A pandemia do novo coronavírus e a quarentena que fez com que as pessoas evitassem ao máximo sair de casa tiveram o efeito de mudar a visão do brasileiro sobre a telemedicina. Aumentou a confiança na possibilidade de entrar em contato remoto com um médico para descrever sintomas e, em casos sem gravidade, obter a orientação devida – mas, em casos mais preocupantes, ser recomendado a ir imediatamente ao hospital.
Essa aceitação beneficiou iniciativas como a plataforma MedKortex, da GetConnect – divisão de Telemedicina, Inovação e Conectividade da empresa OxySystem, que já opera há mais de 30 anos no mercado nacional de medicina.
A GetConnect existe desde 2004 e seu produto MedKortex está há seis anos no ar, depois de outros seis de desenvolvimento minucioso. Funciona como um amplo apoio ao médico em suas atividades do dia a dia.
Há cerca de quatro meses, a MedKortex foi agraciada com a aprovação da Anvisa – a primeira plataforma do tipo desenvolvida no Brasil a receber essa distinção. E lançou recentemente dois novos módulos aperfeiçoados para se juntar aos sete que já estavam em funcionamento, o Midas e o Diagnodds.
O atendimento e os recursos digitais vêm se apresentando como um grande avanço na medicina.
Uma pesquisa da MIT Technology Review Insights com mais de 900 profissionais de saúde indicou que a inteligência artificial representa uma extensão da capacidade deles, sem minimizar ou eliminar a necessidade da atuação do médico.
Para 93% dos entrevistados nesse levantamento, a tecnologia melhorou tanto a velocidade como a precisão nas análises dos dados sobre pacientes.
Marcelo Fanganiello, 41 anos, sócio da GetConnect desde seu início, conta como a empresa encontrou esse caminho. Odontopediatra por alguns anos, ele abandonou a prática para se dedicar em tempo integral ao projeto. “Não dá para fazer bem duas coisas ao mesmo tempo”, ele ressalta.
Com associados, Marcelo percebeu que a telemedicina, ainda muito incipiente 16 anos atrás mesmo no exterior, tinha um enorme potencial de crescimento no auxílio ao atendimento dos pacientes.
TELEMEDICINA BRASILEIRA PARA BRASILEIROS
Os primeiros projetos não eram muito amplos e os recursos oferecidos eram mais restritos, mas logo os líderes da GetConnect perceberam que havia muito campo a explorar no aprimoramento da telemedicina, que já começava a se desenvolver no exterior, embora de forma ainda tímida.
“Verificamos plataformas de fora e houve baixíssima aderência”, relembra Marcelo sobre aqueles primeiros dias. Havia vários problemas quanto a simplesmente importar tecnologias de fora e implantá-las por aqui.
Primeiro, o câmbio de moedas, sempre um problema que eleva muito os custos no Brasil. Outro empecilho era mais técnico. Assim como cada caso de paciente é um caso, o panorama da saúde de cada país varia bastante.
Então, importar um modelo europeu ou americano não teria o mesmo desempenho favorável por aqui por causa das características específicas de nossa população e de seus males.
“Era necessária uma adequação a como se lida com saúde no Brasil. Aqui é diferente dos Estados Unidos, da Europa. Nossos casos são distintos”, conta Marcelo.
E, numa situação que hoje parece impensável, havia uma reticência dos profissionais de medicina. “Naquela fase, o Brasil não acreditava na telemedicina como forma de trabalho.”
Se importar modelos prontos não funcionava, o jeito era desenvolver algo que atendesse às necessidades brasileiras. “Passamos a ver como desenvolver a partir do zero. Contratamos uma equipe de três programadores para dar início ao projeto. Hoje contamos com 16 programadores, todos nossos funcionários, sem terceirização”, diz o empreendedor.
“Também vimos que a telemedicina funciona de formas diferentes no público e no privado. Temos um tipo de configuração para um e um tipo de configuração para outro.”
ENERGIA, INTERNET E UM MÉDICO
Fazem parte atualmente da estrutura da MedKortex dois consultores que são profissionais de medicina, avaliando, apontando caminhos e sugerindo refinamentos para a atualização constante da plataforma.
A MedKortex também não é um produto rígido oferecido da mesma forma para todos que a procuram. “A plataforma é totalmente customizável. Parametrizamos para cada cliente, porque costumamos dizer que cada um tem a sua dor”, fala Marcelo.
A preocupação é em nunca parar de se atualizar e desenvolver novidades. “Toda tecnologia tem sua curva descendente. Mas a gente sempre investe muito em renovação. Tentamos sempre transformar nossa Curva B em Curva A”, afirma.
O foco é o B2B, prestar serviço a outras empresas de medicina. “Não temos equipe médica nem prestamos serviço. Não vamos concorrer com nossos clientes, que são consultórios, hospitais, planos de saúde privados e públicos”, analisa o empreendedor. “Oferecemos tanto o software – que é a MedKortex – como o hardware da OxySystem. Dizemos que, para utilizar nossos produtos, você só precisa de energia elétrica, internet e um médico, pelo menos. O resto, a gente fornece.”
Hoje, somando todos os clientes, a GetConnect conta com cerca de 21 mil médicos que podem recorrer à MedKortex para refinar seu trabalho.
INTELIGÊNCIA AUMENTADA E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
A MedKortex conta com nove módulos atualmente. Sete são um pouco mais antigos e dois novos foram lançados recentemente: o Midas e o Diagnodds.
O Midas é um módulo de apoio à decisão de diagnóstico pelo médico. “O médico não é um robô. Não tem como saber tudo – e não sabe tudo. Há milhares de doenças, cada uma com suas nuances de variáveis”, diz ele.
E continua: “O Midas ajuda na condução do médico com o que prefiro chamar de inteligência aumentada, em vez de inteligência artificial. Porque a inteligência artificial substitui o médico. Já a aumentada conduz e auxilia o médico a analisar as hipóteses e tirar suas conclusões”.
Já o Diagnodds é um complemento do Midas. Aí, sim, passamos a falar de inteligência artificial, conforme comenta Marcelo: “Ele compara dados de exames de um mesmo paciente. E vai validar ou chegar mais próximo das conclusões que o Midas ofereceu.”
Nas análises que a MedKortex processou em seu tempo de atividade, foi detectado um crescimento na assertividade sobre cada caso, com um aumento de exatidão, estimado em até 90%, número contraposto aos 60% dos médicos sem esse recurso, de acordo com estudos.
CRESCIMENTO 2,5 VEZES MAIS DO QUE O ESPERADO
A MedKortex não é um produto barato. Apenas em seu desenvolvimento, foram necessários cerca de R$ 8 milhões, com recursos próprios da empresa. Isso não inclui a manutenção e inovação constante.
“A gente sempre reinveste para seguir se desenvolvendo”, assinala Marcelo. “Em julho último, crescemos 2,5 vezes em relação ao que era previsto. É claro que isso se deveu à pandemia. Mas este momento proporcionou que a população conhecesse melhor a telemedicina e passasse a utilizar e confiar.”
Ele define que os maiores pilares da plataforma são a teleconsulta, com comunicação direta entre médico e paciente, e a teleinterconsulta, como a comunicação entre um ou mais médicos, nos casos de juntas médicas ou pedidos de segunda opinião, entre outros. Mas há muitos mais recursos a serem explorados para o bem de todos os envolvidos, profissionais e pacientes.
O empreendedor está satisfeito com o que o produto proporciona, os resultados e a recepção cada vez mais favorável.
“Por muito tempo, a maioria achou que telemedicina afastaria o médico do paciente, eliminando aquele contato direto. Mas é totalmente o oposto”, afirma ele.
“Tem um livro recente do [cardiologista americano] Eric Topol, chamado Deep Medicine, em que ele comenta muito isso. Para ele, a telemedicina vai aproximar a relação médico/paciente. Porque vai sobrar mais tempo para o médico se dedicar ao paciente e analisar o caso dele.”