Um dos grandes desafios da medicina é encontrar formas para melhorar as terapias que envolvem o combate ao câncer. São diversos estudos e testes que buscam trazer uma maior chance de sobrevida ao paciente e até mesmo alcançar a cura da doença.
E essa busca fica mais complexa quando envolve as neoplasias hematológicas, ou seja, células cancerígenas que transitam pelo corpo e não podem ser removidas cirurgicamente. Por isso, os tratamentos primários são realizados com quimioterapia.
A boa notícia é que pacientes com leucemia linfoblástica aguda, linfoma difuso de grandes células B e mieloma múltiplo ganharam mais uma opção de tratamento quando nenhum outro surte o resultado esperado: a terapia Cart-T, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em fevereiro de 2022.
Com esta tecnologia inovadora, os linfócitos (células de defesa) do próprio paciente são geneticamente modificados e devolvidos ao corpo para combater o câncer de forma mais eficiente.
De acordo com Phillip Scheinberg, coordenador do Centro de Oncologia e Hematologia da BP (A Beneficência Portuguesa de São Paulo), antes de entrar em detalhes sobre a tecnologia, é preciso entender um pouco a respeito do nosso sistema imunológico.
“Este grupo de defesa é bastante complexo, já que tem inúmeras células, proteínas, entre outras substâncias que protegem nosso organismo. Mas existem dois elementos importantes quando falamos de CAR-T: o linfócito T e o linfócito B.”
O linfócito B é excelente para reconhecer algo estranho no corpo. Por outro lado, a célula tem baixo poder destrutivo para eliminar o que não faz parte do organismo. Com o linfócito T ocorre o contrário: ele não tem a facilidade de reconher células cancerígenas como o linfócito B, mas destrói o invasor com facilidade.
Scheinberg explica que, após anos de estudos, realizou-se algo inédito: criar um receptor que, do lado de fora fosse o linfócito B (que reconhece o tumor), e, do lado de dentro, o linfócito T (que destrói o neoplasma).
“O resultado dessa mescla de linfócitos é o CAR-T, uma célula T que foi modificada fora do organismo do paciente.”
Construídas as células CAR-T, o próximo passo é a linforedução: procedimento que diminui a quantidade de linfócitos no organismo a fim de dar espaço para as células modificadas entrarem com força, se multiplicarem e, em seguida, atacarem o tumor.
“Ao introduzimos os linfócitos modificados no organismo do paciente, é preciso prestar atenção ao estímulo inflamatório expressivo que ocorre contra o tumor. A reação precisa ser controlada com o uso de anti-inflamatórios, mas estas drogas não interferem no efeito da CAR-T”, afirma Scheinberg.
A terapia CAR-T é indicada quando o paciente já passou por diversos tratamentos e o tumor não diminui ou não foi eliminado por completo – sinais de que não responde mais a terapias convencionais.
“É uma modalidade de tratamento inovadora, pois funciona quando a quimioterapia não trouxe o efeito desejado e não existem outras soluções de terapia. A CAR-T preenche um vácuo, uma necessidade não atendida antes”, ressalta Scheinberg.
E os resultados têm sido promissores. “Para leucemia linfoide aguda, cerca de 60% dos casos mantêm a remissão (quando a doença não é mais detectada) por 2, 3, 4 anos. Já para o linfoma, cerca de 40% dos pacientes mantiveram a remissão. É incrível”, comemora.
Hoje, a terapia CAR-T é aplicada em quatro centros especializados no Brasil. Um deles é a BP, que foi pioneira no país em oferecer o tratamento como opção a pacientes oncológicos.
“Recebemos este desafio, porque somos um dos principais centros de transplante do Brasil. De 2016 para cá, realizamos mais de 700 transplantes de medula. Então, como já temos esta bagagem, fica menos complexo fazer o mesmo processo com os linfócitos.” comenta Scheinberg.
Para o coordenador, é importante que o tratamento esteja disponível para todos os brasileiros: “O paciente pode se deslocar de sua cidade até o centro especializado mais próximo, realizar o procedimento e, após isso, seguir sendo acompanhado pelo profissional que o estava assistindo”, completa, acrescentando que a terapia CAR-T pode ser aplicada, em um futuro próximo, em outras doenças onco-hematológicas e até, quem sabe, para combater tumores sólidos.