Há 15 anos, quando nasceu, a Semantix era uma consultoria tradicional dentro do universo de big data, analytics, inteligência artificial (IA), voltada à venda e implementação de soluções de terceiros.
À época, pouca gente se aventurava a falar sobre isso. E muito menos gente entendia de que se tratava.
O jogo mudou a partir de 2018, quando os fundadores e o time da Semantix perceberam que estavam tocando projetos caros, complexos e com vários fornecedores ao longo da cadeia.
Jorge Carvalho, 44, Head of Health da Semantix, relembra:
“Existia uma oportunidade de criarmos nosso próprio produto de big data end-to-end, low code, com mais flexibilidade, portabilidade, livre de lock-ins [travas que impedem a troca do fornecedor] e mais barato, porque seria uma solução nacional.”
Para fazer isso havia dois caminhos básicos: começar a desenvolver uma plataforma dentro de casa e fazer aquisições estratégicas para acelerar a jornada. E assim foi feito: em fevereiro de 2021, a empresa comprou a LinkApi, rebatizada de SDP Data Integration.
Hoje, a Semantix tem o SDP Data Plataform, plataforma proprietária para construção de projetos de big data. É um sistema modular, modelo SaaS, que tem por objetivo prover de ponta a ponta, desde a ingestão, integração, engenharia, ciência (construção de algoritmos), visualização e monetização de dados de vários segmentos da indústria. Inclusive, o setor de saúde.
Como uma empresa de deep tech (a tecnologia que fica abaixo da linha de visão dos consumidores e usuários e não provê soluções com interface com o consumidor final e/ou paciente), a Semantix aparece pouco, porém em sua carteira há 700 clientes de variados segmentos, em 20 países.
Em agosto de 2022, a empresa fez seu IPO na Nasdaq – a primeira deep tech latino-americana listada ali –, em um valuation de aproximadamente US$ 1 bilhão.
O movimento capitalizou a empresa para continuar sua expansão orgânica e inorgânica.
O setor de saúde já fazia parte do plano estratégico da Semantix e a chegada de Jorge à companhia elevou a barra da vertical na empresa. Além disso, o atendimento a alguns dos maiores atores do mercado – grupos hospitalares, farmacêuticas e operadoras de saúde e de odontologia – teve outro impulso com a joint venture com o Grupo Hospital Care, materializada na Tradimus (2021), e com a aquisição da healthtech Zetta Health Analytics, logo na sequência do IPO.
A plataforma de big data SDP Health ajuda hospitais, clínicas e laboratórios a se tornarem mais lucrativos com processos operacionais, financeiros e de gestão de saúde populacional mais eficientes. As ferramentas disponibilizadas incluem APIs prontos para o setor de saúde, dashboards analíticos, algoritmos, data sets (conjunto de dados) curados, entre outros.
Em um bate-papo descontraído com FUTURE HEALTH, Jorge Carvalho fala sobre o uso de big data no mercado de saúde e apresenta alguns dos melhores cases de clientes atendidos pela Semantix. Leia a seguir e entenda como sair da prescrição em papel e caneta para um algoritmo de inteligência artificial:
JORGE CARVALHO: Vou dar um passo atrás e explicar o conceito das verticais. O objetivo delas é nos aproximar da indústria, nos permitir entender as dores – do ponto de vista de dados, de integração, plataforma de dados – e construir produtos ou soluções que possam endereçar essas dores.
Esses produtos e soluções podem ser customizados para o cliente que quer algo específico – o case de Hospital Care é um bom exemplo disso, porque eles tinham uma necessidade pontual e queriam uma solução customizada.
Mas também ofereemos soluções prontas. A Zetta aporta muito desse conhecimento pronto. Por exemplo, alguém quer um analytics para plano de saúde – está aqui, eu tenho já todos os algoritmos, indicadores e dashboards prontos e, em poucos dias, o cliente vai ter esse analytics para começar a tomar decisão.
Hoje, temos por volta de 60 pessoas na vertical de saúde. Quando falamos de SDP para saúde e produtos que queremos colocar no mercado, temos um roadmap para a saúde de curto, médio e longo prazo.
FH: A Zetta veio com a expertise em IA e analytics. A Semantix já tinha alguma coisa de IA? O que a Zetta agregou quando foi adquirida?
JC: Sim, a Semantix já tinha diversos projetos de inteligência artificial, big data e analytics para clientes de saúde. Já fizemos projetos relevantes para operadoras de odontologia e de saúde.
O Grupo Hospital Care é um dos cases mais abrangentes pelo tamanho do grupo – são 35 ativos e mais de 200 milhões de linhas de dados, todos os dias. Elaboramos todo o processo de big data, de construção de dashboards e de algoritmos.
Quando se fala de inteligência artificial, existe toda uma maturidade da empresa em relação aos dados para viabilizar a construção de modelos de IA. Gostamos de falar isso, porque 100% das empresas que eu visito dizem querer fazer um algoritmo de IA e não têm a menor ideia de como começar.
Então, temos que explicar que há níveis de maturidade: o nível zero é a não digitalização; o nível um é ser capaz de trazer esses dados para dentro de uma plataforma única; o nível dois é engenharia de dados; e o três é ciência de dados. Tem uma escadinha.
Na Hospital Care, temos um algoritmo que faz previsão de tempo médio de permanência em pronto-socorro, em todos os hospitais da rede. As primeiras duas camadas que abordamos nesse projeto foram eficiência financeira e eficiência operacional. Agora começa a eficiência assistencial, quando entramos de fato no mundo de medicina, de indicadores assistenciais.
Para isso, a Zetta aporta um time especialista em saúde. Eles trouxeram epidemiologistas, médicos, cientistas e engenheiros de dados que trabalham já há muitos anos no mercado de saúde. É um time que entende esses conjuntos de dados e como fazer esse tipo de amarração.
A outra coisa que eles aportam são produtos prontos. Por exemplo, eles trouxeram um produto de Command Center hospitalar assistencial, que incluiremos no projeto da Hospital Care, já com diversos algoritmos prontos – detecção de risco de sepse etc.
Outro exemplo, para carteira de planos de saúde: temos cinco modelos para a previsibilidade de uma pessoa entrar numa linha de cuidado de especialidade – baseados em exames realizados e indicadores colhidos ao longo do tempo.
Passamos a ter algoritmos prontos, mas isso não quer dizer que não possamos criar outros do zero; temos os dois modelos.
Há empresas como a Hospital Care que quer uma página em branco: um projeto de dados em que ela aporta o conhecimento junto conosco. E temos produtos prontos para um hospital que deseje um Command Center assistencial com indicadores validados e algoritmos prontos que já leem as bases de dados dos hospitais.
JC: Do ponto de vista de digitalização, o setor de saúde está alguns passos atrás de outros segmentos como varejo e mercado financeiro. Mas todos os grandes grupos de saúde têm, hoje, projetos robustos de transformação digital, e esse processo passa por digitalizar processos.
O primeiro passo é sempre saber quais são os dados disponíveis. Quando sentimos que o nível de maturidade da empresa não é alto, fazemos um assessment de dados. O que é isso?
É entender quais são os sistemas usados; quais são os dados e como eles estão organizados; como é o nível de maturidade das pessoas, dos times em relação a dados. Não adianta eu fornecer um monte de indicador ou dados para as pessoas tomarem decisão se elas não estão preparadas para isso.
Em alguns clientes, por exemplo, fazemos o assessment de dados e descobrimos sistemas que muitos colaboradores nem sabem que existem. Nós puxamos esses dados, higienizamos, colocamos engenharia e os organizamos para que sejam utilizados da melhor forma.
Isso não é tão claro para as empresas. Muitas delas acham que o sistema implantado é que vai gerar os dados. É como aquela analogia do petróleo… Enquanto é só petróleo, vale muito pouco. É preciso refiná-lo para ele ter múltiplos usos e mais valor.
Tem muita empresa de saúde com grande volume de dados, mas são dados desorganizados, muito dado histórico que não está pronto para uso.
Grande parte dos grupos de saúde está numa fase em que já se criou um data lake: os dados estão organizados mas fica a pergunta: “Agora, o que eu faço com isso? Como crio valor?”
Um bom exemplo disso é nosso projeto com Hospital Care, que queria prever como seria o volume de pessoas no pronto-socorro. Então, será que o dado de temperatura do dia é importante? Vamos lidar com esse dado para ver se muda alguma coisa? Talvez, em dias mais frios, a tendência seja que o pronto-socorro receba mais gente.
Este é apenas um data set. Imagine pegar vários outros conjuntos de dados, colocar ali e enriquecer essa informação? Cria-se um algoritmo mais parrudo do ponto de vista de inteligência, de previsão, de olhar para frente. Mas não dá para olhar para frente se você não entende onde está. Esse é o grande ponto.
JC: É de uma certa forma, uma provocação. Dizemos que estamos dispostos a nos integrar com qualquer sistema, a ser a plataforma que vai trabalhar nos moldes que o Ministério da Saúde colocou para a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS).
Já trabalhamos no protocolo FHIR (Fast Healthcare Interoperability Resources), que está sendo usado para interoperabilidade, porque queremos participar dessa nova onda – a grande transferência de dados para melhoria de processos operacionais e de cuidados entre os atores da saúde. É por isso que usamos este selo.
No meu entendimento, o estabelecimento do Open Health, que tanto se procura no setor de saúde, só é possível se o usuário conseguir ter uma jornada de cuidado mais integrada por meio de dados. Para isso, é preciso ter esses dados “livres” – dentro de todas as regras de segurança e sigilo – para serem usados pelas instituições de saúde.
Esse é o caminho para ter um cuidado e uma experiência mais fluidos, mais digitais, com plataformas que se integram entre si e inclusive com o sistema público.