A harmonização facial é uma febre. De acordo com estudo publicado pela revista americana Plastic and Reconstructive Surgery, em 2021, foram mais de 47 mil procedimentos do tipo no Brasil.
Diante de tamanho fenômeno comercial, há especialistas em estética facial alertando para graves problemas decorrentes do uso abusivo e indiscriminado de preenchedores de ácido hialurônico. Uma dessas vozes dissonantes é a do dermatologista Luiz Perez.
“Sempre acreditei em uma proposta diferente de trabalhar a estética, avaliando cada rosto, trabalhando com suas particularidades e evitando a padronização facial”, afirma.
Perez é graduado em medicina pela USP, com residência em dermatologia e aperfeiçoamento em cirurgia dermatológica pela Santa Casa de São Paulo e em sexualidade humana pela psiquiatria da USP. Inicialmente, direcionou sua atuação para tratamentos estéticos íntimos e, há oito anos, também se especializou em tratamentos faciais.
Desde 2018, é um dos Global KOL (Key Opinion Leader), ministrando aulas em congressos internacionais de estética, abordando técnicas relacionadas ao uso de toxina botulínica, bioestimulação injetável, preenchimento facial avançado, laser e outras tecnologias.
Há seis anos, Perez fundou o Espaço Mira, clínica especializada em tratamentos faciais e corporais estéticos e tratamentos íntimos, localizada na Vila Madalena, em São Paulo (SP). Em entrevista exclusiva para FUTURE HEALTH, o dermatologista fala sobre a importância de dizer não à harmonização facial e de buscar os profissionais mais qualificados na hora de optar por um tratamento estético.
LUIZ PEREZ: Há muitos fatores, mas que por vezes não são levados em consideração pelos pacientes que buscam tratamentos estéticos. Por exemplo, são poucos os que vão atrás do currículo do profissional para quem estão confiando o próprio rosto, o próprio corpo, para ser cuidado.
Ou seja, um dos principais fatores que diferenciam um tratamento estético facial de qualidade é a formação do profissional. Em seguida vem a escolha dos produtos. Existem produtos de baixa e de alta qualidade, e o paciente precisa ter confiança no profissional em relação a essa escolha.
Um bom indicador de qualidade dos produtos costuma ser o preço do tratamento. Quando o paciente orça tratamentos com preenchedor, bioestimulador, toxina botulínica, que são muito baratos é preciso considerar se o profissional não está usando produtos de qualidade inferior para aumentar a margem de lucro.
A necessidade de uma técnica adequada e de bom senso estético também é fundamental, o que reforça a questão da formação do profissional. Porque mesmo com um produto excelente e uma tecnologia de alta qualidade, se a execução for equivocada, o resultado pode ser desastroso.Quase toda semana recebo pacientes com complicações de preenchimento feitos com produto e técnica inadequados.
LP: O público é majoritariamente feminino, sim. Mas vejo os homens como aderência cada vez maior. Quando inaugurei minha clínica, atendia 90% de mulheres e 10% de homens. Hoje deve estar em torno de 80% de mulheres e 20% de homens. Ou seja, praticamente dobrou nos últimos seis anos.
Estamos vivendo um momento em que as pessoas permanecem por mais tempo no mercado de trabalho e acho que a vontade de se sentir jovem, de se sentir bem com a idade que tem, ter uma boa autoestima numa reunião de trabalho, por exemplo, conta muito. E isso vale para mulheres e homens.
LP: Não existe uma idade indicada para iniciar tratamentos com toxina botulínica e preenchedores. Um profissional com bom senso vai saber o momento certo. Hoje, a gente observa alguns resultados desastrosos de mulheres com menos de 30 anos que já estão com o rosto tão mexido que acaba até envelhecendo a aparência.
LP: O uso de ácido hialurônico para preenchimento facial já tem décadas.
O termo “harmonização facial” é uma jogada de marketing para promover um uso excessivo de ácido hialurônico para reestruturar o rosto.
Então, se antigamente preenchíamos lábios, olheiras e algumas regiões da face com moderação, caminhamos para uma tendência de preencher o rosto inteiro, em camadas superficiais, intermediárias e profundas. No curto prazo, se você olhar para uma foto de “antes e depois”, pode até parecer interessante, mas no longo prazo, é perigoso.
Estamos vivendo uma epidemia de harmonização facial e, apesar de fazer preenchimentos diariamente no consultório, sou contrário a esse movimento.
No longo prazo, devemos usar usar o ácido hialurônico como refinamento e não como base do nosso trabalho. Então, se a pessoa vai até um profissional que sugere colocar dez seringas de ácido hialurônico e chamar isso de tratamento, não acho que seja um caminho legal.
É muito mais interessante usar um pouquinho de ácido hialurônico, com critério, para dar um refinamento em determinadas áreas, e basear o tratamento em estimulação de colágeno, em tecnologias como ultrassom microfocado.
No longo prazo, um bom profissional vai pensar em como preservar a autenticidade do paciente. Esta é a melhor forma de se manter com aspecto bonito e saudável ao longo dos anos.
Primeiramente, há uma leva de profissionais mal treinados, com currículos questionáveis e que aprenderam a utilizar somente o preenchimento facial como recurso para cuidar de um rosto. Como disse anteriormente, o preenchimento não estimula o colágeno, não é algo a ser pensado no longo prazo, como base de um tratamento.
Outro equívoco é pensar que uma foto de “antes e depois” vai ser o resultado de um rosto no longo prazo. Há alguns anos, era possível estimar que teríamos problemas futuros por causa do uso abusivo, e em áreas inadequadas, do preenchimento facial. Hoje, infelizmente, esse prognóstico está se concretizando e já é até reconhecido na literatura como “síndrome pillow face” (rosto de travesseiro, em inglês), ou seja, um “rosto de de travesseiro”, todo inchado às custas de corrigir problemas que o ácido hialurônico pode gerar injetando mais ácido hialurônico em outros pontos.
Essa conduta é muito imprópria e, veja, de maneira alguma quero demonizar o ácido hialurônico. Afinal de contas, é um tratamento que faço todos os dias, mas com refinamento, associado a outras terapias e sem prometer um resultado imediato como resultado final.
LP: A principal consequência negativa é a mudança do rosto de uma maneira desagradável. Estudos mostram que ácido hialurônico em grandes quantidades injetado nos coxins de gordura da face vão estimular a produção de mais gordura. Isso pode ser interessante para alguns pacientes, mas aqueles que já têm um volume no rosto, perdem contorno e vão acabar com um rosto pesado e sem definição.
Além dessas consequências, há o resultado desastroso da padronização de rostos. Criou-se uma ideia do que é belo e, a partir dela, se aplica o mesmo para todos os rostos. Isso faz com que as pessoas percam sua autenticidade.
É importante ressaltar que preservar a autenticidade não é voltar dez anos no tempo. Não é parecer mais jovem. E, com certeza, não é parecer outra pessoa.
LP: A medicina regenerativa é muito importante. Focar em prevenção é algo valioso não somente para a medicina estética, mas para todas as outras áreas médicas. Ao mesmo tempo, há um grande estímulo da indústria para o desenvolvimento de novas tecnologias para gerar estímulo de colágeno e retração da pele. Se conseguirmos estimular a produção de colágeno e elastina, evitamos tratamentos que gerem ganho de volume no rosto.