Psiquiatra no Hospital Israelita Albert Einstein, no Residencial Israelita Albert Einstein e no Centro Feldman de Saúde, além de professor na Pós-Graduação de Psiquiatria também do Einstein, Ricardo Jonathan Feldman tem sentido de muito perto os impactos da pandemia de Covid-19 em nossa saúde mental.
Não que antes pudéssemos nos gabar. Em 2019, a Organização Mundial da Saúde já havia divulgado um relatório em que nos posicionava como o país líder no ranking de ansiedade do mundo, com 18,6 milhões de pessoas acometidas pelo transtorno.
Agora, pouco mais de um ano depois do início da pandemia no Brasil, o quadro se intensificou.
Se a relação de causalidade entre pessoas curadas de Covid-19 e o surgimento de transtornos psicológicos ainda não é clara, o contexto pandêmico é. Do isolamento social até crises financeiras e o impedimento do ritual do luto, este é tido como um dos momentos mais frágeis e críticos da sociedade moderna.
Feldman, que também colabora como colunista do Instituto Bem do Estar difundindo conhecimento, conversou com Future Health sobre a pandemia, os avanços da psiquiatria no Brasil e as barreiras que a saúde mental ainda enfrenta no país.
Qual é a sua visão sobre a saúde mental dos brasileiros neste atual estágio da pandemia?
Infelizmente, estudos iniciais já demonstram aumento nas taxas de depressão, ansiedade e abuso de substâncias como álcool, cigarro e outras drogas. Frente ao atual descontrole da pandemia, fico cada vez mais preocupado com o que virá pela frente: os lutos, as perdas, a solidão.
Fica cada vez mais difícil mantermos nossa saúde mental equilibrada – então é de extrema urgência começarmos a tratar o tema com a importância necessária.
Assim podemos nos preparar para oferecer o melhor acolhimento possível em saúde mental a todos que demandarem e evitarmos maiores complicações futuras.
Quais são, na sua opinião, os maiores avanços que o Brasil teve em relação à maneira de ver a importância da saúde mental nos últimos anos?
Avançamos no reconhecimento da importância de alguns temas como suicídio, depressão e abuso de substâncias principalmente. Algumas diretrizes de tratamento publicadas, destinadas principalmente a profissionais da saúde não-psiquiatras ou não-psicólogos, têm auxiliado no reconhecimento e no tratamento adequado de alterações mentais de forma mais acessível e ampla.
A política de saúde mental do SUS, que desde a Reforma Psiquiátrica em 2001 favorece a ressocialização do indivíduo e tenta expandir o alcance dos Centros de Atenção Psicossocial [CAPS], também é exemplo desses avanços.
Mas ainda carecemos de programas nacionais de prevenção dos transtornos mentais e promoção de saúde mental, além de muitas dificuldades no reconhecimento, acesso e tratamento das questões mentais e emocionais pelo país.
Como você acha que vamos nos curar mentalmente de todos esses traumas causados?
Acredito muito na necessidade da união e solidariedade, da empatia e compaixão. Temos que tentar agradecer por tudo que podemos ter aprendido e evoluído neste momento. Procurar olhar nossas feridas com aceitação e compreensão, para podermos cicatrizá-las de forma tranquila, firme e duradoura. Procurar cultivar bons hábitos de vida e práticas de bem-estar como, por exemplo, ter acompanhamento em psicoterapia, realizar atividade física, manter uma alimentação saudável, praticar técnicas de mindfulness e meditação, exercitar solidariedade, dentre várias outras práticas para nos mantermos equilibrados.
Como é possível entender as raízes da chamada “pandemia da ansiedade” que temos vivido? Ela já vinha acontecendo desde antes da Covid-19?
A forma como estamos lidando com o mundo e estruturando nossa sociedade, a maneira de construirmos relacionamentos, a competitividade, entre outras tantas variáveis, vêm promovendo um aumento basal na ansiedade e preocupação das pessoas. Isso vem ocorrendo muitos anos antes da pandemia.
Na verdade, a pandemia só nos revelou o quanto estamos alheios aos nossos sentimentos e emoções e o quanto deixamos de lado o cuidado com a nossa saúde mental durante todos esses anos.
O povo brasileiro foi colocado como o mais ansioso de todos. Isso, talvez, pelo fato de grande parte da população brasileira viver sob duras dificuldades financeiras, baixa escolaridade, situações de privação e abuso, fraco apoio governamental em saúde mental, dificuldades de acesso à saúde, educação, moradia, segurança. E esses fatores são apenas alguns exemplos de uma situação muito difícil.
Existem temas relacionados à saúde mental, dentro do contexto da pandemia, que se repetem em diferentes atendimentos/pacientes e em discussões da área?
Sim. Temas como isolamento, síndrome pós-Covid, divórcio, sobrecarga principalmente de mães, instabilidades emocionais em crianças e adolescentes, aumento do abuso de substâncias e luto são frequentemente discutidos no momento.
Se você pudesse dar uma dica para quem está lidando com questões de saúde mental no meio da pandemia, além da busca de tratamentos psicológicos, o que diria?
Tente manter uma rotina onde você possa distribuir de forma adequada – e isso depende de cada pessoa – o tempo para: trabalho, alimentação saudável, movimentação do corpo (exercícios, alongamentos), estar conectado com amigos e familiares (mesmo que por chamadas de vídeo ou telefonemas), manter-se informado por fontes confiáveis e evitar o fluxo intenso das mídias sociais, relaxar (ler um livro, ver um filme ou série, cozinhar, limpar a casa), meditar ou cultivar práticas de autoconhecimento e controle de estresse, doar objetos antigos ou ajudar pessoas mais vulneráveis. Essas são algumas boas maneiras de se cuidar.
O que você tem considerado inovação na psiquiatria nos últimos anos?
A telepsiquiatria deve ser destacada como uma das maiores inovações em saúde mental dos últimos tempos no Brasil.
Quando realizada respeitando suas limitações dentro da aplicação clínica, oferece acesso à saúde mental a diversas pessoas antes excluídas do “sistema”.
Pessoas com dificuldade de mobilidade, seja por questões físicas, psicológicas, financeiras ou sociais, poderão receber atendimento de qualquer local conectado a uma rede de internet. Outros progressos acontecendo são os avanços na inteligência artificial que, associada ao big data, está possibilitando o desenvolvimento de aplicativos, gadgets e outros sistemas tecnológicos para prevenção, promoção, tratamento e acompanhamento em saúde mental.
Olhando para a saúde mental do brasileiro, o que você projeta para o nosso futuro nesse campo?
A necessidade de maior compreensão da população em relação à importância de mantermos a nossa saúde mental equilibrada para vivermos melhor, inclusive fisicamente e espiritualmente.
A ideia milenar que se criou, principalmente no Ocidente, de que saúde física e mental estão dissociadas deve acabar!
Os gestores e líderes possuem um papel fundamental na construção de uma nova mentalidade a respeito da saúde e doença mental. Essa mentalidade deve combater a psicofobia e o preconceito, fornecer suporte adequado à saúde mental dos colaboradores e desenvolver estratégias para que o ambiente de trabalho auxilie na construção de uma boa saúde mental.
Existe uma diferença muito grande em termos de classe sobre o acesso à saúde mental no país? Se sim, vê maneiras disso mudar?
Com certeza sim! As classes economicamente menos privilegiadas possuem mais dificuldade de acesso a qualquer serviço de saúde, principalmente à saúde mental.
Há a necessidade de investimentos na área de saúde mental para maior infraestrutura de atendimento descentralizado e, principalmente, nas periferias.
Para isso, é preciso capacitar profissionais para atendimento em saúde mental, fornecer tratamentos consolidados na prática clínica, difundir maciçamente informações sobre promoção e prevenção em saúde mental, tudo isso reunindo esforços da iniciativa pública – principalmente – e da privada.
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