• Dois anos depois, o impacto da pandemia para os profissionais de saúde: esgotamento físico, mental e emocional

    Claudio Lottenberg é presidente do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, do Instituto Coalizão Saúde e da Confederação Israelita do Brasil
    Jose Renato Junior | 14 mar 2022

    Ao longo dos últimos dois anos, lemos e ouvimos com frequência nos veículos jornalísticos que o novo contingente de pacientes infectados pela Covid-19, a cada onda da doença, “testava os limites do sistema de saúde” ou “colocava o sistema de saúde em risco de colapso”. 

    Do ponto de vista técnico, essas expressões não estão erradas. No entanto, ao tratar o “sistema de saúde” como uma entidade abstrata, elas deixam passar o dado mais óbvio e mais importante a seu respeito: que ele consiste, antes de tudo, em um conjunto de pessoas.

    Sem contar com apoio nem aviso prévio, médicos, enfermeiros, maqueiros e tantos outros profissionais absorveram as consequências de uma crise sanitária sem precedentes na história recente. 

    O saldo da pandemia tem sido aterrador, mas nos esquecemos com frequência de que, sem o esforço incessante desses trabalhadores, poderia ser pior.

    Ao mesmo tempo em que é preciso reconhecer a carga de heroísmo contida nisso, devemos enxergar suas consequências de forma honesta. 

    Após dois anos trabalhando em meio às piores circunstâncias possíveis, os profissionais de saúde estão esgotados a nível físico, mental e emocional.

    AGRESSÕES SE JUNTAM ÀS RAZÕES NATURAIS DO ESGOTAMENTO

    Não é difícil entender por que, a começar pela doença em si: expostos diariamente ao risco de contágio, esses trabalhadores precisaram lidar com a ameaça constante de se infectarem e contaminarem suas famílias, o que de fato aconteceu com muitos deles. 

    Um levantamento recente da Associação Médica Brasileira, colhido no final de janeiro, mostrou que 87% dos médicos foram infectados pela Covid-19 nos dois meses anteriores, ou conhecem algum colega que foi. 

    É preciso levar em conta, também, os que morreram em função da doença antes da disponibilização das vacinas. 

    A Organização Mundial da Saúde estima que 13,6 mil profissionais de saúde brasileiros faleceram entre janeiro de 2020 e maio de 2021, o quarto maior índice mundial.

    Não bastasse isso, ainda enfrentaram agressões sistemáticas vindas da própria população. 

    Em 2020 e 2021, eram frequentes carreatas em protesto à quarentena e outras restrições da pandemia, prejudicando o acesso ou até mesmo perturbando o dia a dia nos hospitais. 

    Agora em 2022, a truculência contra os profissionais de saúde também ganhou espaço. 

    Esses ataques costumam partir da frustração por esperar horas na fila de atendimento, o efeito mais imediato da sobrecarga causada pela onda recente da variante ômicron.

    A situação assusta pela abrangência e pelo grau de violência.

    Um levantamento feito com 252 enfermeiros pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren) mostrou que 41% desses profissionais já sofreram agressões verbais no trabalho, e 10% foram vítimas de ataques físicos. 

    O legado da pandemia para os profissionais de saúde não poderia ser outro, portanto, que não o burnout generalizado. Segundo a AMB, 51% dos médicos declararam estar esgotados e apreensivos, e 64% avaliaram que seus colegas estão sobrecarregados.

    É um problema que deve perdurar mesmo em um futuro pós-covid-19. Para combatê-lo, é preciso ir à raiz das deficiências estruturais do sistema de saúde brasileiro, muitas das quais já se arrastam há décadas. 

    Os trabalhadores da saúde são heróis por terem chegado até aqui, mas vão precisar de um incremento consistente nas suas condições de trabalho para seguirem em frente.

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    Claudio Lottenberg é presidente do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, do Instituto Coalizão Saúde (Icos) e da Confederação Israelita do Brasil (Conib).

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