O dia 17 de dezembro de 2020 coroou, em Viena, um caminho que começou a ser trilhado cinco anos antes, em São Carlos. A startup Phelcom, fundada na cidade paulista, foi uma das duas brasileiras premiadas, na categoria Saúde e Bem-Estar, no WSA, evento realizado na capital da Áustria.
O WSA, ou World Summit Awards, iniciativa ligada às metas de desenvolvimento sustentável da ONU, premia tecnologias que promovem a resolução de problemas enfrentados pela sociedade. Ao lado da Phelcom, a outra brasileira laureada foi a GreenPlat.
A Phelcom chamou a atenção do programa das Nações Unidas graças a um equipamento inovador, que permite acesso barato a exames de vista. O Eyer é um retinógrafo portátil que possibilita a realização de exames da frente e do fundo dos olhos.
“É a união de um sistema óptico e eletrônico acoplado a um celular da linha Galaxy S, da Samsung, já incluso com o equipamento”, explica José Augusto Stuchi, CEO e cofundador da empresa.
“O celular é especialmente configurado para usar nosso dispositivo, além de ter um aplicativo próprio instalado.”
A ideia, de acordo com Stuchi, é democratizar esses exames. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo menos 1 bilhão de pessoas têm algum problema de vista, e 80% deles são preveníveis e tratáveis.
O Eyer permite realizar exames que diagnosticam doenças como retinopatia diabética, glaucoma e degeneração macular relacionada à idade. Clínicas privadas, grupos de saúde suplementar, institutos de oftalmologia como o Ipepo e hospitais famosos como o Albert Einstein, ambos na capital paulista, já adotaram a tecnologia.
Mas é na portabilidade que ela se destaca. Stuchi conta que o equipamento foi usado em um mutirão em Itabuna, na Bahia. Mais de 800 pessoas foram examinadas.
“Tivemos casos severos e que puderam ser encaminhados para atendimento presencial com maior urgência. Aconteceu a mesma coisa em diversos outros mutirões, como na comunidade de índios Xavante e na expedição do Barco Hospital Papa Francisco, em Terra Santa, no Pará”, lembra.
O empresário afirma que qualquer profissional de saúde, com um pequeno treinamento, pode manusear o aparelho.
O resultado do exame, que sai em menos de um minuto, é sincronizado à internet, o que possibilita o diagnóstico remoto. Desde 2019 o Eyer está no mercado, aprovado pelo Inmetro e pela Anvisa.
STARTUP QUER EXPANSÃO INTERNACIONAL
José Augusto Stuchi, Flávio Paschoal Vieira e Diego Lencione eram colegas de trabalho enquanto faziam mestrado com foco em construção de equipamentos para imageamento do olho, cada um em sua área – Stuchi é engenheiro da computação, Paschoal é engenheiro eletrônico e Diego, físico.
Eles mudaram de emprego, cada um foi para um canto, até que Diego Lencione teve a ideia de desenvolver um equipamento acessível, inspirado no caso do irmão, que tinha problemas de retina.
O físico, que hoje é CTO da Phelcom, apresentou a proposta aos engenheiros, que gostaram. Eles começaram a desenvolver o protótipo do Eyer em 2015. Após a validação, fundaram a Phelcom no ano seguinte.
Hoje, a empresa tem o apoio do Supera Parque, polo de inovação e tecnologia em Ribeirão Preto, em um modelo de incubação virtual.
A startup está presente em todos os estados brasileiros e já realizou 200 mil exames.
São 21 profissionais, “mas com planejamento para dobrar até o fim de 2021”, diz Stuchi. Apesar da pandemia, ele acredita que a empresa tem boas perspectivas de crescimento, já que o Eyer “é um forte aliado a modelos que necessitam portabilidade e conectividade, como a telessaúde”.
O prêmio em Viena foi a consagração. “Competimos com projetos do mundo todo, com alta qualidade técnica e que foram eleitos os melhores em suas nações. Estávamos com muitas expectativas de que pudéssemos chegar às etapas finais, mas incertos quanto a sermos vencedores”, lembra Stuchi.
Com a conquista do WSA, a exposição da empresa aumentou, bem como a procura pelo produto.
“Esperamos que o WSA possa abrir espaço para apresentarmos nossa tecnologia a mais pessoas e, assim, possamos mudar a realidade da saúde desses locais”, diz o CEO.
Para 2021, a Phelcom pretende começar a vender o Eyer no Chile e depois expandir para outros países da América Latina. Além disso, a startup deve reforçar os canais nos Estados Unidos, onde chegou no fim de 2020.
Mais rodadas de investimento estão no horizonte, além do desenvolvimento de uma nova tecnologia.
“Estamos trabalhando na disponibilização de um algoritmo de inteligência artificial que auxiliará os profissionais de saúde a identificar casos mais desafiadores”, diz Stuchi.
“O algoritmo funcionará como um mapa de calor e avaliará a chance, em porcentagem, do paciente possuir uma doença. Quando se atua com populações grandes, essas porcentagens podem auxiliar na identificação e triagem de pacientes com comorbidades que devem ser avaliadas com maior urgência”, afirma, sem dar mais detalhes.
SUPERA PARQUE: POLO DE INOVAÇÃO QUE SE DESTACA NO INTERIOR
A Phelcom é uma das empresas apoiadas pelo Supera Parque, convênio entre a USP e a prefeitura de Ribeirão Preto que entrou em operação em 2014.
“Mas as principais âncoras do parque tecnológico já existiam, porém em estruturas mais acanhadas e dispersas pela cidade: a Supera Incubadora, que opera desde 2003, e o Supera Centro de Tecnologia, desde 2010”, pondera Dalton Marques, gerente de desenvolvimento econômico e tecnológico do Supera Parque.
“A missão é fomentar o surgimento de ideias inovadoras, desenvolvendo, apoiando e conectando pessoas, criando um forte ecossistema de negócios e aproveitando a vocação da cidade para saúde, agro e tecnologia da informação”, explica.
Localizado no campus da USP Ribeirão Preto, o Supera Parque abriga 72 startups (a maioria healthtechs), que geraram quase R$ 6 milhões em arrecadação fiscal no exercício de 2020.
“O impacto na economia é ainda maior”, diz Dalton, referindo-se à influência das ações das startups em mais de 300 empresas de saúde, software e cerveja.
O Supera Parque é reconhecido como um dos melhores polos do tipo. Em 2019, ficou no top 20 do ranking UBI Global de incubadoras de negócios. Foi o único nome brasileiro na lista.
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