Há 32 anos, o economista Fernando Torelly bate ponto em um hospital diariamente. Com especializações em gestão de recursos humanos, administração hospitalar e negócios de saúde e mestrado em administração de empresas, ele começou cedo sua carreira como gestor: aos 15, no posto de gasolina do tio.
De lá para cá, foi vice-presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, diretor do Hospital Moinhos de Vento e diretor executivo do Hospital Sírio-Libanes. Hoje é o superintendente corporativo do HCor, em São Paulo, referência no país e a marca mais lembrada em cardiologia, segundo pesquisa Top of Mind realizada em 2019 pela empresa HSC, em São Paulo.
O primeiro atendimento do HCor aconteceu em 1976, mas a história da instituição é bem mais antiga – e começa em 1918 como Associação Beneficente Síria, fundada por senhoras da comunidade árabe que auxiliavam órfãos da Primeira Guerra Mundial. Com o tempo, a associação passou a cuidar de pacientes com tuberculose e, na década de 1960, criou um hospital dedicado à cirurgia torácica.
Pioneiro em uma série de procedimentos cardiológicos, o hospital tem sua atuação ampliada para as demais especialidades médicas. Conta hoje com um parque tecnológico com equipamentos de ponta, incluindo salas híbridas, e centros como o HCor Onco, Centro de Diagnósticos e Clinic Check-up, além de serviços de reabilitação ortopédica, oncológica e cardiovascular.
Nos últimos meses, a instituição investiu R$ 16 milhões em tecnologia. E mais recentemente, durante a pandemia, seu quadro de colaboradores foi acrescido de 119 novos profissionais. A Covid-19, claro, alterou completamente a rotina no HCor.
“Tivemos de implementar em tempo recorde novos protocolos de atendimento, separar unidades para tratamento de pacientes com e sem Covid-19, reforçar medidas de higiene e proteção”, afirma o CEO.
“Sem falar na adaptação ao uso das tecnologias tanto para resoluções administrativas quanto nos atendimentos da assistência.”
Para Fernando, o trabalho de sua equipe altamente capacitada fez toda a diferença. “Como executivo de um grande hospital em São Paulo, uma das cidades mais afetadas pela pandemia, me vi diariamente conduzido e liderado pelos profissionais da linha de frente”, afirma.
“Eles fizeram um esforço heroico para se adaptar a essa nova realidade e enxergar o processo de atendimento em todas as suas nuances, da humanização ao financeiro, do emocional ao prático.”
Confira abaixo a entrevista que ele deu a Future Health.
Você começou a trabalhar muito cedo, aos 15 anos, num posto de gasolina, fazendo a gestão do escritório. Como sua trajetória o levou para a administração de hospitais?
É interessante olhar para trás e ver essa trajetória. Eu tive um cargo de gestão aos 15 anos, trabalhava no posto de gasolina do meu tio e, nessa ocasião, eu fazia toda a gestão do escritório. Comecei muito cedo e pude conhecer processos de gestão, gestão financeira, de pessoas.
Meu primeiro contato com a área de saúde foi quando trabalhei na Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul, meu primeiro emprego depois do posto de gasolina.
Em seguida, surgiu a oportunidade de trabalhar como chefe de recrutamento e treinamento do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O mesmo lugar onde eu tinha passado boa parte da minha juventude, por causa de uma longa internação do meu pai. Resolvi abraçar essa experiência e, desde então, sigo firme nesse setor.
O que mais o encanta em trabalhar no setor de saúde? E quais vê que são os maiores desafios?
Na minha opinião, a saúde é um dos segmentos de negócio que têm o propósito mais bonito. Nós lidamos com a vida, trabalhamos em prol dela. A medicina – e aqui amplio para o sistema de saúde – é, acima de tudo, humana. Esse é o meu maior encantamento, mas também é o nosso maior desafio.
Você administra hospitais há 32 anos. O que pode falar de como a Covid-19 impactou a rotina de um hospital?
A pandemia de Covid-19 provocou transformações em todas as áreas da vida, mas, nos hospitais, podemos dizer que ela causou uma revolução. Tivemos de implementar em tempo recorde novos protocolos de atendimento, separar unidades para tratamento de pacientes com e sem Covid-19, reforçar medidas de higiene e proteção. Sem falar na adaptação ao uso das tecnologias tanto para resoluções administrativas quanto nos atendimentos da assistência. E, por falar em resoluções, o trabalho em equipe de todos os profissionais fez toda a diferença na tomada de decisões rápidas e alinhadas.
Quais foram as principais ações tomadas pelo HCor?
Internamente, desenvolvemos fluxos apartados na nossa instituição, desde a entrada até os elevadores, salas de espera e centro cirúrgico. Implantamos o projeto do “pronto-socorro em casa” e as teleconsultas, a fim de viabilizar atendimentos iniciais de urgência e emergência fora do ambiente hospitalar – onde grande parte da população não queria estar. Em ações extramuros, pudemos nos mobilizar para apoiar a população, com a doação de milhares de máscaras caseiras, e fomos ágeis para desempenhar o nosso melhor, ajudando o setor público e o Sistema Único de Saúde com doações de toneladas de equipamentos de proteção individual, capacitação de mais de 10 mil profissionais em 16 estados brasileiros e adoção de dez leitos de UTI do Hospital das Clínicas de São Paulo.
E, no que diz respeito às pesquisas, participamos da grande mobilização da Coalizão Covid Brasil, que uniu o HCor e outros cinco grandes hospitais brasileiros na investigação da eficácia dos tratamentos da Covid-19.
Aos nossos profissionais, oferecemos todo suporte desde o início da pandemia, disponibilizando ações de apoio psicológico, bem-estar e descompressão, com grupos virtuais de acolhimento e meditação guiada online e in loco em algumas áreas específicas.
Também ofertamos estadia para colaboradores que, por decisão própria, desejaram se hospedar em local próximo ao hospital e garantir tranquilidade e segurança às suas famílias.
Além disso, abrimos as portas de um ambulatório médico com seis consultórios, sala de triagem, observação/medicação e coleta de exame no atendimento aos casos com sintomas respiratórios, além de monitoramento diário de todos os profissionais afastados – um serviço que também realiza atendimento a cônjuges e dependentes da nossa força de trabalho.
E como esse momento tão, digamos, particular o afetou particularmente?
Esse momento de reviravolta nos ensinou muito sobre gestão compartilhada, integração e solidariedade. Como executivo de um grande hospital em São Paulo, uma das cidades mais afetadas pela pandemia, me vi diariamente conduzido e liderado pelos profissionais da linha de frente, que fizeram um esforço heroico para se adaptar a essa nova realidade e enxergar o processo de atendimento em todas as suas nuances, da humanização ao financeiro, do emocional ao prático. Sem dúvida, é possível enxergar crescimento e amadurecimento não só em mim, como em todos que estão nesse enfrentamento direto da Covid-19.
O pioneirismo e a inovação marcam a história do HCor. O primeiro implante de stent em humanos foi feito lá, assim como o primeiro stent de carótida. Como vocês trabalham a inovação internamente, mantendo ativa sua cultura em uma companhia tão grande e tão tradicional?
O ponto mais importante que coloca o HCor na vanguarda dos hospitais é a possibilidade de agregar um hospital de especialidades a uma unidade de atendimento geral. Somos pioneiros em uma série de procedimentos cardiológicos e buscamos sempre atuar com base no que há de mais inovador na área de saúde. Temos uma ampla equipe de experientes médicos e uma área de pesquisa de alcance mundial, a partir da qual realizamos estudos que ajudam na evolução da medicina, com número expressivo de publicações em renomadas revistas científicas.
Vocês receberam recentemente o certificado de Melhores Práticas de Prevenção e Enfrentamento à Pandemia de Coronavírus. Quais foram as medidas responsáveis por isso?
O HCor vem se preparando desde antes de o primeiro caso de Covid-19 ser registrado no Brasil. Redesenhamos alguns fluxos e processos para proporcionar mais segurança a nossos pacientes, médicos e colaboradores, implementando, ainda, rígidos protocolos de triagem às unidades de atendimento para continuar prestando assistência integral ao público. A higienização das mãos com álcool em gel na entrada do hospital, em consultas médicas ou realização de exames e procedimentos é obrigatória, assim como o uso de equipamentos de proteção individual, além de outra série de adequações.
Nós fomos avaliados através do compartilhamento de evidências que abrangem mais de 100 requisitos nas vertentes de liderança e comunicação, distanciamento físico, higiene e limpeza, monitoramento de saúde, deveres e direitos dos trabalhadores, planos de emergência, educação e treinamento.
Na categoria de hospitais, a empresa certificadora ainda contempla segmentos como: atendimento ambulatorial e de emergência, internação, prevenção e controle de infecção, atendimento cirúrgico e obstétrico, exames videoscópicos e broncoscópicos, exames radiológicos e de imagem, Unidade de Terapia Intensiva e manuseio do corpo após a morte. No geral, conseguimos apresentar um desempenho superior a 90% de conformidade.
E quais foram as “lessons learned” com a pandemia?
Gestão compartilhada, integração e solidariedade. Compreendemos, sobretudo, a necessidade de conexão entre as instituições de saúde privadas e públicas para que possamos desempenhar o melhor trabalho possível. Desde o princípio, entendemos que não poderíamos deixar nenhum cidadão perder a vida por falta de leitos ou equipamentos, enquanto existissem esses insumos em alguma instituição – pública ou privada – do país.
O HCor tem um parque tecnológico referência, com salas híbridas e equipamentos diagnósticos de ponta. Qual é a “menina dos olhos” do hospital, aquela solução que mais dá orgulho?
Muito além das nossas tecnologias, nossa “menina dos olhos” é a nossa força de trabalho. Não há tecnologia que se sustente com excelência sem ser manuseada por profissionais competentes, com ampla expertise e que estão sempre em busca de oferecer o melhor atendimento a seu paciente. E posso afirmar com orgulho que, aqui no HCor, nós enxergamos em nossos colaboradores assistenciais e administrativos todas essas características.
O HCor investiu nos últimos meses R$ 16 milhões em tecnologia. Quais projetos você pode destacar?
Dentre os principais projetos, no campo da inteligência artificial, destaco a implementação de um chatbot para seguimento dos pacientes com suspeita de Covid-19, pós-alta do serviço de pronto-atendimento.
Por meio do bot, com o disparo automático de mensagens via celular, a equipe de enfermagem consegue fazer uma triagem para saber se o paciente continua bem mesmo após a alta do PS.
Caso detectado sinal de alarme, enfermeiros e médicos entram em contato e passam as orientações necessárias para o paciente e seus familiares. Vale ressaltar também a contratação de um software para eliminar o uso de papel nos laboratórios do HCor e integrar os exames ao prontuário eletrônico do paciente, agilizando laudos médicos de exames importantes, investimentos em plataforma de teleconsulta e certificação digital de mais de 100 médicos do seu corpo clínico, além de estrutura de redes para oferecer maior agilidade no atendimento de pacientes e especialistas.
Na prática, o que a aplicação de tecnologias como inteligência artificial e ciência de dados traz de benefícios para o paciente HCor?
No HCor, os recentes investimentos em tecnologia trouxeram aos pacientes, por exemplo, mais celeridade à disponibilização de laudos médicos de exames importantes para o diagnóstico de Covid-19 e de doenças associadas, além de garantir mais segurança, devido à certificação digital. Isso sem falar no monitoramento de pacientes à distância, por meio dos bots.
Como o HCor trabalha com o ecossistema de inovação? Há parcerias com startups ou universidades?
O HCor tem atuado em várias frentes de inovação: desde o início da pandemia, por exemplo, diversos serviços de telemedicina como a teleconsulta, tele-UTI e telepsicologia, além de iniciativas para promover assistência ambulatorial e hospitalar em ambientes mais seguros e com maior qualidade foram lançados.
Em novembro de 2020, também criamos a Gerência de Inovação, com planejamento de criação de um laboratório próprio para fomentar uma cultura de inovação na instituição, novas iniciativas, incubar startups, redesenhar fluxos visando maior agilidade e eficiência, dentre outras atividades.
Novos modelos de negócio em saúde inovadores também têm sido desenvolvidos na instituição, tanto para os próprios trabalhadores do HCor quanto em parceria com operadoras de saúde, com foco em cuidados de saúde integrados (modelos de assistência em saúde baseada em valor).
E como você enxerga hoje o setor de saúde no país, no que diz respeito à inovação?
Nos últimos anos, já acompanhamos um crescimento exponencial de soluções oferecidas pelos aplicativos, plataformas e healthtechs que não se resumem apenas à assistência do paciente, mas abrangem a gestão e eficiência de processos, questões logísticas, medicina preventiva e otimização na hora de conduzir tratamentos. No país, há estatísticas que apontam que 85% das pessoas se comunicam de alguma forma com os médicos por meios eletrônicos, fato que endossa não somente a eficiência das iniciativas digitais como uma tendência de mercado, que precisará continuar inovando, ao passo que mantém as pessoas mais seguras e confortáveis com o uso da tecnologia.