A chegada da maternidade é cercada por sentimentos ambivalentes, receios, expectativas, alegrias e preocupações. E é por isso que cuidar da saúde mental materna é um desafio para todos os profissionais que interagem com as mães.
Com o Setembro Amarelo, período em qeu os holofotes estão voltados para saúde mental e suas implicações, como a prevenção ao suicídio, trazer o recorte da maternidade se faz necessário. Tanto que a Organização Mundial da Saúde (OMS), lançou este mês um guia com diretrizes importantes para a integração da saúde mental perinatal nos serviços de saúde materno-infantil.
De acordo com a agência, cerca de uma em cada cinco mulheres terá um episódio negativo relacionado à saúde mental durante a gravidez ou no ano após o nascimento do bebê.
A OMS também crava que momentos que alteram a vida, como gravidez, nascimento e paternidade precoce, podem ser estressantes para as mulheres e seus parceiros. Como resultado, as mulheres podem passar por um período de saúde mental debilitada ou sofrer um agravamento de condições pré-existentes.
E foi este contexto que levou Gabriela Sintra Rios, mestre em psicologia experimental pela USP e pesquisadora do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado de São Paulo (IS), a focar na área perinatal e da parentalidade.
“Sempre trabalhei com saúde materno infantil, tanto no desenvolvimento de pesquisas, como no atendimento, especialmente em grupos de gestantes, amamentação e apoio emocional. Meu maior interesse no trabalho com este público é pensar numa maternidade real e possível, mesmo com todos os desafios”, conta Gabriela.
Em seu Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, a Fiocruz também reconhece a importância de um olhar cuidadoso para a questão e afirma que, em todo o mundo, os problemas de saúde mental materna são considerados um desafio de saúde pública. Apesar disso, o tema ainda é ignorado na atenção pré-natal e no pós parto.
Segundo o órgão, a depressão é o transtorno mais frequente no período perinatal, atingindo de 15 a 20% das mulheres, seguido por ansiedade (16%), transtorno de estresse pós-traumático (4%( e psicose pós-parto (menos de 1%).
Além da rede de apoio formada pela família, amigos e pessoas próximas à mãe, os profissionais da saúde que cuidam da mulher – do ginecologista ao dentista – podem colaborar no diagnóstico de saúde mental de mães e incentivá-las a buscar apoio e ajuda qualificada para questões psicológicas.
Confira a conversa de Gabriela Sintra Rios com FUTURE HEALTH:
GABRIELA SINTRA RIOS: Há um crescente número de mulheres adoecendo no ciclo gravídico-puerperal. A verdade é que as emoções maternas são pouco validadas, pois existe uma banalização em torno do assunto, o que leva a julgamentos e comparações. Certamente, as mudanças com a chegada de um bebê podem causar uma sobrecarga emocional que muitas vezes é silenciada ou pouco compreendida.
Embora hoje este tema seja pauta para reflexões e discussões, sabemos que precisamos continuar dando visibilidade ao assunto de modo que a saúde mental materna não seja negligenciada.
É urgente que a sociedade mude essa postura julgadora e passe a enxergar a mulher-mãe como alguém que está passando por um momento de transformações, repleto de novos desafios.
O modo como cada mulher vivencia a experiência da maternidade é singular e isso também diz muito sobre as emoções dela. Levar em consideração este ponto é fundamental.
GSR: Acredito que o ideal é estabelecer parcerias em prol do bem-estar e saúde materna como um todo.
Pesquisas apontam que uma entre cinco mulheres durante a gestação e após o parto vivenciam algum transtorno mental, como por exemplo, ansiedade, altos níveis de estresse, ou mesmo depressão e isso tem se tornado motivo de grande preocupação em diversas áreas da saúde.
Penso que a mulher não precise passar por isso sozinha e o apoio permanente, próximo e contínuo tanto dos profissionais da saúde, família e sociedade são fundamentais para o bem-estar dessa mulher-mãe.
GSR: A sobrecarga física e mental é um problema real na maternidade e deve ser encarado de frente. Encontramos mulheres sobrecarregadas, desempenhando diversas funções e com uma concentração de tarefas em torno de si mesmas.
Isso também tem impacto na saúde como um todo, em especial na saúde mental, onde essa sobrecarga pode ser fator de risco para o desenvolvimento de alterações emocionais significativas como a depressão, síndrome do pânico e crises de ansiedade.
Quando a mulher começa a apresentar estes sintomas, a sugestão é que ela encontre ajuda especializada e seja acolhida com seus sentimentos, livre de julgamentos. Um espaço em que a mulher possa falar sobre seus anseios, preocupações, expectativas, conquistas, medos e, com isso, minimizar essa carga emocional que pode resultar em adoecimento.
GSR: Entendo que o cuidado a saúde mental materna deva ser permanente. A maternidade é algo único para cada mulher. O que acontece é que muitas mulheres encontram dificuldades em falar dos seus sentimentos por medo de serem julgadas ou comparadas.
Muitas vezes existe uma sobreposição entre os sintomas da depressão e as demandas próprias da maternidade e por isso a rede de profissionais que acompanha a mulher deve estar apta a reconhecer aspectos da vida da mulher que tem um recém-nascido, como a privação do sono e o aumento do estresse. Quando acumulados, esses fatores podem levar a algum tipo de transtorno mental, sim.
GSR: Em geral, o puerpério emocional dura em torno de dois anos, porém existem estudos que apontam até três anos. Durante este período, a mulher vivencia alterações significativas, tanto físicas como emocionais, que podem ter um impacto na vida como um todo, seja no trabalho, nas relações interpessoais e até na relação consigo mesma. Penso que mais do que um tempo cronologicamente definido, é necessário compreender que existe um período de adaptação para a nova realidade.
Sentir-se mãe é um processo, uma espécie de descoberta contínua. Por isso, acredito ser tão importante que essa mulher encontre um espaço para externar seus sentimentos, sua visão sobre a maternidade e até mesmo compreender este novo papel.
GSR: Na verdade, existem transtornos mentais que podem ocorrer durante a gestação e após o parto e eles não necessariamente estão relacionados à depressão, embora seja considerada a condição mais frequente.
Nós, enquanto profissionais da psicologia perinatal, precisamos acolher e estar atentos às principais demandas de cada mãe e, a partir daí, propor um acompanhamento pontual e serviços especializados.
GSR: Sim. Se analisarmos que desde a gestação a mulher pode apresentar algum tipo de transtorno emocional, podemos considerar que a saúde mental é um caso de saúde pública que merece atenção.
O ciclo gravídico-puerperal pode ser visto como um momento crítico para mulheres. Por isso é tão necessária a expansão dos cuidados da saúde mental materna. É preciso ampliar os cuidados, sensibilizar governos, famílias e a sociedade para que o melhor resultado sempre seja à atenção e o cuidado à essa mulher e seu bebê.
GSR: Perceber os comportamentos e sentimentos da mulher é um passo importante para este diagnóstico e acompanhamento, seja qual for o caso. Existem sintomas que são considerados recorrentes em cada um dos casos, mas considero que, independentemente da problemática, a mulher precisa ser acolhida.
O fato é que além das mudanças físicas e emocionais vividas no ciclo gravídico-puerperal, especialistas ressaltam a importância dos cuidados redobrados sobretudo a gestantes e puérperas. Em resumo, precisamos levantar a bandeira do “cuidar de quem cuida é extremamente importante”.