• Por que o número de portadores de HIV está aumentando entre idosos?

    Marco Túlio Gualberto Cintra - SBGG
    Marco Túlio Gualberto Cintra é presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). (Foto: Divulgação)
    Jose Renato Junior | 16 dez 2022

    A população idosa brasileira está em rápido crescimento, num processo de transição demográfica. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), o número de pessoas acima de 60 anos aumentou de 22,34 milhões (11,3% da população), em 2012, para 31,23 milhões (14,7% da população) em 2021. Este processo apresenta repercussões para diferentes setores, incluindo a saúde pública. Neste artigo, destaco, as implicações em relação a infecções sexualmente transmissíveis (IST), tratando especificamente sobre o vírus HIV1.

    Entre os anos 2009 e 2019 foram notificados 15.672 casos de AIDS (fase sintomática da infecção pelo vírus HIV) em pessoas acima de 60 anos, uma média anual de 1.425 ocorrências. 

    A maior parte dos casos notificados de AIDS ocorreu na faixa etária entre os 60 e 69 anos e no sexo masculino. Neste período, foram notificados 12.907 óbitos por AIDS nesta faixa etária2

    No entanto, o aumento no número de casos de diagnóstico de portador do vírus HIV entre os idosos não é exclusivamente devido ao processo de transição demográfica. Há outros fatores envolvidos, como a invisibilidade da prática de relações sexuais após os 60 anos para a sociedade, ausência de campanhas para prevenção das ISTs para esta faixa etária, menor adesão ao uso de preservativos e a ausência de preocupação com o risco de gravidez3

    O avanço tecnológico na área da saúde e os avanços da saúde pública no Brasil, além de contribuir para o processo de transição demográfica, está permitindo que parte da população envelheça com mais qualidade de vida, o que se traduz, entre outras consequências, na extensão da vida sexual para faixas etárias avançadas. O avanço tecnológico no tratamento da disfunção erétil é parte integrante desta extensão2

    Todavia, o preconceito e a imagem socialmente construída sobre a pessoa idosa assexuada inibem a discussão sobre a prática sexual dessa faixa etária entre os profissionais de saúde e o paciente idoso. Isso significa a perda da oportunidade de estabelecer medidas de promoção de saúde e prevenção de doenças, como o uso de preservativos. 

    Além disso, há o risco de pessoas acima de 60 anos serem negligenciadas no rastreamento de ISTs, o que determina diagnósticos tardios. 

    Entre os portadores idosos do vírus HIV, o diagnóstico costuma ocorrer quando há infecções oportunistas associadas a grave imunossupressão4

    A imunidade sofre modificações com o processo de envelhecimento. A chamada imunossenescência afeta tanto a imunidade inata como a adquirida, tornando a pessoa idosa mais suscetível a manifestações graves de infecções e à manifestação atípica de processos infecciosos. 

    Muitos pacientes idosos apresentam comorbidades, frequentemente iniciadas há décadas, com comprometimento de órgãos e sistemas. Destaca-se ainda o processo de envelhecimento frágil, que acomete idosos que, ao exaurirem as suas reservas fisiológicas, apresentam elevado risco de envelhecer sem autonomia e sem independência. 

    A infecção pelo vírus HIV, neste contexto, pode acelerar o risco de desenvolver AIDS, elevar o ritmo de declínio cognitivo e de desenvolvimento de demência e determinar maior nível de reações adversas associadas ao uso de antirretrovirais5,6

    Por tudo que já foi citado até aqui, está demonstrado que a pessoa idosa faz parte de um grupo vulnerável a ISTs e à exposição ao HIV. Por isso, é preciso que haja, para essa faixa etária, um cuidado que inclua a promoção de saúde integral, inclusive na rotina sexual.

    *Marco Túlio Gualberto Cintra é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

    Referências: 

    1.IBGE. População cresce, mas número de pessoas com menos de 30 anos cai 5,4% de 2012 a 2021. Disponível em População cresce, mas número de pessoas com menos de 30 anos cai 5,4% de 2012 a 2021 | Agência de Notícias (ibge.gov.br). Acessado em 13 de dezembro de 2022.
    2.BorgesJ. P. M., CoelhoJ. G., MatosG. C. N., CostaR. P., SilvaF. G. G. R. da, FonsecaB. S., FeresA. B. S., VasconselosP. F. de, OliveiraD. A. de, & LessaR. S. (2021). Evolução do perfil epidemiológico da aids entre idosos no brasil desde 2009 até 2019. Revista Eletrônica Acervo Saúde, 13(10), e9148. https://doi.org/10.25248/reas.e9148.2021
    3.SANTOS AFM, ASSIS M. Vulnerabilidade das idosas ao HIV/AIDS: despertar das políticas públicas e profissionais de saúde no contexto da atenção integral: revisão de literatura. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 2011; 14(1): 147-157.
    4.UCHOA YS, et al. A sexualidade sob o olhar da pessoa idosa. Rev. bras. geriatr. gerontol., 2016.
    5.Allen JC, Toapanta FR, Chen W, Tennant SM. Understanding immunosenescence and its impact on vaccination of older adults. Vaccine. 2020 Dec 14;38(52):8264-8272.
    6.SMITH RD, et al. HIV transmission and high rates of late diagnoses among adults aged 50 years and over. AIDS, 2010; 24(13): 2109-2115.

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