Existe diferença entre a inovação tech enabled – aquela que usa tecnologia existente para inovar a experiência do usuário ou ser disruptiva no mercado – e a inovação hard science, com base em pesquisa científica?
A bioquímica mineira Ana Carolina Calçado, 39, acredita que sim. Ela é fundadora e CEO da Wylinka – organização cujo propósito é transformar o conhecimento científico em aplicações práticas inovadoras, que chegam ao mercado e melhoram o dia a dia das pessoas. Ela gera impacto ao conectar a universidade e o mercado; desenvolver tecnologias; mobilizar e apoiar ecossistemas com programas de inovação.
Ana Carolina tem graduação pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), fez iniciação científica e mestrado em ciência de alimentos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e trabalhou sete anos com startups no Inventta, um dos primeiros institutos de inovação do país.
Em 2013, ela uniu suas vivências com as do físico Elimar Pires Vasconcellos e as do biólogo Renato Lacerda para criar uma entidade privada sem fins lucrativos, especializada em acelerar pesquisadores.
O objetivo era diminuir as incertezas de desenvolvimento tecnológico para atrair mais investimento e possibilitar que os pesquisadores estruturem suas ideias como soluções e que coloquem suas descobertas científicas no mundo como produtos ou serviços escaláveis.
“Decidimos criar a Wylinka com a missão de desenvolver o ecossistema de inovação de base científica e tecnológica no país. Assim, conectamos pesquisadores, universidades, governo, empresas e investidores”, conta a CEO.
Hoje, considerando pedidos de patente como critério para transformação de ciência em inovação, apenas 1,6% da produção científica brasileira se transforma em inovação. Ana Carolina explica que essa dificuldade se dá porque estes são negócios diferentes das “startups mais comuns que se vê nos programas de aceleração”, porque têm produtos com questões técnicas mais complexas e, em geral, exigem desenvolvimento que leva mais tempo, precisam de mais recursos e têm mais regulamentação.
Para que a ciência se transforme em inovação faça parte do nosso cotidiano, ela percorre um caminho de desenvolvimento. Ele começa com a pesquisa científica (em universidades e em institutos de ciência e tecnologia), passa pela prova de conceito – PoC (teste em laboratório para viabilidade técnica), protótipo (primeiro produto/serviço com tecnologia embarcada), escala (teste da viabilidade de produção) e só então chega ao mercado.
Essa teia de relações é o objeto de estudo da Wylinka, que se dedica a entender esse sistema e os pontos que podem destravar o desenvolvimento de soluções inovadoras.
A principal tarefa de Ana Carolina é trabalhar o mindset do pesquisador para que ele conviva com a ideia de inovação na própria pesquisa e desenvolva as habilidades socioemocionais necessárias para empreender um negócio.
“Estimulamos o pesquisador a olhar, primeiro, para os problemas existentes: ‘de que as pessoas estão precisando?’ Afinal, uma oportunidade de mercado é sempre um problema que precisa ser resolvido. Depois disso, ele deve olhar para sua pesquisa e ver como pode direcioná-la para a resolução do problema”, resume.
Um dos esforços da Wylinka é para extinguir o “Vale da Morte de Investimento” – o gap de recursos que costuma acontecer entre o final da pesquisa científica, financiada por mecanismos convencionais, e o início do negócio, que pode acontecer quando o pesquisador decide empreender por conta própria ou quando é absorvido por uma grande empresa.
Outra linha de atuação é o desenvolvimento de agentes públicos: pessoas que criam iniciativas e políticas públicas voltadas para inovação ou que estão no sistema de regulamentação de inovações. “O agente público precisa se transformar junto com o ecossistema para facilitar o processo”, explica a empreendedora.
A Wylinka já participou de 86 projetos em cinco grandes áreas – Saúde; Clima e Recursos Renováveis; Alimentação e Agricultura; Meio Ambiente; Cidades e Comunidades Sustentáveis. Ao todo, captou R$ 11,4 milhões por meio de editais públicos, grants de fundações estrangeiras e contratos com empresas privadas.
Uma grande diferença entre o pesquisador e o empreendedor é que o primeiro segue uma metodologia rígida – o método científico – e é educado a tomar mais tempo para avaliar a viabilidade de um projeto.
Enquanto isso, metodologias mais ágeis empurram o empreendedor, principalmente em startups, a adotar o pensamento do fail fast – rapidamente prototipar e testar logo para falhar ou validar a ideia.
Curiosamente, essa dicotomia influenciou a escolha do nome da empresa fundada por Ana Carolina. “Imagine três nerds buscando encontrar um nome para a organização… Aí veio uma inspiração da biologia para o que queríamos ver nas universidades – que elas deixassem de lado a segurança, encarassem a novidade e fossem mais arrojadas, mesmo que para isso precisassem ficar frágeis”, lembra ela.
Wylinka é a palavra em polonês para muda ou ecdise, o processo pelo qual passam alguns animais como a cigarra e a lagosta.
Para conseguirem crescer, elas precisam se desfazer do próprio exoesqueleto. “Sabe aquela casquinha da cigarra nas árvores? Quando fazem isso, elas ficam vulneráveis ao ambiente, até desenvolverem o exoesqueleto novo”, explica Ana Carolina.
Analogias à parte, a empreendedora entendeu que na Wylinka, precisaria mesclar métodos ágeis com algo a que os cientistas já estivessem acostumados. Assim nasceu o Science Business Model – método proprietário de modelagem de negócios baseados em deep tech. Ele vem a ser uma evolução do método Diligência da Inovação, espécie de plano de negócio voltado para novas tecnologias trazido da Inventta, e do Business Model Canvas, ferramenta de gerenciamento estratégico visual criada no ano 2000.
A fim de levar esse modelo a cada vez mais pesquisadores de todas as regiões do país, a Wylinka lançou, em fevereiro de 2022, o curso online Ciência na Ponta.
Ao mesmo tempo, a empresa criou a Comunidade de Cientistas Empreendedores que usa o Telegram para pensar juntos em novas oportunidades. Maristela Raposo Meireles, gestora de marketing da Wylinka, esclarece que o grupo foi feito para ser um canal de comunicação da empresa com cientistas que querem empreender.
“Queremos nos comunicar com pessoas que já participaram de nossos projetos. Acompanhar essa galera no longo prazo, saber quem criou startup, se levou adiante, se está captando investimento, saber quais são as dificuldades deles. Além disso, oferecemos um local para compartilhar experiências e acessar um ao outro, como uma rede de apoio”, afirma Maristela.
Outro desdobramento dessa iniciativa é criar uma biblioteca de soluções desenvolvidas pela Wylinka e parceiros. Ana Carolina menciona dois exemplos de banco de dados semelhantes.
O primeiro é o Ebook Deep Tech Saúde: Impacto social da ciência e tecnologia no campo da saúde, feito em 2019, em parceria com o Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da Universidade de São Paulo (PGT-USP), além de Eurofarma, Instituto Sabin e Umane. Foram mapeadas 63 tecnologias dentro da academia brasileira e do ecossistema de ciência e tecnologia, com potencial para resolver desafios em duas grandes frentes: prevenção e tratamento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT`s) e análises clínicas, exames de rotina e diagnóstico por imagem.
O segundo exemplo é o Mapeamento de Tecnologias Covid-19, realizado em 2020, que reúne 72 propostas para combate ao coronavírus.
Dois projetos em especial foram destacados pela CEO da Wylinka. O primeiro deles, feito em parceria com a Fiocruz, aconteceu entre 2016 e 2017 no Gestec-NIT, rede com 20 núcleos de inovação tecnológica em nove estados brasileiros.
O escopo visava despertar uma atuação mais proativa por parte da rede e envolveu capacitação de 50 profissionais para avaliação de tecnologias, avaliação de portfólio tecnológico e prospecção de parcerias com o mercado.
“Foram mais de 100 empresas interessadas e 10 parcerias geradas. Ter a oportunidade de apoiar os cientistas da Fiocruz, de transformar o que eles desenvolvem, principalmente em saúde pública, em solução de verdade foi especial”, lembra Ana Carolina.
O segundo foi desenvolvido com a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). A encomenda do InovaHC foi a criação de um programa de pré-aceleração de tecnologias. Nomeado In.cube, o projeto estimulava médicos, colaboradores e pesquisadores de todas as unidades do Hospital das Clínicas, em São Paulo (HCFMUSP) – maior complexo hospitalar público da América Latina – a transformar suas pesquisas em startups e soluções para a saúde pública.
Ao longo de 2021, houve duas rodadas de aceleração, capacitação de mais de 80 pesquisadores, professores e estudantes e criação de 37 soluções de base tecnológica. Os projetos abrangeram diversas áreas da saúde como:
• Diagnóstico e tratamento de pacientes com câncer e diabetes;
• Atendimento psicológico de pessoas vulneráveis ou de baixa renda;
• Desenvolvimento de testes para infecção sexualmente transmissível
• Telemedicina;
• Reabilitação física;
• Eficiência em procedimentos cirúrgicos;
• Gestão de dados no sistema de saúde.
“O pesquisador que está dentro do HC, geralmente um médico, tem acesso a conhecimento científico de ponta e, ao mesmo tempo, aos problemas das pessoas. O desafio era unir essas duas capacidades para criar soluções efetivas”, conclui Ana Carolina.