A morte de recém-nascidos, relatos de dor extrema sem analgesia, episiotomias sem consentimento e intervenções feitas à revelia da gestante. Esses foram alguns dos casos que chocaram o país no domingo (21/4/2025), com a exibição de uma reportagem do Fantástico. A denúncia levanta um alerta: é possível sofrer violência obstétrica até mesmo em partos rotulados como “naturais” ou “humanizados”.
Para Paulo Noronha, ginecologista e obstetra pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), é essencial resgatar o real significado do termo, que vem sendo distorcido nas redes sociais.
“Parto humanizado não é um estilo de parto nem um serviço que se vende. É um movimento por direitos: o direito da mulher de ser protagonista do próprio corpo, de ser respeitada, ouvida, informada e de participar de cada decisão que envolve o nascimento do seu filho”, esclarece Noronha.
A humanização surgiu como resposta à medicalização excessiva do parto, à imposição de condutas que desconsideram a individualidade da gestante e à cultura de intervenções sem embasamento científico.
Ainda hoje, práticas como a episiotomia de rotina, a manobra de Kristeller (empurrar a barriga da mulher), o jejum prolongado e o uso indiscriminado de ocitocina são usadas sob a justificativa de “acelerar o trabalho de parto” – contudo, de acordo com Noronha, ferem princípios básicos da assistência segura e respeitosa.
“A humanização do parto não é contra intervenções, mas contra a falta de critério e consentimento. Se for necessário usar ocitocina ou realizar uma analgesia para garantir o parto vaginal, isso pode ser feito, mas, sempre com base em evidência científica, justificativa clínica e com o consentimento informado da mulher.”
A educação perinatal é, segundo o especialista, uma das formas mais eficazes de se proteger contra abusos. Conhecer os diferentes cenários possíveis do parto, entender os sinais de alerta e saber que o plano de parto é um documento legal, pode ser decisivo para que a gestante tenha uma experiência segura.
Já para a enfermeira obstetra Cinthia Calsinski, é possível identificar profissionais que apenas se apropriam do discurso da humanização sem aplicá-lo na prática.
“Humanização se vê nos detalhes: na escuta ativa, no tempo de consulta, no respeito às suas dúvidas, no compartilhamento das decisões. Quando a mulher sai da consulta se sentindo infantilizada, desconectada ou desinformada, já é um sinal de alerta”, descreve Calsinski.
Ela lembra que a violência obstétrica pode ocorrer em qualquer tipo de parto, inclusive quando é domiciliar. A chave está no respeito e na informação.
Entre os sinais de alerta para a violência obstétrica estão:
Realização de procedimentos sem explicações ou sem consentimento;
E como agir se a mulher estiver sofrendo violência obstétrica durante o parto?
“Frases como ‘isso precisa do consentimento dela’ ou ‘respeite o plano de parto’ podem ser ditas pelo acompanhante ou pela doula. Registrar com fotos ou vídeos também é um direito. Após o parto, o caminho da denúncia pode começar na ouvidoria do hospital e seguir até o Ministério Público, se necessário”, orienta a enfermeira.
As redes sociais também são alvo de crítica dos especialistas. O termo “parto humanizado” tem sido tratado como rótulo comercial, associado a ambientes com iluminação suave e banheiras, enquanto, na prática, falta escuta, respeito e técnica.
“Humanização não é decoração de sala de parto. É garantir que a mulher seja tratada com dignidade, com base em ciência e não em modismos”, reforça Noronha.