Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 havia 32,9 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade no Brasil. Em 2060, a expectativa é de que este número chegue a mais de 58 milhões, superior a 25% da população brasileira.
Esses dados mostram a necessidade de trazermos o tema da velhice para o primeiro plano de debate e, mais especificamente, os diferentes tipos de preconceitos sofridos por esta parcela significativa da população brasileira.
Etarismo, idadismo ou ageísmo são três termos que se referem ao mesmo conceito: o preconceito ou discriminação contra indivíduos ou grupos etários com base em estereótipos associados a pessoas idosas e que pode ocorrer de diferentes formas, em diversos momentos e ambientes.
O termo ageísmo – do inglês ageism, algo como preconceito etário – foi criado em 1969, pelo especialista em gerontologia Robert Butler ao analisar a mobilização de moradores de um bairro de Washington contra as moradias populares para pessoas idosas. Ele percebeu que as características desse preconceito eram semelhantes às do racismo e do sexismo.
Com o aumento acentuado da população idosa, a tendência é de que, num futuro não muito distante, haverá menos jovens no mercado de trabalho. Por isso, é hora de discutir o preconceito etário dentro das organizações, além de buscar formas de conscientização e iniciativas para combatê-lo.
De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) 18,5% dos idosos no Brasil trabalham e 75% contribuem com pelo menos metade da renda familiar.
O trabalho nessa idade é uma realidade e o país possui diversas ações para estimular a contratação de pessoas nessa faixa etária. Como exemplo, podemos citar o Projeto de Lei (PL) 4.890/2019, aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), que tem como finalidade oferecer incentivos fiscais, com duração de cinco anos, para empresas que contratarem funcionários com idade igual ou superior a 60 anos.
O etarismo também se manifesta no aspecto tecnológico. Prova disso é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um documento, no início do ano, chamando a atenção para o risco de desenvolvimento e uso da inteligência artificial (IA) de forma discriminatória com a população idosa.
Em suma, a organização recomenda uma revisão estrutural, de maneira que a pessoa idosa seja incluída em todo este processo, desde a formulação do design até seu uso final, permitindo que se obtenham dados e caminhos mais representativos.
Uma das áreas mais importantes para o bem estar da população idosa e na qual ainda assim há muito preconceito relacionado à idade é a saúde. O documento Global Report on Ageism, da série Global Campaign to Combat Ageism, produzido pela OMS, traz alguns dados atuais sobre o impacto do etarismo nesta área.
Uma revisão sistemática encontrou evidências de preconceito em 49 estudos que investigaram a relação entre idade e exclusão em diferentes tipos de pesquisa em saúde.
Uma análise que deixou o etarismo evidente foi sobre a Doença de Parkinson, que afeta principalmente a população em idade avançada. De 206 estudos que recrutaram pacientes com a doença, cerca de 50% excluíram aqueles com mais de 79,3 anos.
Cabe lembrar ainda que a população idosa é heterogênea e, quando se fala em idoso, é importante saber de que pessoa idosa estamos falando. O senso comum perpetua falsas verdades como: idosos não podem trabalhar; pessoas mais velhas possuem saúde debilitada; idosos são um ônus econômico para a sociedade; e assim por diante.
Entre as práticas mais comuns de etarismo para com as pessoas idosas está a retirada da autonomia para que tomem decisões, e a infantilização. Ambos partem do princípio de que, em razão da velhice, a pessoa é incapaz de gerir a própria vida, que não tem competência física ou psíquica para tomar decisões.
O efeito do etarismo na pessoa idosa é devastador, principalmente no aspecto emocional ou psicológico, podendo levá-la a ficar deprimida, a se isolar, se afastar do convívio social, se tornando invisível. Nesse sentido, a luta contra o preconceito é diária e precisa ser levada adiante por todos.
Uma das formas cotidianas de se combater este preconceito e quebrar qualquer paradigma é o estímulo à convivência intergeracional. Tal prática pode ajudar a reduzir o sentimento de solidão das pessoas idosas e contribuir sobremaneira com a educação e habilidades como pensamento crítico, a resolução de problemas, a conexão social e a aprendizagem para estabelecer objetivos dos mais novos.
Outra forma de se combater o etarismo está na Lei Federal nº 10.741, conhecida como Estatuto do Idoso, de 1º de outubro de 2003, que prevê uma série de normas com vistas à proteção e defesa dos direitos da pessoa idosa.
Logo nos primeiros artigos, ela estabelece que “o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
Além disso, “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.
É preciso unir forças para fazermos valer direitos e garantias, assim como evitar a exclusão daqueles que possuem décadas a mais de experiência e sabedoria. Lutemos juntos por uma velhice mais ativa, digna e justa para todos.
*Ivete Berkenbrock é presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).