Após seis anos tratando tumores nos pulmões com quimioterapia e ablação por radiofrequência, um paciente teve bons resultados no lado esquerdo mas viu o lado direito piorar.
“O quadro já não respondia mais às opções de tratamentos convencionais. Discutimos o caso com a equipe médica e o paciente e decidimos pelo autotransplante de pulmão”, descreve o cirurgião torácico Marcos Samano, único médico no Brasil a realizar o procedimento. “A cirurgia durou cerca de 10 horas e foi um sucesso”, celebra o especialista.
Este foi o primeiro autotransplante de pulmão em paciente com metástase, realizado no primeiro semestre de 2023 no Hospital São Luiz Itaim, unidade da Rede D’Or em São Paulo.
O paciente tinha inicialmente um tumor na perna, que evoluiu para um quadro de metástase, atingindo o pulmão.
“Nesta técnica, retiramos o pulmão, neste caso o direito, e removemos o tumor, para então reimplantar o órgão no paciente”, explica Samano.
De acordo com o cirurgião, a técnica pode proporcionar a cura de pacientes com câncer que atualmente são considerados casos paliativos.
“Trata-se de uma cirurgia complexa, que exige uma equipe multidisciplinar para acompanhar o paciente. Além é claro, de toda uma estrutura física de aparelhos de última tecnologia para receber este órgão, e mantê-lo em condições de conservação. Com isso temos tempo hábil para retirar o tumor e em seguida devolver o órgão para o corpo”, explica o médico do Hospital São Luiz.
Após a cirurgia, o paciente seguiu para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para observação e, em menos de 24 horas, já respirava sem ajuda de aparelho. Após 12 dias recebeu alta médica.
Samano comenta que alguns casos considerados inoperáveis poderiam ser submetidos ao autotransplante com sucesso e conta mais detalhes sobre o procedimento em entrevista exclusiva:
MARCOS SAMANO: Surgiu a partir de experiência prévia com outros dois casos que operei em tumor primário de pulmão. Eram tumores localmente avançados em que a única alternativa seria remover o pulmão inteiro, mas os pacientes não suportariam essa opção.
Neste caso do Hospital São Luiz Itaim, nós também tínhamos dúvida se a remoção do tumor seria possível pois haveria invasão de estruturas muito próximas ao coração. E também, por ser um paciente jovem, o autotransplante poderia preservar tecido pulmonar, melhorando a qualidade de vida dele.
MS: Primeiramente, a cirurgia começa com a remoção do pulmão inteiro, após a abertura do diafragma. Em todos os casos, tentamos remover o tumor sem a retirada do pulmão, um procedimento conhecido como dupla plastia (artéria pulmonar e brônquio).
Na cirurgia de bancada, acessamos o tumor com calma e segurança para remoção completa. Uma vez que o órgão restante esteja preparado, reimplantamos as estruturas (brônquio, artéria e veia pulmonar).
MS: Um centro cirúrgico capacitado em cirurgias de alta complexidade como transplantes de pulmão e de coração, além de uma UTI igualmente equipada. A equipe cirúrgica também deve ter experiência em transplante de pulmão, que se assemelha tecnicamente ao autotransplante.
MS: Os riscos são os mesmos de uma cirurgia de grande porte, ou seja, basicamente sangramento e complicações pós-operatórias, como infecções ou embolia pulmonar aguda.
O risco de rejeição não existe, uma vez que o órgão reimplantado é do próprio paciente.
MS: Numa era em que existem tantos avanços no tratamento do câncer como terapia alvo e imunoterapia, os pacientes têm vivido cada vez mais e melhor.
A doença tem alcançado situações de estabilidade no qual tratamentos de exceção como o autotransplante se tornam comuns.
É um processo de medicina personalizada, na qual identificamos o melhor tratamento para determinado paciente e sua doença.
MS: Infelizmente, ainda não. Há poucos centros brasileiros que fazem transplante pulmonar e oncologia de alta complexidade simultaneamente. E na rede pública são ainda mais escassos.
MS: A recuperação foi surpreendente, muito embora o paciente fosse jovem e atleta, o que facilita muito nosso trabalho. Em apenas 13 dias ele já recebeu alta hospitalar.
Como a ressecção foi completa com margens cirúrgicas, o paciente fará somente uma complementação com imunoterapia. Não existe nenhuma outra cirurgia programada e o seguimento dele é por toda a vida.
MS: Este procedimento é raro também fora do nosso país, havendo poucos casos relatados. Mas com o avanço do tratamento dos tumores que acometem os pulmões e a especialização de centros e equipes em transplante pulmonar, acredito que esta alternativa se torne uma realidade para alguns pacientes.
O mais importante é que o paciente seja visto como um indivíduo único e que o tratamento para ele pode não sair de um guideline ou protocolo pré-estabelecido.
Pensar no autotransplante como uma alternativa significa preservar pulmão e qualidade de vida, assegurando até mesmo cura em situações em que estes indivíduos são considerados intratáveis.