• Cirurgias eletivas a baixo custo para os sem-plano de saúde: a estratégia da Vidia para mudar o mercado brasileiro

    Usando a capacidade ociosa dos centros cirúrgicos dos próprios hospitais parceiros, a healthtech fundada por Eduardo Cerqueira e Thiago Bonini oferece procedimentos com até 40% de redução do custo total (Foto: Andréa Matsumoto)
    Jose Renato Junior | 19 maio 2021

    O que acontece quando um investidor decide empreender? Pergunte a Thiago Bonini, cofundador da Vidia, como foi o caminho que levou à criação da healthtech que oferece procedimentos cirúrgicos com até 40% de redução do custo total e você vai ouvir uma história cheia de estudos de mercado, insights – e propósito.

    Em 2019, o brasileiro graduado na Universidade de Stanford e com longa experiência em grupos de investimentos resolveu que mudaria para a outra ponta do processo. Para entrar de cabeça nesse universo, tinha três requisitos principais: que o setor fosse grande, que lidasse com algum problema que atingisse a vida de muitas pessoas e que tivesse como resultado algum nível de impacto social.

    Suas investigações apontaram para dois lugares: saúde e educação.

    O desempate veio por causa da história familiar de Bonini, neto de um médico que fez parte do primeiro grupo de cirurgiões pediátricos do Brasil, e que passou grande parte da sua vida se dedicando a ajudar os outros.

    Apenas saber em qual mercado atuar, porém, não era suficiente para começar um negócio – e a família veio de novo para ajudar Thiago. Foi graças a sua esposa que ele conheceu Eduardo Cerqueira, especialista em full-commerce, performance e desenvolvimento de produtos digitais.

    “Curiosamente, o Edu já tinha parcialmente empreendido em saúde durante um tempo, e estava buscando trabalhar com esse universo de novo”, conta Thiago. “Quando a gente se conheceu, percebemos que não teria encaixe mais perfeito do que esse.”

    Faltava saber exatamente em que tipo de negócio, em um universo tão vasto, ambos poderiam empreender.

    Unindo pesquisa ao faro natural de empreendedores, ambos perceberam que o grande problema do setor se trata da falta de acessibilidade à saúde.

    “O SUS é um sistema bastante importante e muito bem desenhado, mas ao mesmo tempo sobrecarregado, e os planos de saúde não têm se mostrado um bom complemento para ele”, explica Thiago.

    “Os planos de saúde chegaram a ter 50 milhões de pessoas no Brasil, hoje têm 47 – e, com o custo subindo três vezes mais que a inflação, não se mostra um bom complemento”, acredita.

    Esse gatilho deu origem à Vidia.

    DESVIAR O OLHAR DO ÓBVIO: O PULO DO GATO DA VIDIA

    Na maior parte das vezes que alguém pensa na atuação de uma healthtech, está pensando em atenção primária e secundária – que encontraram suas próprias adaptações, até mesmo com a pandemia desde 2020, graças à telemedicina.

    Thiago e Eduardo entenderam, portanto, que era preciso olhar para outro lugar.

    “O que descobrimos foi uma grande dificuldade enfrentada pelas pessoas na hora de uma hospitalização para cirurgias”, conta Thiago.

    “E isso é tão relevante porque 4 a 8% das pessoas que buscam um serviço de saúde vão precisar de uma cirurgia”, diz. “E então a pessoa que não tem acesso ao plano e depende do SUS muitas vezes fica em uma fila bastante longa”, completa.

    A Vidia, então, passaria a oferecer cirurgias para quem não tem plano de saúde, por um preço acessível, de uma forma rápida e com várias opções de pagamento.

    A ideia era sólida, a vontade existia, mas os recursos eram inexistentes. Thiago geria dinheiro de terceiros – que foram, então, buscados por sua versão empreendedora.

    “Para nós era muito relevante pessoas que, de um lado, entendessem muito disso que se chama de ‘o jogo de venture capital’, que é algo muito cheio de regras próprias, e pessoas que entendessem de saúde”, diz Thiago.

    No fim das contas, a Vidia juntou um baita time ao seu lado graças ao Canary, fundo que atua em estágios iniciais de startup e que liderou uma rodada de investimento no primeiro trimestre de 2020.

    Foram reunidos alguns investidores-anjos com experiências complementares – como a turma dos fundadores da Mobly, que fez listagem em bolsa recentemente –, e duas pessoas que tinham bastante experiência em saúde e marketing, totalizando uma captação próxima de R$ 4 milhões.

    Com o investimento, construiu-se o produto, a tecnologia e a plataforma, um time inicial para essa empreitada foi formado e parceiros foram atraídos para lançar o produto (como hospitais e clínicas). A Vidia foi, então, lançada em janeiro de 2021.

    A PANDEMIA E AS CIRURGIAS REPRESADAS

    Mais de um milhão de pessoas se encontram em filas para cirurgias no Brasil – mas, em 2020, muitas cirurgias eletivas ficaram represadas.

    Segundo Thiago, 40% das cirurgias eletivas deixaram de ser realizadas no ano passado, por causa da Covid-19.

    “Em 2019 o SUS fez 5 milhões de cirurgias. Em 2020, apenas 4 milhões. As cirurgias emergenciais ainda não estão sendo tão afetadas, mas as eletivas sim”, explica Thiago.

    O paradoxo desse cenário é que existe uma capacidade ociosa dentro dos hospitais, principalmente dentro dos centros cirúrgicos: em mais de 60% do tempo eles estão às moscas.

    Você já deve ter percebido, por exemplo, que a maior parte das cirurgias parece acontecer pela manhã – seja porque é a maneira como os hospitais e os médicos estão acostumados a trabalhar, seja por questões de jejum.

    Mas uma série de cirurgias podem ser feitas no período vespertino, à noite e até de madrugada.

    E este é o pulo do gato da Vidia: empacotar essas cirurgias junto a hospitais parceiros e oferecê-las a um preço menor, utilizando a capacidade ociosa dos hospitais e clínicas.

    A plataforma é a primeira no país a oferecer um pacote cirúrgico completo, incluindo exames e equipe médica (desde a primeira consulta até 30 dias após a cirurgia), por meio da qual o paciente sabe exatamente quanto vai pagar desde o início e sem burocracia.  

    “Já oferecemos o preço a 1/3 do que a pessoa pagaria se abordasse o hospital diretamente, justamente porque temos potencial de obter volume dentro da capacidade ociosa, um ativo que o hospital já possui, sem que ele precise investir em marketing ou novos ativos ou que se preocupe com inadimplência”, explica Eduardo.

    No meio de todo esse cenário, a Covid surge como um ponto de interrogação – que foi resolvível pela Vidia. “A gente não concorre com o atendimento à Covid porque a maioria dos nossos parceiros não presta esse serviço”, diz o empreendedor.

    Isso, segundo Eduardo, traz mais segurança para os pacientes da healthtech, que também não estão se expondo a um ambiente excessivamente contaminado.

    “Estamos vivendo uma situação muito triste e neste momento, especificamente, temos visto alguns dos pacientes clientes deixando de conseguir comparecer à cirurgia – seja porque foram afetados diretamente pela Covid ou porque têm pessoas próximas afetadas.”

    O FUTURO DA VIDIA

    A Vidia, porém, está otimista com o acesso que consegue oferecer – e com o futuro. Com um número cada vez maior de cirurgias eletivas represadas, a healthtech é uma opção viável e possível para pessoas que precisam desse tipo de atendimento.

    Além do custo reduzido, a plataforma também oferece um sistema de arrecadação virtual para custear os procedimentos. Sim: uma vaquinha online.

    “Temos um exemplo de uma pessoa que estava sofrendo bastante com uma hérnia inguinal, até com sua capacidade profissional limitada. Ela fez uma vaquinha e 30 pessoas contribuíram, foi um negócio superlegal”, relembra Thiago.

    Alguém que estava há meses na fila para fazer esse procedimento conseguiu resolver tudo em 30 dias. Para os empreendedores, isso é um gesto de empatia que se tornou mais comum agora em tempos de pandemia.

    Hoje, a operação da Vidia conta com 17 pessoas, todas trabalhando de maneira remota. Nos momentos menos graves da pandemia, com a flexibilização imposta por governos estaduais, foi possível reunir o time algumas vezes em um espaço de coworking.

    Em termos de resultado, a Vidia vai de vento em popa: em menos de três meses de operação, já deu acesso a cerca de 50 pessoas que precisavam de cirurgias – e obtiveram um aumento de procura de 50% de fevereiro para março.

    Grandes hospitais têm se interessado em fazer parceria com a healthtech, que foi uma das empresas mais jovens a participar do Programa Scale-Up da Endeavor e foi acelerada pelo Eretz.bio, do Hospital Israelita Albert Einstein.

    Para o futuro, os planos envolvem cada vez mais cirurgias, possibilitando mais vazão para novos usuários.

    “Acho que quanto mais as pessoas conhecerem o que a Vidia faz, o que a Vidia é, mais barreiras vão ser facilmente transpostas”, deseja Eduardo.

    “Assim, conseguiremos entregar saúde para muito mais gente, e de uma maneira muito mais ampla – com mais procedimentos e até em outras regiões, quem sabe?”

    Para os empreendedores, a ideia de uma plataforma de saúde é mais do que um negócio: é um olhar para o futuro. Segundo os dois, essa será a maneira de ter acesso à saúde de uma maneira descomplicada.

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