Até pouco tempo atrás, “médico” e “empreendedor” eram palavras que raramente andavam juntas. Atualmente, porém, é cada vez mais comum ver profissionais da medicina criando negócios, investindo e inovando na saúde.
Um exemplo disso é Rafael Kenji, CEO da FHE Ventures. Dedicado a desenvolver soluções em saúde e atrair investidores para inovações efetivas, Kenji descobriu que seu caminho era ajudar o máximo de pessoas possíveis desde cedo, ainda na faculdade, e que talvez ele tivesse que ultrapassar as paredes dos hospitais para isso.
Aos 26 anos, em 2021, ele se tornou o mais jovem médico no segmento de ventures no Brasil. A seguir, ele conta sobre sua caminhada médico-empresarial.
RAFAEL KENJI: A medicina encanta com o discurso romantizado de que ser médico é salvar vidas. Mas desde antes de entrar na faculdade, comecei a ver que todas as profissões salvam vidas de uma forma ou de outra.
O professor, por exemplo, salva vidas porque ensina todos os outros profissionais na infância. Engenheiros, advogados, todos salvam vidas à sua maneira.
Sobre a medicina, especificamente, comecei a entender que ela é capaz de aliviar o sofrimento das pessoas, seja ele físico, mental e às vezes até espiritual. E isso me encantou. Foi também um dos motivos que me fizeram ir para a gestão e trabalhar com empreendedorismo.
Percebi que para aliviar o sofrimento de muitas pessoas eu teria que sair do atendimento médico, onde se atende uma pessoa por vez, e escalar para algo maior.
E ao contrário do que a maioria das pessoas supõem, serei um médico para sempre, mesmo sendo empreendedor. Somente escolhi uma área diferente, mas tão importante quanto outras. Eu faço gestão de saúde, lido com empreendedorismo através do desenvolvimento de startups e até de lideranças, além de trabalhar com inovação e criação de novos negócios em saúde.
RK: Minha carreira foi se encaminhando por etapas: primeiro caminhei pela gestão, em seguida pelo empreendedorismo e, mais recentemente, pela inovação.
Quando estava na faculdade, meu melhor amigo descobriu um câncer que achamos que seria muito grave. Buscando mais conforto para ele e sem saber quanto tempo de vida ele teria, viajamos junto com uma amiga para participar do Congresso Internacional de Câncer no AC Camargo, em São Paulo.
Nós três queríamos aliviar o sofrimento de forma diferente, mas descobrimos que esse propósito estava se perdendo ao longo do tempo. Já não sabíamos mais responder porque queríamos ser médicos.
E começamos a refletir sobre isso. Fiz essa pergunta para eles: “qual é o seu porquê?” E nenhum de nós conseguimos ter uma resposta clara. Nossa carreira ainda estava indefinida e já estávamos nos últimos anos de faculdade.
Procuramos, então, o movimento Empresa Júnior, pois não tínhamos notícia de empresas júnior de medicina no mundo. Fundamos, então, a Medic Júnior Consultoria em Saúde em 2017. Fui o primeiro presidente, e hoje sou orientador da empresa júnior. Foi lá que entendi o que é empreender e ser um líder.
Na faculdade da medicina, aprendemos o oposto: como não ser líder. É muita pressão, equipes desunidas, problemas hierárquicos e desigualdade entre os profissionais de saúde. Foi assim que passei do exercício da medicina para a gestão em saúde.
RK: Antes até de me formar, acabei passando um tempo nos EUA, e fui convidado para assumir o cargo de diretor de desenvolvimento da Junior Enterprise USA. Nesse meio tempo, fui aprovado para fazer estágio em algumas empresas.
Por meio desses estágios, pude ver como funcionava a gestão de hospitais como o Brigham and Women’s Hospital, da faculdade de medicina de Harvard. Quando voltei ao Brasil, há dois meses de concluir a graduação, já tinha decidido que nem prestaria residência.
Logo em seguida à minha formatura, uma das empresas em que estagiei nos EUA me convidou para ser diretor comercial. Era a Jaleko, plataforma de ensino em medicina. Lá, fui responsável por um crescimento expressivo das vendas.
Em seguida, um dos fundadores do Jaleko criou a Conexa, uma das maiores empresas de telemedicina da América Latina, e me chamou para ser um dos primeiros médicos dessa novidade que ainda estava começando a ganhar escala no Brasil.
Quando veio a pandemia, surgiu a necessidade de contratar um gestor médico para a operação e eu fui um dos primeiros, unindo meu conhecimento técnico como médico e minha experiência com gestão.
Tivemos um resultado exponencial e, em abril de 2021, a FCJ Venture Builder me procurou no LinkedIn, pois precisavam de um CEO que fosse médico.
RK: É uma sociedade em que investidores, que chamamos de anjos, colocam dinheiro na estrutura das startups e não na startup diretamente. Eles se tornam sócios estratégicos dessas startups, fazendo o que chamamos, no jargão,de “buildagem”: estruturar a empresa, coordenar a startup e fazer apoio estratégico para que ela cresça e se desenvolva.
Em uma venture builder, ficamos dentro da estrutura da startup temporariamente até ela ser madura o suficiente para pedir um aporte financeiro e caminhar com as próprias pernas.
RK: Acredito que a principal razão para a minha contratação por uma venture builder é o fato de estarmos desenvolvendo startups de saúde. Minha figura, como médico, facilita a interlocução entre os investidores anjos, que não são médicos, com os médicos que fazem o negócio acontecer.
Mas o maior diferencial talvez seja a capacidade de avaliar o valor de uma startup de saúde de forma técnica, como médico, e de enxergar, ao mesmo tempo, o potencial de business.
Um grande problema que enfrentamos ocorre quando startups nos procuram e não têm nenhum profissional de saúde lá dentro, que conheça o real problema, a dor do usuário. Em geral, descartamos esses projetos.
RK: Quem aprova as startups são os próprios investidores anjos. Uma das etapas é o investor day, onde todos os conselheiros e investidores anjos fazem uma sabatina com a startup. Elas se apresentam em alguns minutos, respondem perguntas e são avaliadas em alguns critérios.
E quais são esses critérios? O primeiro é inovação: a startup precisa ser inovadora e resolver uma dor latente do mercado. Ela também precisa ter um propósito claro, entender o que ela faz, porquê e, depois, como. A equipe tem que ser experiente a empresa precisa estar rodando seu produto/serviço com pelo menos dois clientes de médio ou grande porte.
RK: Nós temos uma atuação macro em educação e saúde, mas também temos 11 microcategorias dentro desses pilares: Educação em saúde; Estilo de vida; AI e Big Data; Biotecnologia; Gestão e prontuário eletrônico; Medical devices; Relacionamento com pacientes; Acessibilidade; Marketplace e oferta de serviços de saúde; Telessaúde; Wearables e IOT.
Criamos essas 11 categorias para as startups se comunicarem entre si e se conectarem. Eu consigo vender três startups para um cliente e que elas se apoiem e não se tornem concorrentes. Não queremos gerar concorrência. A ideia para 2022, inclusive, é nos posicionarmos como o maior ecossistema de saúde do Brasil.