Hoje em dia, todo mundo provavelmente já passou por algum atendimento de telemedicina. No formato mais comum, uma videochamada conecta paciente e médico, numa conversa parecida com a que ocorre presencialmente em consultório.
Uma startup gaúcha, contudo, está inovando no atendimento médico remoto. Promovendo o que descreve como telemedicina assíncrona via chat, o aplicativo Olá Doutor conecta pacientes com médicos cadastrados na plataforma para um atendimento, digamos, não-linear, disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
“Desenvolvemos um aplicativo que conecta pacientes e médicos para consultas via chat de forma assíncrona, sem que precisem estar ao mesmo tempo no mesmo local”, descreve Anderson Zilli, CEO e fundador do Olá Doutor.
O termo assíncrono pode não ser tão familiar, mas significa que os participantes da consulta não precisam estar “sincronizados” no atendimento. O paciente pode, por exemplo, realizar uma tarefa doméstica enquanto descreve, durante as pausas, os sintomas. O médico, por sua vez, pode atender mais do que um paciente ao mesmo tempo: enquanto aguarda a resposta de um, prescreve um medicamento para outro, por exemplo. “É como se o paciente estivesse no WhatsApp diretamente com o médico”, completa Zilli.
O Olá Doutor permite ao paciente acessar um médico em minutos, de qualquer lugar, sem precisar ligar a câmera, agendar consulta e enfrentar filas. O atendimento é feito por médicos cadastrados no Conselho Federal de Medicina (CFM) e é possível obter orientações, solicitações de exames, receitas de remédios e atestados – se o profissional da saúde achar necessário.
Diferentemente de outras soluções baseadas em Inteligência Artificial, o Olá Doutor garante que todos os atendimentos sejam realizados por médicos, desde o primeiro contato.
O aplicativo de telemedicina assíncrona com atendimentos por chat já conta com 400 mil downloads, mais de 100 mil pacientes e 2 mil médicos cadastrados, e realiza mais de 4 mil consultas por mês.
Para saber mais sobre como funciona o Olá Doutor, FUTURE HEALTH entrevistou o CEO Anderson Zilli:
ANDERSON ZILLI: O Olá Doutor surgiu como resultado natural de um outro negócio, o My Start Clinic, um sistema de gestão para clínicas médicas que iniciei com outros quatro sócios em 2018. Era um produto que já existia, iniciado em Florianópolis, e que trouxemos aqui para a serra gaúcha, em Caxias do Sul.
À época, enxergamos que o mercado de saúde era carente de tecnologia e que havia muitas oportunidades.
O My Start Clinic é um sistema com agenda, prontuário eletrônico, prescrições, enfim, tudo aquilo que o médico precisa para a clínica dele. Ou seja, é um negócio B2B (do inglês business to business, “de empresa para empresa”, em português livre).
Como disse antes, nossa intenção era entrar no mercado de saúde para compreender a dinâmica e identificar oportunidades. De início, já mapeamos o potencial da telemedicina. Nós sabíamos que era questão de pouco tempo para que ela fosse regulamentada no Brasil.
Então, a partir de 2021, nós mergulhamos na legislação sobre telemedicina. Eu mesmo li toda a regulamentação do CFM a respeito do tema e fomos tentando entender quais eram os formatos de telemedicina possíveis.
Montamos um protótipo, avaliamos a viabilidade financeira e, a partir de 2022, contratamos um time de desenvolvimento para começamos a rodar a plataforma em 2023.
O lançamento não teve ampla divulgação porque queríamos validar o produto real, identificando possíveis problemas e melhorias.
Neste primeiro ano, que foi basicamente de testes, fizemos 16 mil consultas e consolidamos a plataforma.
Com essa segurança, em janeiro de 2024 investimos em publicidade, contratando a atriz Letícia Sabatella para apresentar o Olá Doutor ao grande público. Isso alavancou nossos atendimentos, que vêm crescendo em média 8% a cada mês. Recentemente, inclusive, chegamos ao total de 50 mil consultas oferecidas. Em um ano e meio, nosso crescimento foi de 2.700%. Tudo isso graças a um grupo de pessoas que planejou todas as etapas, avaliou o mercado e os riscos e desenvolveu a tecnologia.
AZ: No início éramos eu e mais quatro sócios mais um fornecedor de tecnologia que desenhou o protótipo conosco. Quando decidimos o formato, contratamos quatro desenvolvedores, um time bem enxuto mas suficiente para o que precisávamos.
Entre o final de 2022 e início de 2023, contratamos um médico e uma pessoa para o atendimento, cuidando da experiência do usuário. Ou seja, tirando os sócios, um time com seis profissionais iniciou a operação.
Ao longo de 2023, contratamos uma pessoa para supervisionar nossos canais de atendimento e comunicação e aumentamos o time de desenvolvimento. Atualmente, portanto, são 13 pessoas dedicadas a levar o Olá Doutor para conectar médicos e pacientes.
É um time pequeno, né? É que a ferramenta já foi pensada para ela escalar sem depender do aumento de recursos humanos. Ou seja, se atualmente realizamos 6 mil consultas mensais, podemos escalar para 10 mil, 20 mil, sem aumentar demais a estrutura que planejamos inicialmente.
Conseguimos, assim, crescer a receita sem aumentar os custos na mesma escala. Isso é fruto de um trabalho prévio árduo para conceber essa infraestrutura e definir bem os parâmetros do negócio, que hoje vemos se concretizando e escalando.
AZ: Durante nossas pesquisas de mercado, identificamos a dificuldade que as pessoas têm em acessar um médico, seja pelo plano de saúde seja pelo atendimento público. Descobrimos que chegar até o médico não é uma tarefa simples.
Por isso, a ideia básica do Olá Doutor é fazer qualquer pessoa ter acesso a um médico.
Esse foi o grande propósito que nos levou a desenvolver a plataforma. Para resolver este problema, desenvolvemos um aplicativo para consultas médicas totalmente via chat ou seja de forma assíncrona, sem que paciente e médico precisem estar ao mesmo tempo no mesmo local.
Na prática, o paciente não precisa ligar a câmera nem agendar a consulta. Ele baixa o aplicativo, faz um cadastro simples e compra uma consulta por R$ 69, definindo previamente quais são as queixas e sintomas.
Esse pedido de consulta, então, é liberado no sistema e em alguns segundos um médico vai atendê-lo. Hoje temos mais de 2 mil médicos cadastrados na plataforma, abrangendo 29 especialidades diferentes.
Em resumo, somos uma plataforma que conecta dois públicos: o paciente, que tem uma demanda que pode ser atendida em minutos a um custo acessível e, do outro lado, o médico, que se inscreve em nossa plataforma, tem o CRM checado e validade, e não paga nada para atender, nem em termos de infraestrutura de consultório nem para o Olá Doutor.
E tudo isso ocorre de maneira assíncrona, ou seja, sem que o paciente pare tudo o que esteja fazendo para se deslocar e/ou se dedicar exclusivamente ao atendimento. É como numa conversa de WhatsApp, em que cada parte envolvida responde para a outra enquanto está no trânsito, por exemplo, ou em outras atividades.
Costumo dizer que, na minha visão, falar com o médico, que é algo tão básico, deveria ser tão simples como falar com um amigo via WhatsApp. E é o que a gente faz hoje com o Olá Doutor.
Outro ponto positivo de oferecer essa agilidade a um custo acessível é evitar o autodiagnóstico, o “doutor Google”, né. E para o médico, sobretudo para o iniciante, que precisa ficar virando turnos em plantões ou atendendo em clínicas de terceiros, a facilidade é poder fazer atendimentos simultâneos, numa escala que seria impossível se ele tivesse que atender uma fila linear, por exemplo.
Na jornada do nosso paciente, em menos de dois minutos ele já está falando com um médico, cujo CRM é validado pela plataforma, que o oriente, prescreve exames e medicamentos – inclusive controlados –, emite atestados e tudo mais que a telemedicina convencional já proporciona. Tudo isso dentro do nosso aplicativo.
E pelas nossas constantes pesquisas de mercado, esse tipo de atendimento é exclusivo do Olá Doutor. Não há outra oferta de serviços como essa, de telemedicina via chat e assíncrona. Um indicador de que estamos no caminho certo é que cerca de 40% dos pacientes retornam e são usuários recorrentes da plataforma.
AZ: A primeira dificuldade, que já comentei anteriormente, foi desenhar o modelo de negócio. Um modelo de negócio tradicional, por exemplo, exigiria que contratassem os médicos, certo? Isso teria um impacto de custos absurdo que precisaria ser compensada com uma alta demanda.
Para escapar desses problemas, investimos em inovar no modelo de negócio e, sobretudo, investir num modelo fiscal que evitasse tributação redundante. Consultamos diversos especialistas e trabalhamos com afinco para que a receita vinda do paciente pudesse ser dividida entre a plataforma e o médico com o mínimo de ônus tributário possível, sem bitributação, por exemplo.
Ou seja, não é um modelo de negócio tão simples de concretizar, mas conseguimos superar essas dificuldades, inclusive jurídicas, e consolidar.
Uma outra dificuldade que imaginávamos mas caiu por terra rapidamente foi a de adesão dos médicos à plataforma. Inicialmente, pensamos que os médicos teriam alguma relutância em atender de maneira assíncrona ou por uma plataforma em que faturassem por demanda em vez de serem contratados, que talvez fosse algo disruptivo demais. Mas foi só divulgarmos algumas vagas no LinkedIn quando a plataforma estava ainda engatinhando que nas primeiras 24 horas houve 600 médicos inscritos. Então, algo que identificamos como um fator crítico para o sucesso do projeto, que seria a entrada de médicos na plataforma, não foi minimamente um problema.
AZ: De 2023 até 2024, tivemos 2.700% de crescimento no volume de consultas e o mesmo percentual crescimento de receitas. Atualmente estamos com mais de 400 mil downloads do aplicativo, mais de 100 mil pacientes inscritos e já realizamos mais de 50 mil consultas. Nossos mais de 2 mil médicos cadastrados têm entregado um nível de resolução de 96%. Isso quer dizer que a cada 100 consultas realizadas no aplicativo do Olá Doutor, 96 são concretizadas com sucesso.
AZ: Primeiro: continuar crescendo e sendo mais conhecido, atraindo novos pacientes. O segundo desafio é comecar a integrar Inteligência Artificial (IA) à nossa operação. Dentro do mercado de saúde esse tópico é especialmente importante porque não pode haver um diagnóstico gerado por IA, por exemplo, né? A avaliação do médico é insubstituível. Mas estamos, aos poucos, trabalhando para integrar IA no processo, inicialmente avaliando em que aspectos ela pode ser relevante para o negócio, sempre alertas para não ferir nenhum princípio ético e legal, logicamente.
Alguns caminhos que vislumbramos é o de processar dados acumulados no histórico do paciente e identificar informações úteis ao médico, por exemplo. Isso pode resultar em agilidade e assertividade na abordagem, já que o médico pode não ter condição de analisar o prontuário de maneira completa e ágil ao mesmo tempo.
Aproveitando o tópico, queria ressaltar que uma questão que estamos sempre trabalhando com o maior cuidado é a segurança dos dados. Em saúde, é comum não levarem esse aspecto tão a sério, então aproveito o espaço para ressaltar que somos o único aplicativo de telemedicina, pelo que temos mapeado no mercado, que segue perfeitamente todos os aspectos da resolução que é a 2.314 do CFM que regulamenta a telemedicina no Brasil.
O que quero dizer com isso? De acordo com o regulamento, todo o prontuário de telemedicina tem que estar disponível para o paciente. Ou seja, tudo o que ocorreu nas consultas precisa estar documentado e disponível. E sabemos que isso nem sempre é praxe, nem na medicina convencional nem na telemedicina – em geral, o prontuário fica apenas acessível para o médico e arquivado longe do acesso do paciente.
No Olá Doutor, o paciente pode consultar todo o seu histórico de chat. E esses dados estão sempre disponíveis, sejam eles texto, áudio, fotos, vídeos etc. Essa troca de informações garante a segurança do paciente e do médico, evita fraudes e é algo que nos comprometemos a manter e a melhorar continuamente. Consideramos que a manutenção dessa segurança também é uma forma de cuidado com todos os envolvidos no processo.