Você se permite um ano de férias após sair de uma empresa digital de destaque e aproveita para cuidar direitinho da saúde. Tem bom plano de saúde e acesso a médicos eficientes – mas cada um é especialista numa área e eles praticamente nunca se comunicam a seu respeito.
Além disso, você nem faz ideia de onde estão exames antigos que poderiam ajudar em diagnósticos – e não há um sistema integrado de registros que permita acesso a eles. Após tantos desencontros, você se vê falando para si: “Nossa, que trabalhão que dá cuidar da sua saúde…”
Foi exatamente isso que aconteceu com o paulistano André Florence, 34 anos. E foi o que deu a ele a ideia para um novo modelo digital de atendimento de saúde, que veio a se tornar Alice, lançado ao público em julho último.
Alice é um sistema de atendimento médico para pessoas físicas que pretende ir além dos planos de saúde nos moldes que conhecemos hoje.
Tanto que a empresa prefere não ser rotulada como “plano de saúde” – tampouco como “startup”.
Neste começo, Alice se concentra apenas na cidade de São Paulo e está associada a quatro hospitais: o Oswaldo Cruz, com duas unidades, o infantil Sabará e a maternidade Pro Matre, além do laboratório Fleury (incluindo a marca A+). Também já conta com cerca de 90 profissionais de saúde associados. E os planos imediatos são de entrar em 2021 com mais 100.
Além de apostar na tecnologia, tanto no atendimento quanto no cadastramento de novos clientes via aplicativo, Alice estabeleceu seu foco em designar um “Time de Saúde” integrado e específico para cada pessoa, de acordo com seu caso e suas necessidades.
Há comunicação entre os profissionais que atendem e registro completo de tudo, mesmo que uma mera perguntinha rápida ao médico através do aplicativo. Ou seja, cria-se um levantamento completo do quadro médico do indivíduo.
LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA COMO CFO NA 99
A experiência empreendedora de André começou depois que ele saiu da antiga 99Taxis, hoje apenas 99. Lá, onde era CFO, ele ficou de 2014 até 2018, quando ela foi vendida para a chinesa Didi Chuxing.
“Saí querendo empreender mas sem saber em quê. Queria algo que mudasse o Brasil e eu pudesse ficar na empresa para sempre, um princípio muito ligado aos meus valores”, conta.
“Tirei um ano de férias e fui cuidar da saúde. Ótimos médicos, especialista daqui, dali. Mas deu trabalho fazer com que os médicos se entendessem entre eles. E eu não lembrava onde estavam exames antigos, um médico tinha sumido, não tinha prontuário… Ficou isso na minha cabeça: aqui tem um serviço, um negócio.”
Justamente quando suas férias autoconcedidas chegavam ao fim, André conheceu Guilherme Azevedo, cofundador da rede de centros médicos Dr. Consulta.
“O Gui é de tecnologia, mas conhece bastante o setor de saúde e me explicou como funciona o sistema no Brasil, o problema dos incentivos, por que planos de saúde não vêm dando certo e são ruins para todos – o plano, o médico, o governo e, pior ainda, para as pessoas”, diz André.
“Mas ele também me falou como seria melhor fazer, com muito mais tecnologia, incentivos novos. Aí me veio o pensamento de como é difícil cuidar da saúde.”
Os dois passaram um tempo maturando a ideia e criaram a Alice com mais um fundador cheio de vontade de empreender: Matheus Moraes, ex-presidente da 99, onde era “chapa” de André.
Passou um ano e meio entre a ideia original, o desenvolvimento e o lançamento do app Alice para o público. A iniciativa captou um total de US$ 16 milhões em investimentos séries A junto ao fundo de venture capital Canary e, numa segunda rodada, Kaszek Ventures, MAYA Capital e, novamente, Canary.
TUDO PELO APLICATIVO COM EQUIPES DEDICADAS
Alice é regulamentada pela ANS (Agência Nacional de Saúde) como produto individual. Ou seja, para adquirir um plano, basta ter um CPF – não é preciso CNPJ nem estar vinculado a uma entidade de classe.
Basta baixar o aplicativo, seguir o fluxo para o cadastro, assinar o contrato – digitalmente, porque nada envolve papel na Alice– e pagar o boleto. Em no máximo dois dias, a cobertura já é efetivada.
Após se tornar “um membro Alice”, o cliente será encaminhado para marcar um horário para uma imersão com um Time de Saúde. Será uma conversa remota de cerca de 90 minutos com a equipe médica para um aprofundamento do histórico de saúde, definição de objetivos e esboço de um plano de ação.
Esse Time de Saúde, além do atendimento totalmente digital e concentrado no app, é considerado pela empresa um de seus grandes diferenciais.
“A gente oferece um Time de Saúde com cuidado integral feito por profissionais de saúde multidisciplinares. O core tem sempre um profissional médico e um enfermeiro. Dependendo do objetivo da pessoa, entram outros profissionais, como médico esportivo, nutricionista, preparador físico”, explica André.
Com essas conversas, é montado um plano de acompanhamento integral, com o app fazendo checagens rápidas ocasionais entre eventuais consultas. Após um ano, é feita nova imersão com o Time de Saúde para avaliações e projeções. “E assim será todo ano, até a pessoa ficar bem velhinha”, promete André.
Qualquer contato com os profissionais – da dúvida mais rápida a algo mais detalhado – é feito pelo aplicativo. WhatsApp ou outros aplicativos de conversa estão descartados. “É por questões de segurança e também para manter todos os dados e contatos com o Time de Saúde numa plataforma”, fala André.
Para consultas presenciais, o modelo é centralizado na sede Casa Alice, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, próximo ao Shopping Eldorado. Os médicos associados atendem aos clientes ali na hora marcada pelo app, não em consultórios próprios. André diz que “o médico pode até ter seu próprio consultório, mas aí o atendimento é separado da Alice”.
REMUNERAÇÃO DIFERENTE
Como complemento, também existe um plano de saúde Alice em moldes mais próximos ao que vigora no mercado, mas com a intenção de uma abordagem mais moderna e com uma alta qualificação dos profissionais que formam sua health community, como a empresa prefere classificar o que se chama de rede credenciada no mercado. A maior parte dos médicos associados não atende outros planos de saúde – apenas consultas particulares e Alice.
A empresa também aposta numa nova forma de remuneração diferente dos reembolsos fee-for-service que são padrão no setor de planos de saúde. A Alice propõe remuneração fee-for-value, com foco em resultados e os profissionais associados tornando-se também acionistas.
“Parte da estrutura societária, das ações, são dedicadas às pessoas que ajudam a construir a Alice, que são os funcionários”, expõe André.
“Cerca de 95% deles têm stock option, um direito de compra de ação. Serve para os profissionais médicos, os de negócios, de tecnologia, de marketing.”
O cofundador da Alice gosta de ressaltar que isso envolve um ideal: “O conceito é que estamos construindo um projeto cuja missão é tornar o mundo mais saudável, uma empresa que existe para gerar valor para a sociedade. E a sociedade retribuirá. E quem ajudou a construir isso tem de ser recompensado”.
Os planos de expansão seguem esse pensamento, conforme manifesta André Florence.
“Nossa visão é macro, de longo prazo”, ele afirma. “Hoje temos mais de 200 milhões de brasileiros, dos quais 150 milhões não têm acesso à saúde privada e dependem do SUS. Só 47 milhões têm, e esse número está meio estagnado nos últimos dez anos”, diz.
“Nossa visão é que, em dez ou vinte anos, esse número deva sair de 47 para 100 milhões de pessoas. É bom para todo mundo: para quem passa do público para o privado e para quem fica no sistema público, porque serão menos pessoas competindo por aquele recurso.”