Implantar a inovação para os processos internos e todas as interações externas com outros profissionais e consumidores não é tarefa fácil numa empresa farmacêutica quase centenária com práticas tradicionais.
Na filial brasileira da Novo Nordisk, companhia fundada na Dinamarca em 1923 e maior produtora mundial de insulina, o desafio foi confiado ao holandês Joost Wolfs, que assumiu em outubro de 2019 o cargo de gerente de Inovação Comercial, até então inédito na companhia.
Joost Gerardus Maria Wolfs, 34 anos, nasceu na minúscula Terneuzen e cresceu em outra cidade igualmente pequena, Sittard. Formou-se em economia e em marketing estratégico pela Universidade de Maastricht, na Holanda, e tem diploma Erasmus em economia pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, na França.
Começou a trabalhar em 2010 na multinacional de consultoria Accenture, em Bruxelas, Bélgica. Em poucos meses, foi escalado para cuidar de uma empresa farmacêutica e logo outras do ramo ficaram sob seus cuidados.
Assim, ele se especializou como consultor nesta área. Passou por outra consultoria menor, também na Bélgica, e retornou à Accenture em 2015 para vir trabalhar no Brasil.
“Foi coincidência”, relembra Joost (pronuncia-se “iôst”). “Quando você começa a trabalhar numa consultoria, sem experiência em nada, geralmente pega os primeiros clientes meio na sorte. Entrei num projeto de uma indústria farmacêutica e, numa consultoria, você recebe esse carimbo de ‘ele sabe de indústria farmacêutica’ e pega mais projetos”, explica.
“Trabalhei com diversas áreas terapêuticas. E essa experiência me ajudou a entrar na Novo Nordisk, mesmo tendo um perfil um pouco diferente do de quem cresceu dentro dessa indústria.”
Joost fala português muito bem e mais outros cinco idiomas – o trabalho lhe deu oportunidade de viajar e morar temporariamente em muitos lugares, como Estados Unidos, toda a América Latina, Índia. Aprendeu nossa língua antes mesmo de se mudar para cá de forma não ortodoxa.
“Há quase dez anos, entrei num treinamento nos Estados Unidos e conheci uma brasileira. A gente começou a namorar a distância, algumas vezes por ano ela ia para a Europa, em outras eu vinha ao Brasil”, conta.
“Aprendi português com ela em nossas conversas. Então aprendi falando, nunca fiz um curso. Depois de quatro anos, decidi que não dava mais aquela distância. Agora já estou aqui há cinco anos e meio.”
A seguir, Joost fala mais detalhadamente sobre sua missão na Novo Nordisk.
Qual a missão que lhe deram na Novo Nordisk?
Fomentar uma cultura de inovação. A cultura sempre depende do contexto, cada empresa é um ambiente em si, então demora um pouco para mudar. Sou o primeiro gerente de Inovação na Novo Nordisk Brasil. Meu papel é estruturar isso do zero. Começar a distribuir tarefas, identificar as necessidades da empresa, trazer recursos, pessoas, metodologias, ferramentas…
Também é minha missão identificar o que podemos aprender a implementar aqui que está acontecendo fora do mundo de farma. Há ideias de startups que podem nos inspirar ou nos levar a parcerias?
Para mim, nesse primeiro ano, foi muito importante cimentar um pouco essas tarefas. Preciso dar um fundamento para a direção a tomar. Por isso, criei três pilares para esse fundamento.
Quais são esses pilares?
Primeiro pilar: a cultura. Identificar bem qual a maturidade das pessoas. Quando a gente fala de inovação, o que elas dizem? O que acham que é necessário? Eu faço a análise desses pontos – o que elas acham e o que eu acho necessário – para facilitar a inovação dentro da empresa através de treinamentos e ferramentas. Segundo pilar: interações.
Uma empresa só funciona interagindo com clientes, fornecedores, médicos no nosso caso, governo. Todas essas interações definem se a empresa vai crescer ou não.
Temos de analisar muito bem como funcionam nossas interações atualmente na jornada de um paciente ou de um médico, quando se toma uma decisão, quando há dúvidas. Essa interação tem que ser humana, mas o digital pode ajudar e dar melhores insights para depois ter um efeito comercial para nossa empresa. Terceiro pilar: ecossistema. O networking que a gente tem. Somos uma empresa farmacêutica robusta e com décadas e décadas de experiência.
Comparo que uma empresa mais antiga é como um barco muito grande de contêineres. Para movimentar a direção desse barco, demora muito. Mas, em volta, há vários jatinhos, kitesurfers e barquinhos pequenos que são mais rápidos para tomar uma direção diferente.
Aí entra essa questão de open innovation, de se conectar às startups e empresas de tecnologia para aprender ou mesmo testar uma ideia com elas. Enquanto a gente segue na nossa direção que traz resultados, testamos algumas coisas com os parceiros e, se dá muito certo, sabemos que podemos mudar para essa direção também.
O que já conseguiu implantar e como está a receptividade dentro da empresa, das várias áreas?
Até agora, o principal foco foi estruturar, com foco em algumas interações. Seria muito ruim só lançar um monte de projetos inovadores para ver onde caem. Temos de deixar as pessoas se sentirem habilitadas e estruturadas para fazer esses projetos acontecerem, porque sozinho não consigo ser o gerente de todos eles.
Em termos de cultura, fizemos bastante treinamento, workshops com diversas áreas para identificar a jornada do cliente delas e os pontos de dor. Além de identificar metodologias que podemos usar, como design thinking, agile, scrum.
Na interação, o principal foco agora é médico e paciente, nossos principais stakeholders no lado comercial. A questão aqui é criar as ferramentas para que as áreas de medical, marketing e acesso possam se comunicar melhor com esses stakeholders. Trabalhei muito com as áreas de TI para criar ferramentas robustas para nos comunicarmos de formas digitais.
Para médicos, estamos estruturando nossos canais digitais para personalizar a experiência deles. É algo a que já estamos acostumados.
Quando você abre sua página no YouTube, o que vai ver será diferente de quando abro a minha. O mesmo para Netflix, Spotify… Temos de chegar nesse nível também como empresa farmacêutica. Para pacientes, a jornada deles tem vários momentos cheios de dúvidas. Como um paciente que acabou de receber prescrição para um diagnóstico de diabetes tipo 2 lida com isso? A indústria farmacêutica tem de ter um papel muito forte em educar. E há várias ferramentas já disponíveis no mundo digital para isso.
Nos Estados Unidos, o coaching para pacientes é extremamente forte. Geralmente, são terceiros, empresas que focam especificamente nisso.
Estamos buscando essas parcerias também. Acredito que, no futuro, a Novo Nordisk não será mais apenas o fornecedor dos produtos, mas terá um pacote de cuidados completo para facilitar a vida do paciente. Com vários serviços de educação, monitoramento e coaching, a gente pode deixar a vida mais leve para esse paciente.
Você mencionou diabetes tipo 2. Medicamentos para diabetes são especialidade da Novo Nordisk, não é?
Claro. Diabetes, obesidade, hemofilia, distúrbio de crescimento são os pilares que a gente tem. Esse foco em doenças crônicas é interessante. Você pode pensar no longo prazo, em criar um relacionamento com o paciente que dure mais. Nesse contexto, as possibilidades de criar interações mais válidas são muito mais fortes.
Você pode destacar algum produto ou projeto em que já entra essa cultura de inovação dentro da empresa?
Nosso programa Novo Dia, de suporte ao paciente, que já existia, vai evoluir para dar ao paciente acesso ao médico e a outros profissionais de saúde como nutricionista, psicólogo…
Se a gente fala de um paciente com obesidade, uma métrica muito importante é o peso, mas há outras métricas, talvez mais importantes ainda, que são o bem-estar dele.
Se consegue andar na escada, fazer um mínimo de exercício, se consegue ter uma vida normal dentro do contexto em que ele vive.
Sendo europeu, o que você identificou de diferenças na sua área com o Brasil?
O Brasil é um país que sofre com questões de pobreza muito mais fortes que na Europa. Além de questões políticas, questões geográficas que mudam o contexto do nosso trabalho. É até meio feio dizer o que a gente pode aprender com Europa e Estados Unidos, não acho certo. Muitos dos desafios tecnológicos que temos aqui, eles também têm. Não acho necessariamente que o Brasil esteja para trás. Mas as oportunidades de fazer a diferença são maiores aqui.
Em relação às inovações, quanto de pandemia entrou na equação?
A pandemia mudou tudo. Todo mundo sentiu o impacto. Nossa prioridade número um sempre foi a garantia de que nossos pacientes e médicos teriam acesso continuado a nossos produtos. Além da segurança dos funcionários da empresa. Nas interações, vi bastante mudança. Como uma empresa relativamente tradicional, nosso formato de trabalho é muito baseado em interação humana física com representantes visitando os consultórios, com eventos presenciais. Tudo isso não podia mais. O trabalho para digitalizar todas essas interações num prazo muito curto foi incrível.
Vimos que, se precisamos e queremos, conseguimos fazer mudanças muito rápidas. Mesmo numa empresa que geralmente é vista como rígida, bastante regulada.
Abrimos canais novos para interagir diretamente com o paciente – antigamente, faltava coragem de olhar o que era possível dentro da regulamentação para ter essa interação direta. Abrimos canais no YouTube, Spotify, mídias sociais e digitalizamos eventos de uma forma muito bacana. Acho que isso vai ficar. Talvez não exatamente dessa forma, mas a experiência que a gente conseguiu construir foi extremamente válida para o futuro. É impossível conseguir a frequência de interação e alcance que a gente gostaria apenas através de canais tradicionais.
Quais os planos para o futuro?
No longo prazo, não sei dizer quanto vai demorar, mas estou vendo startups trabalhando numa abordagem mais preditiva. O sistema de saúde, como um todo, é muito reativo: o paciente se sente mal e os médicos atuam para consertar esse problema.
Quando a gente olha para o futuro da medicina, além da personalização do serviço, é preciso ser cada vez melhor em reconhecer dados clínicos do paciente através de dispositivos e usar as informações de forma agregada.
Obviamente, há questões de privacidade. Mas saber o que causa uma hipoglicemia de um paciente com diabetes tipo 2 e já informá-lo sobre como se cuidar melhor antes que essa hipo aconteça, acho que isso é o futuro da medicina.
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