Advogado de formação, Caio Santos Abreu se viu em uma situação delicada, em meados de 2005. Sua mãe descobriu um câncer – e, com ele, todos os procedimentos invasivos que seguiram; em especial, a quimioterapia, capaz de gerar enjoos, tirar o apetite, causar dores e culminar em perda de peso.
Ao ver sua progenitora 12 quilos mais magra, sentindo grandes dores e com dificuldade para lidar com toda aquela situação, Caio deixou a curiosidade (e a necessidade) falar mais alto.
“Enquanto eu estava no meio daquele processo, apareceram uma série de patentes sobre cannabis medicinal, inclusive do governo americano”, afirma ele. “Havia muita coisa relacionada ao câncer, inclusive como antitumoral – uma coisa bastante curiosa, já que ainda hoje não há um produto antitumoral.”
De uma necessidade pessoal, nascia a fagulha para a que se apresenta como primeira – e única – empresa de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos à base de cannabis no Brasil: a Entourage Phytolab.
“Em 2014, havia uma maior movimentação por parte de pacientes, no Brasil, em relação à possibilidade de tratamentos à base de cannabis, em busca de um produto legal e adequado para as suas necessidades terapêuticas, especialmente no que diz respeito à epilepsia”, explica.
“Entendi que não era possível negar mais esse tipo de produto”, comenta Caio. “A ideia foi se formando no sentido de atender a essa demanda clara que existia não só no Brasil, com produtos à base de cannabis para tratamento especialmente de doenças graves e raras, mas com um potencial mais amplo”, completa.
Desde janeiro de 2015, o propósito da Entourage se mantém o mesmo – e se dedica a vários segmentos do chamado cannabusiness: desde os compostos canabinoides até o foco do tratamento, passando pelo desenvolvimento farmacêutico (que envolve estabilidade do produto, formulação, estudos pré-clínicos em animais, toxicidade, eficácia etc).
Em 2020, tudo ganhou ainda mais corpo com o primeiro estudo clínico de um medicamento da Entourage – cuja fase final deve acontecer já em 2021.
“Esse estudo clínico vai nos permitir ter o registro, como qualquer outro medicamento que a gente vê na farmácia para epilepsia”, explica.
Esse primeiro produto é um extrato rico em canabidiol destinado principalmente ao tratamento de epilepsias refratárias – mas que pode ganhar aplicações também em distúrbios psicológicos, como tratamentos para ansiedade.
Não espere, no entanto, encontrar nas prateleiras um nome descolado e moderno, como acontece no mercado farmacêutico de outros países.
“No mercado que foi estruturado pela Anvisa, o nicho de transição que vai permitir a comercialização de produtos na farmácia, antes até que se terminem os estudos clínicos, que se transforme esse produto em um medicamento, não é permitido ter marca”, explica.
“Em um primeiro momento, portanto, a marca está mais relacionada à empresa e descrição do produto. E, uma vez que se torne medicamento, aí sim a gente vai poder falar em marca propriamente dita.”
HOUVE INVESTIMENTO-ANJO, MAS O BOLSO TAMBÉM FOI USADO
Para chegar até o momento atual, Caio precisou encontrar parceiros no universo farmacêutico. A Entourage se associou a duas grandes empresas internacionais no universo da indústria de cannabis medicinal e, a partir daí, uma série de rodadas de captação.
Mas foi preciso investir do próprio bolso também, contando com a ajuda, no início de tudo, de apenas um investidor-anjo. “Em valores da época, foram 700 mil dólares entre o meu investimento e o investimento-anjo. Dali para a frente, fizemos várias rodadas de investimento, e hoje estamos também ainda captando recursos com investidores”, revela Caio.
“No atual momento, estamos próximos de comercializar uma série de produtos, tanto no mercado que já existe de importação quanto no mercado da farmácia, que é onde realmente queremos chegar com solidez.”
OS PRODUTOS QUE PODEM MUDAR O MERCADO FARMACÊUTICO
A Entourage Phytolab trabalha, atualmente, com conceitos de cinco medicamentos – sendo que quatro deles já permitem que o mercado nacional cubra todas as aplicações medicinais feitas em países nos quais a planta é permitida para tal uso.
Isso se traduz em cerca de 20 enfermidades e/ou sintomas. “A gente fala da epilepsia, mas epilepsia não é a doença em si: é um sintoma de determinadas patologias do sistema nervoso”, explica Caio. “Entre doenças e sintomas, chegamos nesse número de 20”, completa.
O primeiro produto da empresa já passou por todo o desenvolvimento de tecnologia, e a companhia trabalha de uma maneira disruptiva no setor: a busca da Entourage também é por uma maior biodisponibilidade, diminuindo a necessidade de ingestão do ativo.
De uma maneira simples: se, para atingir determinado benefício, seria necessário ingerir 100mg de um extrato com canabidiol, o produto da Entourage oferecerá uma ingestão de 60mg com a mesma eficácia. Isso barateia o custo de produto e traz uma série de vantagens de uniformidade de dose.
“Em geral, os efeitos e percepções de produtos à base de cannabis são variados por pessoas. Com a nossa formulação, a tendência é gerar um mesmo tipo de absorção no mesmo intervalo de tempo, facilitando a vida do médico no que diz respeito a controle de dose e acompanhamento clínico de pacientes”, pondera Caio.
BRASIL E EXTERIOR: ATUANDO EM DOIS MERCADOS DIFERENTES
A Entourage Phytolab ainda aguarda questões burocráticas e jurídicas para atuar com mais força no Brasil. No país existem, hoje, diversos cenários regulatórios que lidam com a cannabis – e um dos mais amplos diz respeito à importação individual.
“Aquele paciente que tem uma autorização da Anvisa pode comprar na internet, e esse produto chega na casa dele despachado do exterior”, diz.
Como não é possível produzir aqui, a Entourage tem uma parceria para importar o insumo e enviar para o paciente no Brasil. “Dentro desse mercado de importação individual, a gente já deve chegar com mais velocidade, talvez nos próximos seis meses”, analisa.
O cenário da comercialização em farmácias está previsto para 2021 – mas sem uma data mais específica.
“E, em 2022, isso deve finalmente chegar como um medicamento com bula, com marca, da mesma forma que outro qualquer que a gente vê na farmácia”, explica.
Se tudo correr bem, Caio conseguirá algo único no país: facilitar que outras pessoas não precisem contar apenas com a própria curiosidade, risco e coragem para lidar com enfermidades e sintomas que podem ser tratados e amenizados com o uso medicinal da cannabis. Ainda que existam diferenças nas legislações, a lista de países que permitem tratamentos médicos com a planta já está perto de 40.