Em setembro, o Instituto Horas da Vida, cujo trabalho é conectar pessoas em situação de vulnerabilidade social que necessitam de atendimento médico – e não têm condições de pagar pelo serviço – a uma rede de profissionais de saúde voluntários, completou nove anos.
Neste período, 1.452.000 cidadãos foram impactados direta ou indiretamente pela entidade, que atua com foco na atenção primária (baixa complexidade) em 30 especialidades médicas.
A iniciativa se propõe a contribuir com a redução nas filas do Sistema Único de Saúde (SUS) e também promove doação de equipamentos de proteção individual (EPIs), medicamentos e cestas básicas.
Toda a atuação do Horas da Vida é feita em parceria com organizações da sociedade civil (OSC). O fundador e CEO do instituto, Rubem Ariano, explica:
“O processo funciona assim: as OSC fazem uma triagem dos beneficiários que precisam de atendimento e os encaminham para nós. Aqui, os direcionamos para os profissionais de saúde.”
Atualmente, a rede de parceiros é composta por 11 OSC fixas e cerca de 2,5 mil especialistas em saúde, além de laboratórios. Em conversa com FUTURE HEALTH, Ariano dá mais detalhes sobre a fundação e o funcionamento do instituto, conta como foi o trabalho durante a pandemia e adianta os planos para os próximos cinco anos.
RUBEM ARIANO: Costumo dizer que não sou do mercado financeiro, mas estive no mercado financeiro. Quando me mudei de Lins, no interior de São Paulo, para a capital paulista a fim de fazer faculdade, arrumei emprego na Hedging-Griffo, uma corretora de valores que depois virou uma importante gestora de valores. Fiquei lá por 18 anos.
Quando resolvi sair, em 2010, estava com uma sensação muito legal de dever cumprido, de final de ciclo. Naquela época, decidi que queria fazer algo na economia real e com impacto social. Mas não sabia muito bem o que faria. Aí, passei um tempo refletindo sobre meus 18 anos anteriores e, depois, mais um tempo, estudando e pensando no que faria nos próximos 18.
Pessoalmente, mesmo enquanto estava no mercado financeiro, sempre gostei de teses de investimento nas áreas de saúde, educação e tecnologia. Por isso, foquei nelas, e queria que elas conversassem com essa minha vontade de aliar economia real com impacto social.
Assim, em março de 2012, me associei a um médico que tinha uma plataforma de agendamento de consultas. Percebemos que os médicos tinham horários vagos em suas agendas e pensamos: ‘Será que essa turma não aceita doar um pouco desse tempo para ajudar quem precisa?’
Trabalhamos nisso e, em setembro de 2013, fundamos o Instituto Horas da Vida, justamente um hub de conexão entre pessoas em situação de vulnerabilidade social que necessitam de atendimento médico e não têm condições de pagar e uma rede de profissionais de saúde voluntários que atendem gratuitamente.
Quando começamos, sem querer fomos visionários e criamos um marketplace, algo que se tornou comum atualmente. Brinco que somos a Amazon da saúde gratuita. Adotamos esse modelo, esse desenho, aliado à tecnologia, porque queríamos dar escala para o nosso atendimento.
RA: Inicialmente, quebramos a cabeça pensando para quem direcionar o tempo dos profissionais de saúde parceiros. Com a ajuda do nosso padrinho de fundação, o Gilberto Dimenstein (escritor e jornalista), entendemos que o ideal seria destinar para pessoas assistidas por outras organizações da sociedade civil.
O processo funciona da seguinte maneira: as instituições fazem uma triagem dos seus beneficiários que precisam de atendimento e os encaminham para o Horas da Vida. Aqui, os direcionamos para os profissionais de saúde.
Um ponto que é importante enfatizar é que não atendemos urgência e emergência. Nosso foco é na atenção primária, com o objetivo de contribuir para a diminuição das filas no SUS. Além disso, na cidade de São Paulo, os atendimentos são presenciais e, nas demais localidades, por telemedicina.
RA: Atualmente, temos 11 OSC fixas. Em 2020, contudo, chegamos a trabalhar com 40 OSC, espalhadas pelo Brasil todo. Quanto aos profissionais voluntários, são cerca de 2,5 mil de 30 especialidades, além de laboratórios parceiros.
RA: As que têm mais prevalência são clínica médica, oftalmologia, ginecologia e ortopedia. Durante a pandemia, também aumentou a procura por psicólogos e psiquiatras.
RA: Nestes nove anos de Instituto Horas da Vida, impactamos direta e indiretamente quase 1,5 milhão de pessoas. Até o início da pandemia, vínhamos com mais ou menos 500 mil atendidos, mas, nestes dois últimos anos, somamos algo próximo de 1 milhão.
Esse é um resultado que me deixa muito feliz. Enquanto muitas organizações sociais fecharam, nós crescemos. E é gratificante saber que conseguimos ajudar em um momento tão difícil e importante.
Durante a pandemia, também expandimos a nossa atuação: doamos EPIs e cestas básicas; passamos a atender por telemedicina (após a autorização da modalidade pelos órgãos competentes), e demos apoio para diversos lares de longa permanência de idosos (ILPIs).
RA: Lá atrás, quando começamos, o combinado com o meu sócio à época foi que tivéssemos auditoria externa independente e fontes de receita. Somos uma organização social sem fins econômicos, mas podemos e devemos ter receita e, se possível, lucro para reinvestirmos no negócio e termos segurança no período seguinte e, também, para promovermos a expansão da operação.
Conseguimos isso de duas formas. A primeira é por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas – hoje, temos apoiadores grandes e pequenos espalhados pelo Brasil. A segunda é por meio de projetos que desenvolvemos para empresas.
RA: Grandes empresas nos contratam para assistirmos um grupo de pessoas que elas querem ajudar, como funcionários, familiares dos funcionários ou comunidades onde estão inseridas. Para realizarmos esse trabalho, recebemos uma taxa de administração, que é usada para sustentar a organização.
Vale apontar que cada projeto é único. Temos os esqueletos, claro, mas cada um é customizado junto com o parceiro. Por exemplo, podemos realizar mutirões ou carreatas de atendimento em uma determinada localidade ou oferecer um serviço de saúde mental por telefone.
Com eles, todo mundo ganha. Ganha a pessoa que será assistida, ganha a empresa, pois terá mídia espontânea e mais visibilidade, e ganha o Horas da Vida, que receberá uma taxa para manter a sua sustentabilidade.
RA: Com o passar dos anos, nos especializamos no ciclo do cuidado, que é como chamamos a jornada do paciente. O que fizemos foi criar uma metodologia que acompanha a pessoa desde antes do agendamento da consulta, ou seja, na triagem e na pré-consulta, passando pelo pós-consulta e pós-exames, até o fechamento para saber se ela está melhor e se o tratamento deu certo.
Como comentei, só cuidamos da atenção primária. Mas, caso o nosso assistido eventualmente tenha que receber um atendimento intra-hospitalar, mais complexo, também tentamos ajudar, buscando identificar a instituição de saúde pública que fica mais próxima dele e que tenha a especialidade que ele necessita.
RA: Temos um plano de negócios bem desenhado para os próximos cinco anos, e ele é baseado em cinco verticais. A primeira delas é expandir o atendimento, inclusive com o uso da tecnologia, para atingir cada vez mais pessoas. A segunda é ampliar os nossos projetos de educação, que é a sementinha para a prevenção de doença e a promoção da saúde.
A terceira é investir na parte assistencial, ou seja, na doação de EPIs, medicamentos, cesta básica etc. A quarta é fazer mais trabalhos junto às secretarias de saúde, já que temos sido muito procurados por várias administrações públicas para ajudarmos a desafogar as filas do SUS.
Por fim, é acelerar os projetos feitos em parcerias com as empresas. Estamos com uma equipe dedicada, de mobilização de recursos, e, também, os nossos conselheiros estão ajudando na conexão com essas companhias para que elas contratem o Horas da Vida a fim de executar um bom pedaço dos trabalhos que elas fazem em responsabilidade social.