Em suaíli, idioma oficial do Quênia e de outros cinco países do leste do continente africano, “afya” quer dizer saúde. Já para o maior conglomerado de educação médica do Brasil, o significado da palavra tem outros dois complementos: educação e tecnologia.
A Afya nasceu em 2019 com a fusão da NRE Educacional, rede de faculdades de medicina, com a Medcel, empresa de cursos preparatórios online para residência médica.
Desde então, a healthtech abriu capital na bolsa americana, recebeu um aporte de R$ 822 milhões do fundo SoftBank, e está afiada na missão de criar um versátil ecossistema digital de serviços médicos.
A companhia comprou oito startups de saúde (PEBMED, Medphone, iClinic, Medicinae, Medical Harbour, Cliquefarma, Shosp e RX PRO).
A Afya também dobrou o tamanho de sua operação nos últimos 16 meses para, nas palavras do CEO Virgilio Gibbon, “resolver a dor do médico”.
Hoje, além de conteúdo e tecnologia para educação na graduação e pós-graduação, a Afya aposta em telemedicina, prescrição e prontuário eletrônico, gestão de amostras grátis e softwares de apoio às decisões clínicas.
Ao que parece, a receita de Gibbon para se tornar um parceiro estratégico dos profissionais de saúde tem dado certo – 220 mil médicos (40% da classe médica nacional) consomem algum tipo de serviço da Afya.
A empresa detém 10% de toda a graduação médica brasileira e possui parceria com mais de 400 hospitais, clínicas e prefeituras.
PIONEIRISMO EM METODOLOGIAS DIGITAIS DE ENSINO
O conglomerado tem ferramentas que digitalizam várias etapas da rotina dentro e fora do consultório, desde o agendamento da consulta até a entrega do medicamento.
Mas se afastar da educação, a base que fez a empresa prosperar, nunca fez parte dos planos da Afya. Pelo contrário, existe uma interligação cada vez mais expressiva do trinômio saúde, educação e tecnologia.
“Ficou claro que, se a gente quisesse formar melhores médicos para as futuras gerações, todo esse processo de know-how e ferramental de gestão do dia a dia de trabalho tinha que estar embutido no processo de aprendizagem, tanto da graduação quanto da pós”, diz Gibbon, que está à frente da empresa desde 2016 e tem 12 anos de experiência no setor de educação.
A prova de que a continuidade tem rendido frutos é que 80% do total dos estudantes de medicina formados no país em 2020 são clientes da Afya.
Se hoje a metodologia própria de ensino presente nas 21 unidades de graduação da empresa chama a atenção pela inovação e pela incorporação massiva de tecnologias da informação e comunicação (TICs) é porque, desde antes da fusão que deu origem à Afya, a excelência no ensino era uma preocupação.
Em 2016, a NRE visitou dez países que são modelos em processos de aprendizagem para adultos. Ao longo de duas décadas, a NRE e a Medcel formaram mais de 10 mil médicos.
Além disso, parte do legado das empresas-mãe tem a ver com a notória má distribuição geográfica de médicos no Brasil. A NRE Educacional, por exemplo, nasceu por essa carência.
Trabalhando no interior, o casal de médicos e professores da Faculdade de Medicina de Barbacena (MG) Nicolau e Rosangela Esteves muitas vezes se deparava com pacientes que nunca haviam ido a uma consulta antes.
Os dois decidiram empreender para capacitar profissionais de saúde para atuarem nos rincões do país.
Do início dos anos 1990 até a parceria em 2016 com a Bozano Investimentos (da qual o ministro da Economia Paulo Guedes fazia parte), que logo culminou na criação da Afya com a Medcel, o casal abriu nove escolas de medicina nos estados de Minas Gerais, Tocantins, Piauí e Paraná.
“Vimos claramente a mudança na qualidade do atendimento à população: muitos médicos se formavam nas nossas escolas e permaneciam nestas regiões. O nosso sonho tinha se transformado verdadeiramente em realidade”, diz o fundador no comunicado da empresa.
Hoje, a Afya tem aproximadamente 30 mil alunos matriculados nos cursos de graduação e pós-graduação.
CARREIRAS EM TRANSFORMAÇÃO COM TECNOLOGIA
“Nossa missão é resolver a dor do médico, sermos parceiros de uma forma não enviesada”, diz Gibbon.
“Não estamos querendo vender o nosso remédio, não queremos que o nosso leito fique cheio ou induzir alguém a fazer uma cirurgia. Resolvendo a dor do médico, cumprimos a missão da Afya que é criar um mundo melhor, com mais saúde, educação e bem-estar”, ele afirma.
“A gente faz isso juntando mundos muito diferentes. O tradicionalismo do corpo médico, que é uma carreira superantiga, com um lado corporativista muito forte à disruptura tecnológica”, continua o CEO.
“Precisamos dessas mentes brilhantes, pessoas de tecnologia entendendo a dor do médico e tentando resolver a vida dele para conquistar cada vez mais eficiência nos tratamentos”, complementa.
Apesar de ser uma carreira tradicional, alguns arquétipos tendem a ficar no passado, como é o caso do profissional que buscava indicações no guia “BlackBook de Clínica Médica”, um dos mais tradicionais livros do gênero.
Hoje, um de seus substitutos pertence à Afya: o aplicativo Whitebook, um repositório que reúne, entre outras coisas, bulário, classificações de doenças, procedimentos do SUS e modelos de conduta clínica e cirúrgica de 30 especialidades.
A ferramenta teve 50 milhões de consultas no ano passado, já soma mais de 500 mil downloads e há cinco anos está entre os apps mais assinados do Brasil, junto com Tinder, Netflix e Globoplay.
“Imagina quanto erro médico nós evitamos, quantos protocolos de atendimento eficiente oferecemos e a redução de custos de tratamento para o SUS que as consultas ao Whitebook significaram”, pondera Gibbon.
A pandemia foi um importante catalisador das transformações dentro dos consultórios. “Do início de 2020 para cá, a carreira do médico mudou mais do que nos últimos dois mil anos”, afirma Gibbon, exemplificando que até pouco tempo recursos como telemedicina e receituário digital eram vistos com ceticismo e desconfiança.
Para correr na mesma velocidade do mercado, a Afya mais que dobrou no período. Tanto que até a primeira semana de outubro deste ano, 70% dos executivos não se conheciam presencialmente.
MUDANÇA DE PENSAMENTO COMO ÚLTIMA FRONTEIRA
Para além do lucro monetário, ter acesso à quantidade de consultas diárias, ao volume de prescrição, ao tipo de doenças tratadas e a mais uma extensa variedade de informações sobre cada médico que usa serviços da Afya é parte importante da estratégia de impacto social da empresa.
Gibbon destaca a possibilidade de desenvolvimento de políticas públicas a partir dos dados da companhia e a necessidade de mudar a gestão da saúde para trabalhar de forma preventiva.
“Quando se remunera por procedimento, se torce pela doença e não pela saúde. Mudar isso é um shift, não só regulatório, mas ético grande, que reduz muito o custo de tratamento”, afirma.
“Não tem mais a visão de que quanto mais procedimento você fizer, mais você vai remunerar a cadeia de valor. Isso possibilita o acesso a uma saúde muito melhor para a população”, diz o CEO.
“A gente trabalha pelo acesso à eficiência de toda essa cadeia através da digitalização, mas também através da formação do indivíduo como médico.”
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