicina, olhando para esse tipo de interação”.
Para o COO, a prescrição digital vem de encontro a tudo isso: ela traz o paciente para perto, conseguindo promover conectividade e integração com ele, além de oferecer novas soluções para que ele possa iniciar um tratamento.
“Há 40 anos compramos medicamentos da mesma maneira. Mas outras plataformas, mercados e segmentos evoluíram na forma de relacionar-se com o cliente final. Basta olhar para o e-commerce”, diz ele.
“O mesmo está acontecendo agora na área da saúde. Por que não ter uma experiência digital nesse campo – e para além do universo B2B, conectando-se com o paciente?”, questiona.
Pedro também é otimista com o futuro – e não vê sentido em uma vida longa da prescrição física. “Não é seguro, a qualidade para o paciente é pior, a experiência de compra do usuário para a aquisição dos remédios é ineficiente e tudo é muito pouco transparente”, enumera.
O CEO da healthtech faz uma analogia do salto da prescrição física para a digital. “É como ter saído do cheque diretamente para o PIX ou da caneta para o QR Code.”