• “Parto humanizado não é um estilo de parto nem um serviço que se vende”, alerta especialista

    Paulo Noronha é ginecologista e obstetra pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Foto: Divulgação.
    Paulo Noronha é ginecologista e obstetra pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Foto: Divulgação.
    Jose Renato Junior | 25 abr 2025

    A morte de recém-nascidos, relatos de dor extrema sem analgesia, episiotomias sem consentimento e intervenções feitas à revelia da gestante. Esses foram alguns dos casos que chocaram o país no domingo (21/4/2025), com a exibição de uma reportagem do Fantástico. A denúncia levanta um alerta: é possível sofrer violência obstétrica até mesmo em partos rotulados como “naturais” ou “humanizados”.

    Para Paulo Noronha, ginecologista e obstetra pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), é essencial resgatar o real significado do termo, que vem sendo distorcido nas redes sociais.

    “Parto humanizado não é um estilo de parto nem um serviço que se vende. É um movimento por direitos: o direito da mulher de ser protagonista do próprio corpo, de ser respeitada, ouvida, informada e de participar de cada decisão que envolve o nascimento do seu filho”, esclarece Noronha.

    A humanização surgiu como resposta à medicalização excessiva do parto, à imposição de condutas que desconsideram a individualidade da gestante e à cultura de intervenções sem embasamento científico. 

    Ainda hoje, práticas como a episiotomia de rotina, a manobra de Kristeller (empurrar a barriga da mulher), o jejum prolongado e o uso indiscriminado de ocitocina são usadas sob a justificativa de “acelerar o trabalho de parto” – contudo, de acordo com Noronha, ferem princípios básicos da assistência segura e respeitosa.

    “A humanização do parto não é contra intervenções, mas contra a falta de critério e consentimento. Se for necessário usar ocitocina ou realizar uma analgesia para garantir o parto vaginal, isso pode ser feito, mas, sempre com base em evidência científica, justificativa clínica e com o consentimento informado da mulher.”

    A educação perinatal é, segundo o especialista, uma das formas mais eficazes de se proteger contra abusos. Conhecer os diferentes cenários possíveis do parto, entender os sinais de alerta e saber que o plano de parto é um documento legal, pode ser decisivo para que a gestante tenha uma experiência segura.

    Já para a enfermeira obstetra Cinthia Calsinski, é possível identificar profissionais que apenas se apropriam do discurso da humanização sem aplicá-lo na prática.

    “Humanização se vê nos detalhes: na escuta ativa, no tempo de consulta, no respeito às suas dúvidas, no compartilhamento das decisões. Quando a mulher sai da consulta se sentindo infantilizada, desconectada ou desinformada, já é um sinal de alerta”, descreve Calsinski.

    Ela lembra que a violência obstétrica pode ocorrer em qualquer tipo de parto, inclusive quando é domiciliar. A chave está no respeito e na informação.

    Cinthia Calsinski é enfermeira obstetra pela Febrasgo. (Foto: Divulgação).
    Cinthia Calsinski é enfermeira obstetra pela Febrasgo. (Foto: Divulgação).

    Entre os sinais de alerta para a violência obstétrica estão:

    Realização de procedimentos sem explicações ou sem consentimento;

    • Frases desqualificantes como “eu sei o que estou fazendo” ou “não se preocupe agora com isso”;
    • Impedimento da presença do acompanhante;
    • Manobras invasivas e dolorosas sem indicação clínica.

    E como agir se a mulher estiver sofrendo violência obstétrica durante o parto?

    “Frases como ‘isso precisa do consentimento dela’ ou ‘respeite o plano de parto’ podem ser ditas pelo acompanhante ou pela doula. Registrar com fotos ou vídeos também é um direito. Após o parto, o caminho da denúncia pode começar na ouvidoria do hospital e seguir até o Ministério Público, se necessário”, orienta a enfermeira.

    A banalização da humanização

    As redes sociais também são alvo de crítica dos especialistas. O termo “parto humanizado” tem sido tratado como rótulo comercial, associado a ambientes com iluminação suave e banheiras, enquanto, na prática, falta escuta, respeito e técnica.

    “Humanização não é decoração de sala de parto. É garantir que a mulher seja tratada com dignidade, com base em ciência e não em modismos”, reforça Noronha.

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