“Ciência e opinião governam o mundo: a primeira aponta nosso conhecimento; a última, nossa deficiência.”
A frase, que parece descrever nossa atual realidade, tem quase 2500 anos. Ela foi escrita por um sujeito que nasceu na pequena ilha grega de Cós e se atreveu a separar a medicina da religião e da magia: Hipócrates.
A pandemia de Covid-19 que enfrentamos hoje, milênios depois de o “pai da medicina” ter vivido, trouxe novamente à tona a importância da ciência racional. É a partir dela que vêm não apenas as informações precisas, mas também as vacinas que estão nos ajudando a combater o vírus Sars-Cov-2.
Foi justamente por entender a importância da ciência e por querer fomentá-la que um casal de pesquisadores brasileiros resolveu criar um instituto alicerçado sobre essas premissas.
Jorge Moll Neto e Fernanda Toval-Moll moravam em Maryland, nos Estados Unidos, quando, em 2007, decidiram voltar para o Brasil para criar o que viria a ser o Instituto D’Or de Pesquisa, Ensino e Inovação, fundado em 2010.
Sem fins lucrativos e mantido pela Rede D’Or São Luiz (RDSL), o espaço seria dedicado a testar e implementar modelos inovadores para promover avanços científicos e tecnológicos.
“Tínhamos uma vontade muito grande de fazer as nossas próprias pesquisas no Brasil, valorizando o conhecimento acadêmico nacional e fortalecendo as interações entre o ambiente acadêmico e a indústria. Algo na linha da abordagem Triple Helix, ou Hélice Tríplice”, diz Fernanda.
A cientista menciona a teoria dos sociólogos Henry Etzkowitz e Loet Leydesdorff baseada na inter-relação de três elementos na produção de novos conhecimentos e inovação: empresas, universidades e governo – em que todos desempenham papéis importantes.
Onze anos depois, o IDOR conseguiu reunir alguns dos mais renomados cientistas brasileiros, que produziram – e continuam produzindo – centenas de artigos científicos publicados em algumas das mais prestigiadas revistas do mundo.
Impossível, no entanto, dissociar a história do Instituto da trajetória de seus dois fundadores, ambos filhos de pais médicos, dedicados à ciência e à assistência.
AMOR PELA CIÊNCIA DESDE A INFÂNCIA
Fernanda cresceu no bairro de Campo Grande, no Rio de Janeiro, já sabendo muito bem o que queria para o futuro. “Eu quis ser cientista desde o primeiro momento”, conta. “Fiz medicina porque queria fazer pesquisa, mas também queria ser clínica. Minha ideia era fazer alguma coisa que mudasse a vida das pessoas.”
Entrou no ensino médio técnico em biotecnologia e, aos 17, passou em medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Logo no primeiro ano, Fernanda fez estágio de iniciação científica no laboratório de bioquímica da UFRJ e, no segundo, participou de uma pesquisa sobre a interação de neurônios com outras células cerebrais.
Após formada, fez residência em radiologia, mestrado, doutorado e pós-doc. Apaixonada pelo cérebro, dedicou grande parte de seus estudos a compreender a capacidade do órgão se modificar conforme recebe determinados estímulos.
Jorge Moll Neto, o Gito, sempre foi curioso em relação à ciência e aos mistérios da Natureza. “Vivia observando coisas no microscópio e lendo sobre física. “Lembro que, com 11 anos, fui a uma livraria com minha avó e comprei ABC da Relatividade, de Betrand Russel. O rapaz não queria vender, alertando-a que eu não entenderia”, conta, rindo.
Aos 16, já muito interessado nos mecanismos da consciência e do cérebro humano, resolveu fazer medicina e especializar-se em neurologia.
A empresa de rede de imagens e diagnóstico dos pais de Gito, chamada Rede Labs, fornecia a estrutura necessária para os primeiros passos do cientista.
“Todo tempo livre que tinha, corria para a sala de ressonância para entender a formação de imagens e observar cérebros”, lembra ele. “Nessa época, a ideia de fazer pesquisa a partir da iniciativa privada ainda era muito incomum no Brasil.”
Aos poucos, com a ajuda de amigos da área de informática, Gito passou a se dedicar a criação de imagens funcionais do cérebro, usando os equipamentos da empresa de seus pais – então renomeada Rede D’Or.
“Era possível fazer pesquisa usando a estrutura hospitalar, mas apenas quando ela não estava sendo utilizada para a realização de exames em pacientes”, diz Gito. “Em 1998, publicamos o primeiro artigo no Brasil com ressonância funcional, antes mesmo do feito ser realizado em universidades renomadas.”
DEDICAÇÃO TOTAL À PESQUISA CIENTÍFICA
Na UFRJ, mais precisamente, na emergência da residência, Gito e Fernanda se conheceram. Alguns anos depois, seguiram juntos para os Estados Unidos, para realizar seu pós-doc no National Institutes of Health, em Bethesda, Maryland. Lá, decidiram ficar definitivamente para dedicar 100% do seu tempo à realização de pesquisas científicas.
Quando a Rede D’Or São Luiz (RDSL) já contava com alguns hospitais,
o pai Jorge disse para Gito que acreditava que sua empresa já tinha tamanho suficiente para apoiar uma iniciativa focada no desenvolvimento de ciência e tecnologia no setor de saúde do Brasil.
“Nós dois sempre gostamos muito da interface da pesquisa clínica com a ciência básica”, conta Fernanda. “Esses mundos, às vezes, andam muito em paralelo – e talvez as grandes oportunidades estejam, na verdade, nas áreas de interface.”
Daí surgiu o conceito do que viria a ser o Instituto D’Or de Pesquisa, Ensino e Inovação. “Esse sonho nasce motivado pelo respaldo do fundador da Rede D’Or São Luiz, o pai do Gito, de nos fazer acreditar que era possível montar no Brasil um instituto de pesquisa que tivesse simbiose com a rede.”
Gito e Fernanda dedicaram mais de dois anos estudando modelos de referência para a estruturação de um instituto capaz de desenvolver pesquisas de ponta, oferecer ensino de excelência e lançar inovações com investimento privado.
“As instituições de pesquisa do país ou eram essencialmente acadêmicas, fazendo pesquisas básicas nas universidades, ou extremamente clínicas, muito voltadas para um problema mais imediato. Nós queríamos unir o melhor dos dois mundos”, conta Fernanda.
Assim, Fernanda e Gito retornaram para o Brasil e o IDOR foi inaugurado em 2010, em um prédio em Botafogo, no Rio de Janeiro.
De lá para cá, esta e outras três unidades – localizadas em São Paulo, Salvador e Brasília – passaram a reunir pesquisadores de diferentes pólos tecnológicos brasileiros e profissionais experientes na prática clínica, capazes de refletir de forma profunda os desafios do setor de saúde com destaque nas áreas de Neurociências, Oncologia, Medicina Interna, Medicina Intensiva e Pediatria.
UM INSTITUTO DE PESQUISA E ENSINO, E NÃO DE ENSINO E PESQUISA
“Todo ano, quando abre suas 90 vagas de estágio em terapia intensiva, o IDOR recebe mais de 1.200 inscrições de voluntários”, diz Fernanda, orgulhosa.
O pilar Ensino do IDOR se estruturou a partir do pilar da Pesquisa como pedra fundamental – e por isso, diz Fernanda, a conexão entre as duas frentes nasceu de uma forma muito natural.
“Quando estamos produzindo conhecimento e ensinando, não estamos apenas aplicando ou reproduzindo o que foi produzido por outros: estamos criando e disseminando novos conhecimentos, em um ciclo virtuoso, no qual os professores e alunos desenvolvem massa crítica”, diz a cientista.
Após os programas de estágio e residência, foram abertos programas de pós-graduação e, por fim, a criação da Faculdade IDOR de Ciências Médicas. “Nossa estrutura de ensino está ficando cada vez mais robusta e nossos planos para o futuro são ambiciosos”, diz Fernanda, citando como exemplo dessa nova fase a contratação de Felipe Spinelli, ex-diretor de ensino do Hospital Israelita Albert Einstein.
Além dos pilares de pesquisa e capacitação, as estruturas de saúde dos maiores centros do mundo contam também com frentes de fomento à inovação. Inspirados por esses modelos, Gito e Fernanda passaram a planejar formas de inovar a partir dos novos conhecimentos gerados pelo instituto.
Em 2018, apaixonado pela ideia de empreendedorismo e inovação, Gito resolveu criar uma área de inovação aberta no IDOR. “Tive que convencer minha presidente na época, a Fernanda”, ele brinca. Surgia assim o Open D’Or, a agência de inovação da instituição.
A agência atua estimulando a visão de futuro da Rede D’Or São Luiz (RDSL), o empreendedorismo científico do IDOR e o relacionamento de todo o grupo com o ecossistema de inovação.
“Hoje, o Open D’Or tem uma função cada vez mais importante dentro da empresa. Ele é um farol que identifica oportunidades externas e promove inovação por meio de parcerias com universidades, healthtechs e grandes empresas de tecnologia.”
INTERNACIONALIZAÇÃO E OLHAR PARA O FUTURO
A maturidade da instituição logo começou a ser reconhecida a partir de resultados de grande relevância. “Mas faltavam dois ingredientes importantes: fortalecer as parcerias do IDOR com grandes instituições de pesquisa internacionais e aumentar o número de projetos de inovação disruptiva que estávamos trabalhando”, afirma Gito.
Para resolver o primeiro desafio, surgiu o programa IDOR Global, que pretende identificar oportunidades de parcerias com instituições internacionais de referência em PD&I e promover cooperação com pesquisadores brasileiros.
“O IDOR Global pretende capacitar os pesquisadores a superar as fronteiras da ciência, da tecnologia e da inovação em nosso país”, diz Fernanda. “Queremos oferecer pontes científicas, oportunidades diferenciadas para cientistas brasileiros.” complementa Gito.
Além disso, para fomentar a inovação disruptiva, inauguraram o Scients Institute, uma organização filantrópica sediada na Califórnia, que trabalha conjuntamente com o IDOR no Brasil combinando ciência, tecnologia e princípios humanísticos. O objetivo é compreender o cérebro humano, a cognição e a consciência.
“Adotamos no Scients os princípios do Open Science, um movimento para uma ciência mais aberta, coletiva e disponível para toda a sociedade. Acreditamos que esse modelo nos permite alcançar avanços mais rápidos em temas disruptivos”, afirma Gito.
Quem conhece o casal afirma que a sinergia e a complementaridade de personalidades é uma das razões do sucesso do IDOR.
“Ele é o cientista da dupla, nosso grande inovador, gosta tanto de mergulhar na ciência fundamental, quanto acompanhar as mudanças do mercado, está sempre pensando muito mais à frente”, diz Fernanda.
“A Nanda tem um espírito resiliente. Consegue equilibrar bem a atenção entre as atividades de gestão e a produção científica”, diz Gito.