A população idosa brasileira está em rápido crescimento, num processo de transição demográfica. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), o número de pessoas acima de 60 anos aumentou de 22,34 milhões (11,3% da população), em 2012, para 31,23 milhões (14,7% da população) em 2021. Este processo apresenta repercussões para diferentes setores, incluindo a saúde pública. Neste artigo, destaco, as implicações em relação a infecções sexualmente transmissíveis (IST), tratando especificamente sobre o vírus HIV1.
Entre os anos 2009 e 2019 foram notificados 15.672 casos de AIDS (fase sintomática da infecção pelo vírus HIV) em pessoas acima de 60 anos, uma média anual de 1.425 ocorrências.
A maior parte dos casos notificados de AIDS ocorreu na faixa etária entre os 60 e 69 anos e no sexo masculino. Neste período, foram notificados 12.907 óbitos por AIDS nesta faixa etária2.
No entanto, o aumento no número de casos de diagnóstico de portador do vírus HIV entre os idosos não é exclusivamente devido ao processo de transição demográfica. Há outros fatores envolvidos, como a invisibilidade da prática de relações sexuais após os 60 anos para a sociedade, ausência de campanhas para prevenção das ISTs para esta faixa etária, menor adesão ao uso de preservativos e a ausência de preocupação com o risco de gravidez3.
O avanço tecnológico na área da saúde e os avanços da saúde pública no Brasil, além de contribuir para o processo de transição demográfica, está permitindo que parte da população envelheça com mais qualidade de vida, o que se traduz, entre outras consequências, na extensão da vida sexual para faixas etárias avançadas. O avanço tecnológico no tratamento da disfunção erétil é parte integrante desta extensão2.
Todavia, o preconceito e a imagem socialmente construída sobre a pessoa idosa assexuada inibem a discussão sobre a prática sexual dessa faixa etária entre os profissionais de saúde e o paciente idoso. Isso significa a perda da oportunidade de estabelecer medidas de promoção de saúde e prevenção de doenças, como o uso de preservativos.
Além disso, há o risco de pessoas acima de 60 anos serem negligenciadas no rastreamento de ISTs, o que determina diagnósticos tardios.
Entre os portadores idosos do vírus HIV, o diagnóstico costuma ocorrer quando há infecções oportunistas associadas a grave imunossupressão4.
A imunidade sofre modificações com o processo de envelhecimento. A chamada imunossenescência afeta tanto a imunidade inata como a adquirida, tornando a pessoa idosa mais suscetível a manifestações graves de infecções e à manifestação atípica de processos infecciosos.
Muitos pacientes idosos apresentam comorbidades, frequentemente iniciadas há décadas, com comprometimento de órgãos e sistemas. Destaca-se ainda o processo de envelhecimento frágil, que acomete idosos que, ao exaurirem as suas reservas fisiológicas, apresentam elevado risco de envelhecer sem autonomia e sem independência.
A infecção pelo vírus HIV, neste contexto, pode acelerar o risco de desenvolver AIDS, elevar o ritmo de declínio cognitivo e de desenvolvimento de demência e determinar maior nível de reações adversas associadas ao uso de antirretrovirais5,6.
Por tudo que já foi citado até aqui, está demonstrado que a pessoa idosa faz parte de um grupo vulnerável a ISTs e à exposição ao HIV. Por isso, é preciso que haja, para essa faixa etária, um cuidado que inclua a promoção de saúde integral, inclusive na rotina sexual.
*Marco Túlio Gualberto Cintra é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
Referências: