Profissionais da área médica estão acostumados a sair das cidades onde nasceram para procurar oportunidades de residências que tornem suas habilidades e currículos especiais.
Assim foi com o casal Júlia De Stéfani Cassiano, 36, e Vinícius Faria, 38. Os dois se conheceram em Jaboticabal, interior de São Paulo, quando ainda eram adolescentes e começaram a namorar em 2002.
Depois, cursaram medicina na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, e fizeram residência em São Paulo – ela é oncologista e ele psicogeriatra.
Hoje, eles são também empreendedores. Desde maio de 2021, o casal se divide entre a clínica médica e a Bem Te Quero 60+ – um marketplace com foco em promover a longevidade ativa.
A empresa conecta pessoas maduras a profissionais de saúde, educação e lazer pré-selecionados (que pagam uma mensalidade para ter seus nomes promovidos e divulgados), por meio de uma plataforma digital de agendamento de consultas e também com distribuição de conteúdo especializado, que passará a ter uma versão cobrada por assinatura. A lógica é a do marketing digital.
“Queremos que quando familiares de pessoas 60+ tenham algum problema para resolver, não vão simplesmente ao Google para digitar: geriatra, fisioterapeuta ou pacote de viagens. Queremos que eles entrem no nosso site e saibam que, ali, vão encontrar o que precisam”, resume o CEO Vinícius.
Além do casal, a incubadora Supera Parque, de Ribeirão Preto (SP), apostou na empresa – a Bem Te Quero 60+ está alocada na cidade desde maio de 2022.
A história do casal em Ribeirão Preto começou em 2019, que fica a 50 km de Jaboticabal, onde vivem as famílias de Júlia e Vinícius.
Ao chegarem lá, depois de 12 anos longe da região, sentiram que precisavam promover a multidisciplinaridade que aprenderam no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), onde Julia se tornou oncologista, e na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde Vinícius fez sua especialização. Ou seja, precisavam formar uma rede de colegas especialistas para trocarem indicações entre si e construírem sua reputação.
Houve, porém, um divisor de águas anterior. Em 2017, a dupla fez o curso de gestão de carreira médica de Marcus Carvalho chamado Sucesso Médico. Ali ouviram os conceitos sobre gestão de marketing, sucesso do cliente… e na sequência passaram por uma mentoria.
“Adquiri a mentalidade de querer ter o melhor consultório para o meu paciente, fazer uma gestão legal… e poder ter isso com qualidade de vida. A Ju estava pensando na transição dela de São Paulo para Ribeirão e o curso abriu a nossa cabeça para outras possibilidades – pensar no mercado de tecnologia, soluções escaláveis”, lembra Vinícius.
Quase imediatamente, Júlia conseguiu se unir ao CTO (Centro de Tratamento Oncológico), uma vez que tinha trabalhado um ano com Paulo Hoff na ONCOStar, da Rede D’Or, em São Paulo. Mesmo assim, debruçou-se sobre o marketing digital para aprender mais.
Vinícius transferiu o consultório para Ribeirão Preto e passou a estudar tecnologias digitais e, em especial, as ferramentas de produtividade e de gestão para o próprio consultório, além de “sapear” o mercado como um todo, como ele gosta de dizer.
Em pouco tempo, a dupla construiu na região de Ribeirão Preto, a rede de profissionais com quem podia contar para encaminhar um paciente quando fosse preciso. E aí veio a pandemia de Covid-19…
Ao longo da formação médica, Júlia e Vinícius já conversavam sobre empreenderem juntos, terem um negócio, só que não necessariamente em saúde.
Quando a pandemia chegou, Vinicius tinha acabado de inaugurar um consultório, em que havia investido R$ 150 mil. Como ele atende prioritariamente idosos, àquela altura, não podia colocar os pacientes em risco e passou a atender só online.
“Eu jamais poderia imaginar que seria forçado ao atendimento online. Mas a transição foi fácil porque eu já usava prontuário online e embora ainda não fizesse videochamadas, já estava por dentro da tecnologia”, lembra ele.
Com o passar dos meses, o casal começou a sentir falta, justamente, da interação com a rede de colegas:
“Meu próprio consultório foi planejado para interação, manter contato com outros profissionais, conhecer gente nova… O sonho grande, à época, era montar uma clínica multidisciplinar”, diz Vinícius.
A Bem Te Quero 60+ surgiu desse desejo de reconexão profissional e também da percepção de que os pacientes 60+ sofreram ao deixar de ir à academia, adiam consultas com psicólogos e postergam tratamentos. Mas as demandas por encaminhamentos continuavam. Então, a forma de as indicações acontecerem era no mundo digital.
Para não correr riscos desnecessários em uma atividade tão nova para eles, os médicos foram atrás de mais conhecimento. Além disso, contrataram a consultoria Hype50+, especializada em economia da longevidade para sentir o pulso do mercado.
O que o estudo mostrou era um movimento que já vinha acontecendo – a intimidade do público entre 50+ e 90+ com a conectividade. As finalidades eram variadas: de se manter ligado à família até a comprar via e-commerce. Esse movimento foi catalisado pela pandemia. Natural que, portanto, a assistência em saúde focados em 50+, 60+ e 70+ decolasse.
Era setembro de 2020 e, com esse feedback positivo da consultoria, a ideação do negócio foi iniciada. Embora o foco fosse em saúde, o objetivo era atrair qualquer profissional ou serviço que oferecesse bem-estar e mais qualidade de vida, sob uma concepção mais ampla de saúde.
“O público 60+ deseja mais independência para fazer suas escolhas e organizar sua rotina. Um conceito ampliado de saúde abrange também desenvolvimento pessoal, lazer, locomoção e entretenimento”, explica Julia, que é CMO da empresa.
Ainda de acordo com a médica empreendedora, “na Bem te quero 60+, os maduros podem encontrar soluções para aprender algo novo, para se divertir e para interagir mais, além de cuidar de problemas de saúde preexistentes e cuidar da saúde física e mental de forma preventiva.”
No processo de construir essa experiência para o cliente final, a dupla de sócios focou em usabilidade para não ser somente um catálogo. A CMO teve, então, uma sacada:
“Por que não pensar em problemas reais que as pessoas têm e começar a jornada do cliente por isso? Por exemplo: quero melhorar a memória, quero melhorar o sono…”.
Assim nasceram as quatro categorias de botões de solução oferecidas pelo app:
– “Quero mais saúde e bem-estar”;
– “Quero ter mais atividades”;
– “Quero cuidar de quem cuida”;
– “Quero cuidados em casa”.
Esse modelo de navegação é marcante na interface da plataforma da Bem Te Quero 60+, que atinge 20 categorias de serviços até o momento.
Ao clicar em um “botão”, são apresentados os especialistas que atendem àquela demanda específica, e o usuário pode ver detalhes sobre os profissionais e os serviços oferecidos.
Para entrar em contato com o profissional desejado, basta fazer o agendamento direto pela plataforma, que conta ainda com auxílio de concierge especialista, uma gerontóloga. Esta mesma gerontóloga mantém contato com profissional e paciente até depois do serviço prestado, monitorando cada etapa da jornada do cliente maduro.
Logo no primeiro ano de vida da startup, Júlia e Vinícius perceberam que o plano de expansão traçado para os 24 meses seguintes era ousado demais. “A realidade mostrou para nós que não iríamos expandir como estava planejado. Então, priorizamos entender o que, de fato, os nossos clientes valorizam para, a partir daí, pensarmos em construir a nossa própria tecnologia e escalar”.
Serem selecionados para a incubação no Supera Parque foi fundamental para o amadurecimento dos empreendedores. Ali eles poderão ficar por sete anos, receber mentorias, ter acesso a investidores, advisors e até pesquisadores da USP, além da estrutura física – coworking, salas de reunião, salas para eventos.
No momento, eles investem numa ferramenta nova para ser acoplada à plataforma terceirizada, para melhorar a adesão de novos e testam uma parceira com o e-commerce Longeviver e estudam como consolidar um modelo de negócio com a Civiam, empresa dona da marca.
A aposta inicial da Bem Te Quero 60+ é trazer o próprio beneficiário dos serviços para a plataforma. Hoje, a realidade ainda não é essa, porque 85% dos contatos iniciais para contratação de um serviço são feitos por um terceiro, um familiar.
“Vemos que, mesmo quando os maduros têm autonomia para fazer por conta própria, a família participa. É a geração sanduíche – aquele familiar entre os 30 e 50 anos que cuida dos pais, dos tios e da própria vida… dos filhos”, conta Vinícius.
Júlia e Vinicius sabem que isso acontecerá em médio e longo prazos, porque tem a ver com educação e a própria capacidade de demonstrar aos 60+ a proposta de valor da empresa: comodidade, facilidade de uso e segurança de que os profissionais ali estão dedicados a esse tipo de atendimento. “Temos um grande desafio: fazer tudo isso sem estigmatizar o usuário”, encerra o CEO.