Após estudar os benefícios da cannabis por uma década, Aderbal Aguiar, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Laboratório de Biologia do Exercício Físico da instituição, reuniu todo seu conhecimento e fundou a startup Cannabisports, que está desenvolvendo produtos à base da planta dedicados a atletas.
Incubada no laboratório que Aderbal coordena na UFSC, a empresa quer trazer um olhar disruptivo para o uso dos canabinóides nos exercícios físicos.
“Sou um apaixonado por inovação. Por isso, trabalhamos focados em desenvolver suplementos que melhorem a saúde e o desempenho nos esportes com um ingrediente inusitado”, diz Aguiar.
Segundo o docente, graduado em fisioterapia, mestre em fisiologia do exercício, doutor em farmacologia e pós-doc em bioquímica e em neurociências, ainda são poucos os estudos que trazem evidências sobre a atuação dos fitocanabinoides na vida dos atletas, uma vez que os holofotes dos pesquisadores ainda estão voltados para o tratamento de doenças.
“Existe também preconceito entre praticantes de esportes por relacionar maconha ao uso de drogas ilícitas”, avalia o professor.
Os suplementos da Cannabisports ainda estão em fase de desenvolvimento e devem chegar ao mercado com formatos inovadores de uso, mas a informação ainda é mantida em segredo pelo especialista e sua equipe.
Uma das substâncias que está na mira da startup e que promete revolucionar o meio esportivo é o Canabigerol, conhecido como CBG. Por causa de suas propriedades analgésicas e anti-inflamatórias, o fitocanabinoide está chamando a atenção de pesquisadores e de empresas de olho no mercado em expansão.
De acordo com Aguiar, o CBG é tão promissor quanto o CBD e o THC – substâncias mais famosas da planta – em relação aos benefícios para a saúde.
“Um dos focos de uso do CBG é o pós-treino, pois ele estimula a hipertrofia muscular e diminui lesões. Além disso, o suplemento pode melhorar o desempenho dos atletas, facilitar a recuperação do corpo e amenizar o estresse e a insônia”, afirma Aderbal.
“O uso da cannabis nos esportes é uma tendência sem volta, uma vez que propõe um cuidado integrativo da saúde. Ao prescrever a planta, o profissional olha o paciente ou atleta com um todo, com todas suas particularidades, estilo de vida e tipo de treino. Não dá mais para universalizar os tratamentos”, afirma o docente.
Enquanto as pesquisas avançam para usos inovadores da maconha medicinal, médicos como Pedro Melo Filho, diretor técnico da CBDoctors, apostam no uso da planta em diversos momentos da vida do esportista.
Sua clínica, localizada em Ribeirão Preto (SP), é especializada em medicina canábica e trabalha com o projeto CBD Sports, que oferece tratamento contínuo e acompanhamento médico focado na utilização de cannabis medicinal para atletas de alta performance.
“Os atletas apresentam o treino e os médicos prescritores da clínica calculam as doses de acordo com a necessidade, estilo de vida e combinação com outros tipos de uso da planta. Também oferecemos todo suporte para a documentação, registro na Anvisa e procedimentos de importação”, explica o médico.
Para ele, os atletas buscam longevidade nas carreiras e a cannabis, além de um potencial terapêutico enorme, traz poucos danos colaterais.
“Se antes ela era vista como alternativa, hoje é a primeira opção no acompanhamento do treino, por causa dos efeitos analgésico e anti-inflamatório”, avalia Pedro.
Em sua prática clínica, até mesmo o THC, geralmente rechaçado pela ala mais conservadora dos esportes, tem uso terapêutico importante, principalmente no pré-treino.
“Em doses adequadas, o THC é broncodilatador e auxilia os músculos a se contrair com mais força e velocidade.”
Pedro também aponta o benefício deste canabinóide para atletas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) – pois aumenta o foco e a atenção – e também para os que participam de provas longas, como maratonistas ou jogadores de futebol.
De acordo com o profissional, para os esportistas concilarem o uso com competições, a substância precisa ser retirada da rotina pelo menos 40 dias antes da prova – ele mesmo costuma indicar o prazo de 60 dias para seus clientes a fim de evitar surpresas.
A medicina canábica aliada ao esporte já é consolidada em países cujo uso da planta é legalizado ou regulamentado, como Estados Unidos e Canadá.
De acordo com o relatório Cannabis e Esportes, realizado pela Kaya Mind, empresa especializada em análise de dados do mercado de cannabis, pelo menos 15 grandes marcas do setor patrocinam esportistas.
Entre os atletas brasileiros que fazem uso dos canabinóides, as modalidades que mais se destacam são o MMA, seguido por natação, skate e surfe. Com a autorização de uso de CBD durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, em 2021, muitos atletas reforçaram a importância da cannabis para um melhor desempenho esportivo.
“O uso entre atletas profissionais que falam abertamente dos benefícios da planta é um importante instrumento para quebra de preconceitos. Hoje vejo muitos esportistas abrindo a cabeça e usando a cannabis de diversas formas, como pomadas e bombas de banho, que podem até mesmo substituir a crioterapia (aplicação de baixas temperaturas para recuperação muscular)” explica Pedro.
Ele reforça que, para obter resultados efetivos, as dosagens para os atletas devem ser individuais, ajustadas de acordo com a necessidade do treino e com a rotina diária. “Duas pessoas com mesmo peso, praticando a mesma modalidade, podem precisar de dosagens diferentes”, exemplifica Pedro.
“Além dos efeitos positivos na recuperação muscular e no descanso, produtos à base de cannabis também podem ajudar a aliviar a carga psicológica imposta por treinos de alta performance”, completa.