• Como a Mind the Graph usa infografia para diminuir o gap entre o conhecimento científico e o cidadão comum

    Fabrício Pamplona, CEO e cofundador da Mind the Graph (Foto: Bruno Ropelato)
    Jose Renato Junior | 20 out 2021

    O Brasil é um país de contrastes, inclusive em termos de ciência. Por um lado, mesmo a despeito das dificuldades de financiamento de pesquisas, ocupamos a 14ª posição entre os países que mais publicam artigos internacionalmente.

    Ademais, somos a pátria de uma edtech catarinense, pioneira no uso de tecnologia na área de interfaces criativas interativas, que permite a pesquisadores mundo afora transmitirem informações científicas de forma atrativa, simples e visual. 

    Trata-se da Mind the Graph, plataforma por assinatura que disponibiliza ilustrações prontas para o próprio autor de artigos científicos montar um infográfico em esquema “arrasta e solta”, mesmo que seja leigo em design. 

    Segundo um de seus fundadores Fabrício Pamplona, 39, hoje, a edtech atende demandas de cientistas de 50 países – entre os quais se destacam EUA (23% dos cerca de 500 mil usuários da plataforma), Brasil (12%), Inglaterra (7%), Canadá (5%) e Alemanha (4%). Não por coincidência, o site da Mind the Graph é todo em língua inglesa.

    O QUE A CIÊNCIA TEM A VER COM A INFOGRAFIA? TUDO

    “Quando eu descobri a infografia, minha cabeça explodiu. Disse a mim mesmo que os cientistas precisavam conhecer essa linguagem”, afirma.

    Porém, a constatação de que a criação de infográficos – textos visuais informativos associados a elementos não verbais como imagens, sons, gráficos e hiperlinks – poderia ser um negócio de recorrência demorou a acontecer na vida de Fabrício.

    Ele é formado em Farmácia e tem pós-doutorado em Neurofarmacologia. A ideia da empresa veio se desenhando na cabeça dele desde a apresentação de sua tese de mestrado, em 2004. 

    Na época, ele ouviu um elogio da banca pelo uso de recursos visuais que simplificaram a explicação. 

    “Eu gastava horas, às vezes dias, no PowerPoint, fazendo esquemas muito bem elaborados. Sentia as dores de, muitas vezes, não ter as figuras de que eu precisava”, relembra. 

    “Ficava com vergonha alheia dos colegas quando eles colocavam tiras de quadrinhos [em suas teses] por falta de recursos.” 

    O empreendedor e pesquisador fez três teses acadêmicas, a última apresentada em 2011. Mas foi só em 2014 que conseguiu convencer o experiente designer Leonardo Minozzo, 39, com quem sempre esbarrava em palestras, a iniciar um negócio.

    SÓCIOS ANTES DE SE TORNAREM AMIGOS

    A percepção de Fabrício era que os cientistas tinham dificuldade de achar as imagens e ilustrações para incrementarem seus trabalhos de pesquisa, e que haveria demanda para fazer um serviço customizado.

    Medicina e Ciências da Vida & Saúde são, de longe, as duas comunidades mais ativas quando se trata de publicação científica. Juntas, são responsáveis por 60% a 80% do conteúdo publicado no mundo.

    É preciso admitir que o conhecimento de um cidadão comum sobre essas áreas é raso. Os cientistas, portanto, encontravam dificuldade para se fazerem entender por ilustradores contratados diretamente para produzir um infográfico.

    A ideia de Fabrício era que, por ser da área, ele teria como traduzir ao designer gráfico o briefing do cientista e evitaria o embate de linguagens: método científico x arte. 

    Difícil foi convencer Leonardo de que existia um mercado e que o cientista teria bolso para pagar o custo real do serviço. “É algo que exige um nível de dedicação alto. Frequentemente, o designer precisa mergulhar na informação com profundidade, para aí, emergir com a simplicidade.”

    A hipótese tinha de ser colocada à prova. Isso foi possível com recurso recebido em 2014 do edital Sinapse da Inovação – Fapesc, no valor de R$ 80 mil, que viabilizou o primeiro protótipo do serviço e processo de validação concierge

    “É quando a gente presta um serviço para o cliente para entender profundamente as dores dele, saber quanto ele está disposto a pagar e, aí sim, você pode embarcar aquele serviço na forma de um produto para conseguir ganhar escala.” 

    O ano de 2015 foi gasto, basicamente, nisso, e os sócios contaram com mais R$ 380 mil vindos do Edital RHAE – CNPq. 

    Fabrício diz que nessa época eles já faziam trabalhos relevantes como, por exemplo, uma capa da revista NeuroScience que ganhou o prêmio de melhor capa de neurociência do mundo. Mas ainda não tinham o estilo visual próprio, que é característico da Mind the Graph. 

    Porém, o maior aprendizado foi que o negócio só vingaria se houvesse escala e a Mind the Graph fosse uma experiência para dar autonomia aos próprios cientistas a fazerem seus gráficos da forma como desejassem, com uma interface user friendly. Ou seja, o serviço teria de se transformar em um produto.

    Exemplo de um infográfico feito com recursos da edtech

    A PIVOTAGEM E A ARRISCADA ESTRATÉGIA DE POPULARIZAÇÃO

    Ao entender que o autor já sabe o que quer e conhece melhor que o designer o que vai comunicar, surgiu o insight de prover uma biblioteca de imagens científicas corretas.

    Esse arquivo é criado internamente sob licença de uso Creative Commons (permite cópia e compartilhamento com menos restrições que o tradicional “todos os direitos reservados”) e uma forma automatizada de disponibilizá-lo.

    A tecnologia prevê que o usuário crie dentro de uma lógica em que escolhe as informações de maneira a desenvolver uma narrativa. E ainda permite que um algoritmo crie versões de estilo de acabamento da imagem selecionada. 

    “A ilustração não é só uma ilustração: ela é entendida por um código e é apresentada na web de uma maneira que pode ser customizada”, esclarece Fabrício. 

    “Você vai de um ícone a uma versão realista da mesma imagem com um clique.”

    Para poder lançar o produto em versão beta fechada, os sócios começaram com um banco pequeno de 100 ilustrações e desenvolveram um sistema simples de combinação de imagens com hierarquia de informação e fluxo de leitura pré-definidos. 

    Em 2016, um novo prêmio de R$ 200 mil, desta vez oferecido pelo Programa de Promoção da Economia Criativa da Samsung/Anprotec, catapultou o lançamento do criador de infográficos acadêmicos, disponibilizado gratuitamente a todos.

    Fabrício faz um mea culpa em relação a isso: “A gente certamente ‘abriu as pernas demais’ para os usuários. Isso explica por que a gente tem uma conversão relativamente pequena hoje da base de gratuito para assinantes. Foi uma estratégia de popularização”. 

    Na sequência, tentaram vender o produto em modelo trial, no valor de US$ 49 mensais. Perceberam que o crescimento seria muito limitado

    “Agora, estamos em uma briga de retenção, de melhorar a conversão dentro da base.” A versão mais comercializada custa, hoje, US$ 15 por mês. Os clientes costumam permanecer em média 9 meses com a empresa.

    IMAGEM CIENTIFICAMENTE CORRETA: O GRANDE ATIVO

    Criar ilustrações é uma rotina diária na Mind the Graph, uma vez que usuários pagantes podem pedir novos desenhos, sem custo adicional algum. São dezenas de pedidos diariamente. O prazo de entrega é de no máximo uma semana. 

    “Consideramos os clientes cocriadores das imagens solicitadas, já que é um processo colaborativo. E todo o conteúdo é distribuído via licença Creative Commons”, diz o cofundador.

    Para isso, 20% dos 16 colaboradores da empresa – que antes tinha uma sede à beira da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, e hoje está all remote – são designers. “A ilustração sempre foi um asset essencial e a gente cunhou o próprio estilo.”

    Esse modelo permite que a edtech customize ilustrações de uma maneira muito barata e cresça a base de imagens somente com coisas que importam, porque foram criadas junto com um pesquisador. Ao mesmo tempo, as ilustrações são cientificamente corretas. 

    A biblioteca tem, no momento, 60 mil imagens e é considerada por Fabrício o maior banco de ilustrações científicas do planeta.  

    “A nossa missão hoje é tornar a busca por conteúdo científico melhor na Mind the Graph do que no Google, com a vantagem de termos imagens curadas por especialistas e específicas, junto com as ferramentas básicas de comunicação visual.”

    A EVOLUÇÃO PARA O MODELO B2B

    Uma vez validado o produto, a Mind the Graph partiu para venda B2B. Criou-se uma versão white label chamada de MyClass para uso em sala de aula, em parceria com um dos grandes grupos educacionais do mundo.

    Empresas farmacêuticas brasileiras e multinacionais também passaram a contratar a edtech para produção de infográficos como serviço, muitas vezes por intermédio de agências de comunicação estrangeiras. 

    Voltados à educação médica, o chamado marketing científico – conteúdo que engaja, educa e também promove produtos inovadores e novas descobertas científicas –, eles representam entre 10 a 15% do faturamento. 

    “A infografia como linguagem dentro desse meio é uma inovação”, afirma.

    São três tipos de trabalho e o workflow é comum: existe uma necessidade do cliente, que manda um briefing, o material e recebe uma peça publicitária. 

    Há a infografia premium, que usa imagens inéditas (a um custo que parte de US$ 1 mil); aquela que usa as ilustrações da biblioteca da Mind the Graph (a um custo de US$ 150); e a facilitação visual de lives (a um custo de R$ 3 mil), em que um cientista fica ao lado do cliente para criar um mapa mental e mandar as informações para o infografista que vai criando a imagem na hora. 

    “É um estilo visual mais simples, parece feito a mão, porque a gente tem que criar muito rápido. E a nossa proposta é ter o conteúdo uma hora depois, disponível para o cliente.” 

    EMPREGANDO IA PARA SUBVERTER A LÓGICA DO TEMPLATE

    Talvez você não saiba, mas todos os cientistas criam pôsteres para que, durante eventos científicos, consigam se destacar entre os milhares de pares que tentam se fazer enxergar no mar da ciência. 

    É uma espécie de outdoor, que pode trazer fama e mais fundos para uma futura pesquisa.

    A peça de comunicação é bem definida: traz, obrigatoriamente, uma introdução, descrição do método usado e os resultados. Pode ser absurdamente tradicional… ou pode ser feita pela ferramenta de Inteligência Artificial gratuita Poster Maker da edtech.

    Lançada em agosto, a PosterMaker faz autodiagramação sobre um layout líquido de informações. Quer dizer, a IA primeiro entende o conteúdo para depois criar uma forma para ele. É a subversão da lógica do template.

    “Minha ideia sempre foi entrar na cabeça do cientista para entender o conteúdo que ele quer criar e propor. Ser propositivo em quais são as imagens que se adequam melhor àquele conteúdo..” 

    Assim nasceu o produto que pega as informações diretamente do artigo publicado e cria o pôster para o pesquisador.

    Também criado no modelo de gratuidade, o que o CEO chama de “imã de lead”, o PosterMaker tem dentro de si mesmo um motor de recomendação. 

    Quando o usuário insere as informações do pôster, é convidado a mencionar os coautores para que eles também tenham acesso ao conteúdo. 

    “É um motor de crescimento viral, que é muito importante para o tipo de negócio que a gente é: um SaaS. E é com esse motor de crescimento que eu pretendo chegar ao primeiro milhão de usuários.” 

    Os números comprovam o valor das iniciativas. Mais de 300 artigos internacionais publicados já possuem infográficos criados na plataforma e mencionam a Mind the Graph. “Isso sem contar os que não mencionam”, brinca Fabrício. 

    O faturamento projetado para 2021 é de R$ 3 milhões, um crescimento de 40% a.a. impulsionado também pela avidez de informações sobre saúde desencadeada durante a pandemia de Covid-19.

    Se a pandemia não fosse uma catástrofe humanitária global, Fabrício comemoraria o crescimento e a valorização que sentiu por ser cientista. 

    “Agora a minha luta é pela alfabetização científica de uma maneira geral. As pessoas tomam decisões que envolvem a ciência todos os dias. Vacino ou não vacino meu filho? Tomo suplemento ou não tomo? Compro um carro elétrico ou um carro normal?”, questiona. 

    “No final das contas, sabendo mais ciência, as pessoas vão viver melhor, vão tomar melhores decisões, ter melhor saúde e consumir produtos melhores.”

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