Quando, em 2016, três médicos resolveram criar um canal para falar de saúde no YouTube, a ideia não foi exatamente bem recebida pelos pares dos profissionais.
Não que tudo fosse exatamente mato na plataforma naquela época – sim, havia um tanto de área carpida. Um relatório do próprio YouTube afirmava que 95% da população assistia ao menos um vídeo por mês.
Acontece que, em relação à comunidade médica, aquele ambiente não era o mais respeitado. Afinal, quando o Doutor Ajuda surgiu, o que fazia sucesso eram os canais de humor (o Porta dos Fundos já tinha mais de 12 milhões de inscritos), música, gastronomia, gaming, moda & beleza e futebol.
O Doutor Ajuda era diferente: um canal que traz vídeos com informações diretas e precisas, todas baseadas na ciência, a respeitos de assuntos diversos de saúde, de depressão a catarata, passando por intestino preso e maconha medicinal.
Cada vídeo é apresentado por um médico especialista no tema. Para evitar o chamado “medicinês”, com termos técnicos e incompreensíveis para os leigos, o roteiro é feito em conjunto com o diretor.
O sucesso foi crescente. Em junho último, o Doutor Ajuda bateu 1 milhão de inscritos no canal. Hoje, já são 1,15 milhão. Mas não é só: o canal acaba de lançar um aplicativo, o Ajuda Saúde.
O app funciona como um registro de saúde do paciente, oferecendo acesso à informação de acordo com o que ele precisa, além de teleconsultas 7 dias por semana, 24 horas ao dia. Em última instância, o Doutor Ajuda virou uma startup.
PRECONCEITO COM REDES SOCIAIS FOI SUBSTITUÍDO POR ORGULHO
Em 2016, nem mesmo os fundadores do Doutor Ajuda estavam confortáveis com a exposição em uma plataforma. “Eu fiquei pensando: como assim um canal no YouTube?”, afirma o urologista Fabio Ortega.
Fabio conta de sua reação quando seu primo, o jornalista Roberto Ortega, deu a ideia. Diretor de canais de YouTube desde 2013, Roberto percebeu que não havia na plataforma nada sobre saúde que considerasse sério o suficiente – e popular na mesma medida.
Apesar de um tanto reticente, Fabio considerou a sugestão. “Grande parte dos médicos quer ajudar seus pacientes além das paredes do consultório. Era assim com a gente”, ele diz, referindo-se também aos outros dois fundadores do Doutor Ajuda, sua mulher, a ginecologista Denise Yanasse, e o melhor amigo, o ortopedista Rodrigo Calil Abdo.
Os três estudaram na USP (Universidade de São Paulo) e atendiam no Hospital das Clínicas, referência no país em saúde pública e que, por isso, recebe pacientes do país todo.
“É um volume muito grande de pacientes”, conta Denise. “E nós víamos as necessidades, as dificuldades e a falta de informação com que chegavam no consultório.”
Eles então resolveram embarcar na ideia do jornalista para suprir essa necessidade. “Criamos o canal para trazer informações sérias, com credibilidade, para combater o monte de informação errada que havia na internet”, diz Rodrigo.
Denise lembra que, há cinco anos, a classe médica era muito relutante em usar as redes sociais. E não apenas por tradicionalismo, mas também pelo receio de ter a imagem exposta.
“Mas nós sempre soubemos que mais importante que o informante é a informação”, diz ela. “E sempre tivemos a preocupação de transmitir essa informação de forma muito correta. É medicina baseada em evidência.”
Rodrigo lembra que, no começo, eles pediam para os colegas de outras especialidades participarem do canal e eles relutavam.
Ao longo do tempo, a credibilidade foi conquistada não apenas com a audiência, mas com os pares. “Hoje, eles adoram fazer os vídeos e pedem para voltar ao canal”, Rodrigo ri.
“Muito médico fala que teve uma dúvida em um assunto que não era de sua especialidade e foi buscar um vídeo de referência no nosso canal”, reforça Denise.
Do lado do paciente, o sucesso só aumentava. “Muitos não tinham condição de receber informação com tanta qualidade porque não têm acesso a esse tipo de profissional”, diz a ginecologista.
PANDEMIA FEZ PROCURA E RELEVÂNCIA AUMENTAREM
Há quatro anos, o Doutor Ajuda viu seu primeiro grande sucesso – um êxito tamanho que até hoje não foi superado: um vídeo explicando os sintomas da depressão. Até hoje, são quase 4 milhões de visualizações.
“Isso fez que nosso patamar de relevância subisse no YouTube”, conta Fabio. “As buscas por conteúdo de saúde mental, que já eram muito volumosas na internet, cresceram ainda mais com a pandemia.”
Rodrigo afirma que a pandemia impulsionou, de forma geral, buscas sobre conteúdos de saúde. “Já estávamos bem posicionados como um canal sério. E, por causa de tanta fake news, de tantas informações desencontradas, nossos vídeos acabaram servindo de referência.”
Os médicos postaram muito conteúdo relacionado à Covid-19, fizeram bastante live – e tudo é distribuído não apenas no YouTube, mas também nos perfis do Doutor Ajuda no Facebook e no Instagram e em mais de 300 rádios do país, que divulgam o áudio.
“O YouTube também começou a dar mais atenção para o conteúdo em saúde, o que acabou contribuindo para melhorar nosso posicionamento”, diz Fabio.
Os médicos acreditam que empoderar o paciente com informações corretas é o melhor serviço que eles oferecem no canal.
Um paciente mais bem informado, afirmam, não apenas tem mais chances de ser curado de sua patologia, porque a entende, como também tem menos chance de ficar doente, porque cuida da saúde.
“Muitas vezes, o paciente não sabe nem ao menos dizer o que está sentindo, explicar os sintomas. Muitos inclusive procuram o especialista errado”, diz o urologista.
“Para nós, a informação correta é um remédio. Ela tem poder e é tão importante quanto o remédio. Por outro lado, a informação falsa é uma doença.”
APLICATIVO SURGIU COMO FORMA DE PERSONALIZAR CONTEÚDO
Em determinado momento, há cerca de um ano, Denise, Fabio, Rodrigo e Roberto começaram a se perguntar como poderiam personalizar ainda mais o conteúdo que produziam.
“Sabemos que as consultas de pessoas que dependem do Sistema Único de Saúde duram apenas entre cinco e dez minutos. E, nessa consulta rápida, é muito difícil o paciente conseguir entender o que tem e como vai ser seu tratamento”, diz Fabio.
“Pensamos: e se a gente conseguisse direcionar a informação para um indivíduo, concentrar a informação que ele precisa, de acordo com a necessidade dele?”, explica.
Como grande parte da jornada do paciente depende muito de informação, o quarteto imaginou que teria valor um serviço que conseguisse oferecer essa informação produzida por especialista referência em sua área em alguns vídeos curtos – de forma que eles chegassem exatamente nas pessoas que precisam de conteúdo sobre aquela patologia específica.
“Imagine uma pessoa que está com uma queixa, faz uma consulta, recebe o diagnóstico e, com ele, um pacote de informação de acordo com a patologia que ela tem e com seu histórico?”, diz o urologista.
“Isso seria maravilhoso, provocaria engajamento, um desafio grave na saúde. Porque só quem entende o próprio problema veste o uniforme do tratamento e o segue.”
Nascia assim a ideia do aplicativo Ajuda Saúde, disponível já para celulares com sistema Andoid e iOS.
PLANO DE ASSINATURAS DE BAIXO CUSTO PARA DEMOCRATIZAR ACESSO
O app traz um questionário para ser preenchido pelo próprio paciente com dados sobre sua saúde (doenças crônicas, medicamentos que toma, cirurgias que já fez) e também registra exames e consultas.
Esse histórico digitalizado do paciente é a base para que ele receba todas as informações de que precisa sobre sua saúde, com vídeos produzidos pela equipe do Doutor Ajuda.
“Esses dados todos disponíveis na palma de sua mão também são valiosos para ele compartilhar com médicos quando vai a uma consulta”, diz Fabio.
“Se a pessoa tem, por exemplo, diabetes, ela recebe conteúdos que informam tudo o que ela precisa saber: o que é pré-diabetes, o que é diabetes, como é a dieta para diabético, como conseguir medicamento pelo SUS, como aplicar, quais os cuidados necessários com a vista, com os rins. Enfim, só sobre esse assunto são 14 vídeos.”
Não são apenas os vídeos já produzidos para o canal do YouTube que estão no app. Os médicos estão preparando entre 20 e 30 novos todos os meses. “É uma fábrica de conteúdo”, brinca Fabio.
O app tem um olho na saúde, e não na doença, na medida em que traz também informações para a manutenção dela. “Se a pessoa faz parte do grupo de risco para doenças cardiovasculares, vai receber vídeos sobre o tema, sobre como prevenir, sobre o que dizer para o médico.”
Outra coisa com a qual eles se preocuparam foi em relação ao acesso. Por isso, ele traz a opção de telemedicina, uma parceria com a Teladoc, e a planos de benefícios, com descontos em medicamentos de até 60%, em exames e em, em breve, em cirurgias.
O app funciona por um plano de assinatura, que custa a partir de R$ 34,90 o plano individual e R$ 58,90 o plano familiar, para um titular e mais três pessoas.
O aplicativo, até agora, consumiu R$ 1 milhão – o recurso veio de um investimento feito pela esposa de Rodrigo, que é empresária. Os médicos não vendem publicidade em seu canal e só recebem o valor pago pelo próprio YouTube. E mantêm seus consultórios, aos quais dedicam, hoje, cerca de 40% do tempo.
Tanto como influenciadores no YouTube quanto como empreendedores com a startup que criaram, os três dizem que o foco é praticar medicina centrada no indivíduo.
“Queremos que a pessoa seja a protagonista de sua saúde”, diz Fabio. “Com nossos produtos, o médico deixa de ser o motorista e passa a ser o Waze: dá a rota, mas quem dirige é a pessoa.”
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