Em 2022, o Relatório Mundial da Felicidade, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), chegou à sua décima edição. Apesar de ser um compilado pós-pandêmico, deve-se dizer que pouca coisa mudou, sobretudo nos países que ocupam as primeiras posições – e assim se mantiveram. A Finlândia, por exemplo, segue líder pelo quinto ano consecutivo.
O Brasil ocupa a 38ª posição no ranking mundial da felicidade – entre os países da América Latina, quem lidera é o Uruguai, no 30º lugar.
O ranking é baseado em dados de pesquisas globais, em que pessoas avaliam suas próprias vidas em mais de 150 países. Os dados são da Gallup e as perguntas estimulam as pessoas a visualizar sua vida como uma escada, com o 10º degrau sendo uma vida mais realizada e o degrau mais baixo um mundo fictício em que tudo é horrível.
Em média, entre 2 mil e 3 mil pessoas são ouvidas por país. O objetivo de metrificar a felicidade é evidenciar as políticas públicas implementadas nos melhores colocados e acender um alerta vermelho para os piores.
Diante desse contexto, conversamos com Gustavo Arns, idealizador do Congresso Internacional de Felicidade, evento realizado desde 2016 aqui no Brasil e que traz luz sobre o tema. No bate-papo, conversamos sobre a visão científica a respeito da felicidade e sobre alguns passos importantes para quem busca ser mais feliz:
GUSTAVO ARNS: O tema do autoconhecimento sempre esteve presente na minha vida, na história da minha família. É claro que quando jovem, eu não entendia isso, eu só era curioso por terapias integrativas, alguns estudos de espiritualidade e religiões.
Venho de uma família católica, ligada a serviços sociais. Fiz parte desse universo e fui percebendo que, quando eu não estava envolvido com algo, sentia falta.
Essa busca por mim mesmo foi me levando para diferentes religiões, práticas, estudos de filosofia. E aí em 2013 eu estava em um evento e tive a oportunidade de conhecer o professor Tal Ben-Shahar, de Harvard. Ele palestrava sobre a ciência da felicidade. Nunca tinha ouvido falar sobre o assunto, e fiquei encantado.
GA: Não acredito em coincidências. Veja, fui parar dentro de um auditório e nem ingresso eu tinha. Gosto de dizer que conheci a psicologia positiva pela porta da frente mesmo, saí de lá muito impactado por tudo que ouvi. Foi como se várias peças de um quebra-cabeça ganhassem uma cola.
Isso aconteceu em 2013, e os estudos sobre felicidade ainda eram incipientes aqui no Brasil. Fui atrás de livros e vídeos no YouTube, fiz o que pude para buscar conhecimento e comecei a colocá-lo em prática e percebendo os benefícios reais que aquilo trazia para minha carreira e relacionamentos.
E ao mesmo tempo que isso acontecia comigo, eu via amigos e familiares num ritmo de adoecimento. Em 2015 eu comecei a me perguntar “como um tema tão importante como a felicidade pode ganhar mais relevância no Brasil?”
Eu via o tema crescendo lá fora, mas aqui não. Isso me motivou a fazer esse evento que é o Congresso da Felicidade, unindo linhas diferentes como ciência, arte, filosofia, tudo em um só lugar.
GA: O ranking de felicidade da ONU é tem vários critérios objetivos, com indicadores como PIB, índice de corrupção nas nações, liberdade econômica, etc. Tem subjetividade também, claro, porque são respostas pessoais. Mesmo assim, vejo a lista como algo bem objetivo.
Particularmente, gosto da definição do professor Tal Ben-Shahar, que é o conceito das camadas de bem-estar físico, emocional, intelectual, relacional e espiritual. A combinação destes cinco elementos é o que, para ele, forma o conceito de felicidade.
É subjetivo? Sim, porque segue sendo uma avaliação individual, com a pessoa medindo cada um desses pontos e a gente sempre corre o risco de autoengano.
Agora, o bem-estar físico, por exemplo, é plenamente mensurável. É possível utilizar diversas fontes primárias de dados como exame de sangue, conversa com médico, com familiares, com chefe, com colaboradores, com amigos. Hoje é possível metrificar até dados de origem subjetiva, checando as informações que a pessoa declara.
GA: Acho que existe um aspecto importante nos caminhos, porque são muitos. O que a gente tem hoje é realmente uma ciência tratando o tema e isso desmistifica muitas coisas.
Mas a ciência não é o único caminho possível. Eu posso escolher a espiritualidade, a religião, as artes ou até a filosofia. Agora, todas essas linhas têm como pré-requisito adquirir conhecimento e aplicar na prática, transformando em autoconhecimento, mesmo a ciência. Elas te obrigam a olhar para si mesmo.
Então o principal caminho é realmente o autoconhecimento. Exercício físico, por exemplo, é fundamental, mas qual será esse exercício, em que intensidade, a que horas do dia? Isso sempre será algo subjetivo e pessoal.
GA: Acho importante observarmos nosso adoecimento como sociedade.
Os índices de depressão estão altos. Os alertas da Organização Mundial da Saúde (OMS) vêm desde 2014 dizendo que em 2020 essa seria a principal causa de adoecimento do mundo e realmente, a pandemia veio e agravou o quadro.
Aqui no Brasil, há diversas pesquisas que nos colocam como um dos países mais ansiosos e estressados do mundo.
Nosso estilo de vida criou uma nova doença que é a Síndrome de Burnout, que agora já entrou no CID-11. Note que é uma doença que não existia antes. Nosso estilo de vida criou um mal que chega a matar as pessoas de fadiga mental.
Ainda sobre a depressão, o suicídio, que é uma possível decorrência dela, vem atingindo idades cada vez mais baixas. A OMS declara que a depressão já atingiu níveis pandêmicos.
É interessante pensar que uma pandemia viral a gente pega no ar, mas e a depressão, como se tornou tão generalizada?
Precisamos encontrar respostas, tanto individuais como coletivas. Precisamos criar políticas públicas eficazes e também ressignificar nosso estilo de vida, procurar lugares de satisfação mesmo.
O trabalho, por exemplo, não precisa ser fonte de doença. Ele pode ser um lugar em que colocamos nosso talento e potencial a serviço de um mundo melhor.
GA: Na história do que chamamos de ciência da felicidade. Relacionar psicologia com felicidade não é novo, esse chamado foi feito há anos para todos os psicólogos, porque percebeu-se que a psicologia não investigava o lado positivo da vida humana.
Foi aí que nasceu a chamada psicologia positiva, que dedica seus estudos à felicidade – e também à gratidão, ao perdão etc. Esse campo, no início, foi batizado, inclusive, de psicologia da felicidade.
Posteriormente, a neurociência, com o avanço da tecnologia, mapeou muito do que acontece em nosso cérebro e como percebemos o que acontece e nos manifestamos por meio de nossas emoções.
A psicologia positiva continua existindo e sendo um ramo dentro da psicologia, mas hoje o que mudou foi a compreensão do que é a ciência da felicidade como um todo, que inclui esses três pilares principais: a própria psicologia positiva, a neurociência e a ciência das emoções.
GA: O evento traz palestrantes do Brasil e do mundo todo para expor seus pontos de vista sobre o tema a partir de quatro aspectos: ciência, filosofia, arte e espiritualidade – e, dentro dessas linhas, tratar sobre aspectos individuais e coletivos. Isso vai desde o conceito de empresas sociais, que é algo que a gente debateu na edição passada, até questões mais básicas como nutrição, por exemplo.
Vamos ter ainda três lideranças indígenas femininas para trazerem uma cosmovisão da nossa ancestralidade brasileira. Abordamos a felicidade cientificamente, mas qual é o jeito dos povos originários serem felizes?
O que nós temos aqui da nossa terra mesmo, da nossa origem? Até para podermos ir fazendo as pazes com nosso passado e trazer voz para algo que está acontecendo em nosso país em relação a desmatamento, demarcações e outras injustiças.
Também trouxemos a cosmovisão africana a partir da Noemi Gomes. Teremos também o Preto Zezé, presidente da CUFA, que irá propor este olhar para dentro da nossa sociedade e alguns aspectos empresariais na questão da segurança psicológica.
Outro convidado especial será o ex-ministro da educação do Butão, que vai falar sobre políticas públicas de felicidade.
GA: A primeira coisa é parar de procurar. Hoje em dia sabemos que essa busca desenfreada gera ansiedade e infelicidade.
Precisamos trocar a palavra busca por construção (da felicidade). Então, em vez de se perguntar o que fazer para buscar a felicidade, talvez seja mais indicado questionar como posso construir mais felicidade na minha rotina.
Essa postura me tira do papel de uma pessoa que está procurando algo fora, quando, na verdade, tenho que olhar para dentro.
Por exemplo: o que eu posso fazer pela minha saúde física, minha alimentação, meu horário de sono? O que eu posso fazer para que meus relacionamentos fiquem mais saudáveis? Quais são os aspectos da minha espiritualidade a que preciso dar mais atenção? Como posso cuidar melhor da minha saúde mental? O que me impacta negativamente? Será que eu posso reduzir o tempo de redes sociais e noticiários, será que posso me dedicar a um hobby ou a atividades de descompressão mental?
Talvez a resposta seja simplesmente um encontro com mais sentido e significado naquilo que já fazemos. Portanto, não há dica milagrosa, é um caminho construído que a pessoa precisa seguir e que vai envolver autoconhecimento e ações. As pessoas buscam por uma pílula milagrosa, mas a verdade é que a felicidade dá trabalho mesmo.