• É o fim da dor crônica? Como a LinkFit quer democratizar e facilitar programas de reabilitação física com inteligência artificial

    Carla Moussalli, CEO e cofundadora da LinkFit
    Jose Renato Junior | 1 fev 2022

    “Uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”. A definição de “dor”, revisada pela Associação Internacional para o Estudo da Dor, é quase poética.

    A verdade é: a dor dói. Muitas vezes, demais. E uma empreendedora, ao olhar a dor do mercado, acabou chegando de fato à dor das pessoas. 

    Foi assim que, quase ao acaso, Carla Moussalli e um sócio criaram em 2020 a startup LinkFit, que pretende, com a tecnologia, ajudar as pessoas a darem adeus às suas dores crônicas.

    Desde pequena, Carla sabia que queria ajudar pessoas. Por isso, ficou em dúvida entre fazer medicina e direito. Optou pelo segundo caso e, enquanto a maior parte de seus colegas de PUC (Pontifícia Universidade Católica) caminhavam para o direito público e civil, ficou interessada pelo universo da propriedade individual. 

    Ao fim dos anos de universidade, porém, notou que o direito não a completava. Era necessário procurar alternativas o quanto antes para encontrar uma nova paixão. 

    “Foi aí que eu comecei a olhar melhor para o mundo das startups, um nicho que eu conhecia relativamente bem por ter trabalhado nesse universo de propriedade intelectual”, conta. 

    O encanto pela tecnologia e pela inovação foi instantâneo – e o fato de ter um pai empreendedor foi o “empurrão genético” que faltava para seu plano deslanchar. Só tinha um detalhe: em que área investir tempo e energia?

    UM OLHAR PARA O QUE ERA VISTO COMO FÚTIL: O WELLNESS

    A resposta também estava no seio familiar. Carla vinha de uma família de esportistas e foi incentivada desde pequena a se exercitar (“Já fui pra campeonato brasileiro de nado sincronizado e fiquei em terceiro lugar, fiz ginástica olímpica, jogava polo aquático…”) e competir. 

    Bastaram algumas sessões de coaching focado em autoconhecimento, em 2019, para que Carla conseguisse unir seu objetivo inicial (ajudar as pessoas), o desejo de empreender e sua outra opção de faculdade (medicina). 

    “A parte de wellness e qualidade de vida me chamou muito a atenção, e percebi o quanto esse mercado era deficitário por aqui, graças a um olhar quase fútil – e não como uma necessidade e estilo de vida”, conta a empreendedora, que sabia que, graças à vida saudável que levava, quase não ficava doente. 

    Uma série de ideias mais tarde, que envolveram saúde baseada em valor, qualidade de vida e atividade física, entre o fim de 2019 e o início de 2020 Carla foi acelerar a ideia em parceria com Eretz.Bio e Google.

    Mas então veio a Covid-19, e a empreendedora teve que tirar o pé do acelerador. “Me disseram que aquele era o momento de estancar a Covid, e não de prevenção”, lembra. 

    Seria preciso repensar um modelo de negócios, mas sem abandonar a ideia principal. O projeto seguiu, agora focado nas necessidades de educadores físicos durante a pandemia. 

    OK, MAS O QUE O MERCADO PRECISA AGORA?

    “Quando comecei a trabalhar com profissionais da área de atividades físicas, passei a entender outras necessidades”, explica Carla. 

    O encontro que definiu o escopo de seu negócio aconteceu em uma edição do Startup Weekend, no qual Carla era palestrante. Ela descobriu lá um projeto do empreendedor Dhiogo Corrêa extremamente parecido com o nicho no qual ela estava surfando. 

    Dhiogo buscou Carla para aconselhamento, e ambos conversaram ao fim do evento. Uma hora depois, os dois já tinham um grupo no WhatsApp chamado “ClassFit” – o primeiro nome daquilo que viria a se tornar a LinkFit.

    As coincidências da vida de empreendedora de Carla também esbarraram na própria Covid – ainda que ela não acredite no acaso, e sim em estar aberta para coisas novas. 

    Se Carla já enxergava a tecnologia como uma necessidade para simplificar e democratizar processos, a pandemia que tomou conta do mundo acabou se encaixando em toda a proposta de negócios da LinkFit. 

    IA, REABILITAÇÃO E MUITA VONTADE DE MUDAR O MUNDO

    A LinkFit é uma plataforma de telemonitoramento de dores muscoesqueléticas, que permite prescrições e monitoração, em tempo real, de tratamentos fisioterápicos e reabilitadores a distância para pacientes de profissionais de saúde. 

    Basicamente, para resumir em uma frase, monitora dores crônicas de seus usuários. A ideia da startup é permitir que pacientes realizem tratamentos de forma efetiva graças à uma inteligência artificial. 

    “Em vez de ter um profissional dando diretrizes de reabilitação física através de uma câmera, ajustando posturas e sugerindo repetições, a IA oferece todo o programa, utilizando apenas a câmera de um celular ou computador”, conta. 

    Exemplo de como a IA lê e faz a correção dos movimentos

    Aí que mora uma das partes mais interessantes do negócio: não é preciso de nenhum hardware adicional para a ideia funcionar. E o motivo é simples: democratizar o serviço. 

    “A gente quer levar qualidade de vida e um tratamento eficaz para todas as pessoas, e não podemos falar de todas as pessoas se eu reduzir meu público à necessidade de capacidade e status para adquirir um sensor ou hardware, que ainda é muito caro no Brasil”, pondera. 

    “Um celular com câmera, porém, está muito mais próximo da população.”

    INTELIGÊNCIA PARA CRIAR A INTELIGÊNCIA

    Essa escolha pela democratização apresentou desafios para a LinkFit. Ao optar por não utilizar sensores no negócio, desenvolvedores se viram apanhando dos algoritmos, já que era necessário adicionar manualmente as informações para o funcionamento do empreendimento. 

    Isso trouxe outro problema. “Começamos a entender que, ao fazer dessa maneira, além de ela ficar muito enviesada por nós, teríamos um trabalho gigantesco para realizar o processo com todos os exercícios desse tipo que existem”, relembra Carla. 

    A solução encontrada foi migrar para um outro modelo: quanto mais pessoas realizam os exercícios, melhor a máquina entende os caminhos, realiza uma análise e extrai essas informações graças a parâmetros inseridos pelo time de Carla. 

    Os parâmetros são: velocidade, repetição de movimento, amplitude, alinhamento e angulação. A partir disso tudo, a equipe da LinkFit analisa as respostas trazidas pelo algoritmo, realiza uma curadoria e segue com o processo. 

    Além de ter sido incubada pelo Eretz.Bio, do Hospital Israelita Albert Enstein, a startup fechou recentemente uma grande parceria com o local para deixar esse processo ainda mais bem acurado. 

    “O Einstein disponibiliza uma equipe de reabilitação para realizar essa análise. Todas as fisioterapeutas analisam o que foi entendido pela IA, para a realização dos ajustes”, explica. 

    Tudo isso acontece antes de um paciente receber o diagnóstico e direcionamento, garantindo que a máquina não cometerá um erro com as pessoas que visa ajudar. 

    DESFECHOS CLÍNICOS PRECISOS 

    O objetivo final da LinkFit é conseguir que os desfechos clínicos sejam extremamente precisos e objetivos. 

    Vamos pensar em uma pessoa que realizou uma cirurgia no joelho, e está em um momento de pós-operatório. Se ela realizar os exercícios com a IA da startup, que oferece feedbacks em áudio e vídeo, todos os resultados serão analisados pelo algoritmo, baseados nos parâmetros supracitados, para entender a evolução daquele paciente. 

    Dessa maneira, um ortopedista poderá estudar todos esses resultados para entender, com dados, se a cirurgia (e a recuperação de um paciente) teve sucesso. 

    “O que estamos fazendo é criar uma linha de cuidado ortopédico para que se tenha embasamento para sair de uma saúde baseada em taxa de cobrança, que é pagar a cirurgia e fim de papo, para uma cirurgia baseada em valor”, define. 

    São subsídios e ferramentas para que tudo isso se torne possível, e a LinkFit possa até mesmo apontar se uma pessoa realmente precisa de uma cirurgia ou não. Esse, no caso, seria o “estado da arte” da startup.

    Os sócios Carla Moussalli e Dhiogo Corrêa

    Há dois planos já prontos para profissionais, clínicas e hospitais. Um deles custa de R$ 15 por paciente ao mês; o outro, R$ 650 para até 50 clientes. É possível ter mais clientes, por valores diferentes. 

    Os planos incluem a possibilidade de criação de treinos ilimitados, acesso a uma plataforma de videoconferência, alocação de agenda de treinos e consultas, a correção de movimentos via algoritmos de IA e painel de controle dos treinos realizados.

    A BUSCA INCESSANTE PELO ACESSO – DE OLHO NO METAVERSO

    Um dos maiores desejos de Carla em relação à LinkFit é democratizar cada vez mais esse serviço. Envolvida com ONGs desde sempre, com um histórico de coordenação na organização “Sonhar Acordado”, ela entende a importância de estender esse serviço para pessoas que dificilmente teriam acesso a uma tecnologia tão avançada. 

    “Quando a LinkFit começou, instantaneamente procurei uma parceria com o Hospital das Clínicas, e nos tornamos uma startup parceira do HC, além de também sermos acelerados por eles”, explica. 

    Na prática, o que acontece é que protocolos de prevenção são realizados em parceria com o hospital, aplicados em pacientes que recebem o atendimento de forma gratuita. 

    Após uma realização de testes e aplicações na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), os planos da LinkFit envolvem oficializar a tecnologia de uma maneira oficial no HC, servindo de suporte para toda a reabilitação de pacientes – da prevenção à reabilitação e até mesmo na manutenção posterior da saúde física do paciente. 

    “A ideia é que isso chegue nas mãos dos médicos do SUS o mais rápido possível”, explica. 

    E nem o metaverso escapa da mente sagaz de Carla: ela acabou de voltar da Feira de Saúde de Dubai, onde realizou algumas parcerias estratégicas, incluindo uma empresa que já lida com o VR em relação a clinical outcomes: como projetar progressões de pacientes em uma linha do tempo e enxergar esses resultados através dessa nova tecnologia. 

    Apesar de a tecnologia ainda ser raridade no Brasil, entende-se que, em alguns anos, ela também pode começar a se democratizar. 

    No fim das contas, Carla acaba andando no meio termo entre uma ideia disruptiva, apoiada em tecnologia de ponta, com muita vontade de democratização e acesso à saúde por todos e todas. Um raro – e cada vez mais desejado – tipo de conta cujo saldo é positivo para todos os envolvidos.

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