• Celulares e computadores são úteis para prevenir e amenizar quadros de demência, aponta especialista

    Ana Cláudia Bonilha - gerontologista Unifesp
    Ana Cláudia Bonilha é coordenadora das Oficinas da Lembrança do Centro de Estudos do Envelhecimento da Unifesp. (Foto: Divulgação)
    Adriana Cardillo | 2 fev 2023

    A demência deve afetar 78 milhões de pessoas até 2030. O dado é da Organização Mundial da Saúde (OMS) e liga um alerta importante, uma vez que o envelhecimento populacional é uma realidade no Brasil e no mundo. Atualmente, a OMS calcula que mais de 55 milhões de pessoas vivam atualmente com a síndrome.

    Diferentemente do que sugere o senso comum, a demência não é exatamente uma patologia, uma doença. Trata-se de uma nomenclatura genérica para identificar um conjunto de sinais e sintomas neurológicos que podem ser provocados por diversas doenças neurodegenerativas. A mais famosa e comum é o Alzheimer, responsável por cerca de 60% dos casos.

    Ana Cláudia Bonilha, bacharel em Gerontologia pela Universidade de São Paulo (USP), explica:

    “No processo de envelhecimento, o sistema biológico mais comprometido é o sistema nervoso central. Entre 20 e 90 anos, perdemos de 10 a 20% de massa encefálica, ocasionando um prejuízo de até 50% na capacidade cognitiva, retardando reflexos e coordenação por causa da diminuição da velocidade de condução neuronal e, principalmente, da redução do número de neurônios.”

    Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora das Oficinas da Lembrança do Centro de Estudos do Envelhecimento da mesma instituição, a especialista declara que o declínio cognitivo é um importante fator de risco para a demência, incapacidade funcional e morte. Portanto, prestar atenção nos índices globais de envelhecimento é crucial para definir políticas de saúde pública. 

    Para se ter uma ideia, até 2050, o número de pessoas com 65 anos ou mais no mundo deve dobrar, passando de 761 milhões em 2021 para 1,6 bilhão. 

    Com o mundo enfrentando múltiplas crises socioeconômicas e ambientais, os direitos e o bem-estar dos idosos devem ter lugar de destaque entre os esforços coletivos necessários para alcançarmos um futuro sustentável.

    Essa é a conclusão do Relatório Social Mundial 2023, divulgado em 12 de janeiro de 2023 pelo Departamento para Assuntos Econômicos e Sociais (DESA) da ONU.

    Neste contexto, os quadros de demência devem aumentar com rapidez. A própria OMS já reconhece que este é um dos maiores desafios de saúde pública da atual geração.

    A importância da estimulação cognitiva

    “Um dos principais problemas da demência é que não sabemos muito bem até hoje porque ela ocorre e como evitá-la. O único consenso é que hábitos de vida saudáveis podem diminuir a chance de ocorrência desse quadro.

    Dentre estes hábitos, os estímulos cognitivos mantêm o cérebro funcionando bem e ajudam a proporcionar autonomia e independência”, avalia o geriatra Luiz Roberto Ramos, professor titular de medicina preventiva e diretor fundador do Centro de Estudos do Envelhecimento da Unifesp.

    Para o especialista, um aspecto relevante para melhor condução das questões relacionadas ao avanço da demência é um olhar mais atento das políticas públicas para o assunto. 

    “O sistema de saúde precisa eleger a demência como um problema a ser resolvido, assim como ocorreu no passado com o controle de pressão e do açúcar. Colocar como prioridade e fazer reciclagem com médicos da atenção básica para eles entenderem minimamente o que devem valorizar nessas situações”, afirma.

    Uma evidência de que o estímulo cognitivo pode ser uma ferramenta, um aliado para os idosos contra a demência, veio das Oficinas da Lembrança, coordenada por Ana Cláudia Bonilha, que publicou uma tese de doutorado com o tema da prevenção do declínio cognitivo via alfabetização digital e games virtuais para idosos.

    Para realizar o estudo, ela reuniu 62 idosos, entre 65 e 93 anos, para exercícios de estimulação por quatro meses. 

    “Por meio do universo da tecnologia, dos jogos e de noções de programação verificamos que a inclusão digital melhora a vida dos idosos de forma significativa e pode ser a base um programa de prevenção estruturado e aplicado na atenção primária à saúde”, afirma a doutora. 

    Renovando a mente

    Ana Cláudia explica que aprender coisas novas é um fator de proteção para o cérebro. Como resultado das oficinas, ela elenca melhoras na atenção, na memória de curto prazo, principalmente entre os idosos com média escolaridade, além do enriquecimento do estado psicológico dos idosos. 

    “Além das perdas cognitivas, o isolamento e a marginalização social contribuem para um quadro de depressão, abandono e falta de significado na vida. Os idosos têm mais dificuldade para compreender novos significados. Apesar de levarem mais tempo para interpretar novos códigos e do menor tempo de fixação na memória, nada disso é impeditivo  para novas aprendizagens”, garante.

    Segundo a especialista, computadores e smartphones são  excelentes ferramentas para proporcionar novos ganhos de memória, uma vez que muitos idosos possuem os aparelhos e nem sempre os utilizam de forma segura. 

    “Diante de um quadro patológico, como os que acarretam demência, a estimulação cognitiva é considerada um exercício potente para o cérebro. Quanto mais praticarmos novos conteúdos, mais desenvolvidos intelectualmente ficamos e, desta forma, podemos estabilizar ou prevenir  processos demenciais”, diz Ana Cláudia.

    Confira Também: