Quem me conhece sabe que sou um pouco hipocondríaca e fatalista. Se sinto dor de cabeça é porque estou com câncer no cérebro, se meus braços formigam, provavelmente estou infartando. Dor de barriga? Apendicite, na melhor das hipóteses.
A partir deste breve relato você já deve ser capaz de imaginar o quanto me senti orgulhosa de mim mesma por, até julho de 2021, ter atravessado um ano e pouco da pandemia de Covid-19 sem surtar, como eu via acontecer com gente à minha volta.
Até então ninguém que eu conhecia havia ficado doente e eu não estava achando, a cada tosse que dava, que poderia estar com coronavírus. Estava tomando absolutamente todos os cuidados necessários (e continuo, porque, afinal, a pandemia não acabou), mas nada que eu acreditasse estar me tirando do meu centro.
A campanha de vacinação contra Covid-19 havia começado, finalmente, e eu estava muito ansiosa pela minha vez. Confesso que preferia tomar o produto da Coronavac ou da Pfizer (mas à época, o governo ainda estava em fase de negociação com a empresa americana).
Como boa sabotadora de mim mesma, lia muitas notícias a respeito dos raros efeitos colaterais relacionados à vacina da Astrazeneca, e tinha certo receio de tomar essa vacina. Parecia óbvio que eu seria uma das 0,0004% das pessoas que sofreriam de trombose. Afinal, alguém tem que fazer parte da estatística, certo?
Enfim, chegou a minha vez de ser vacinada. E adivinhe? Tomei a Astrazeneca. Não se engane: fui feliz da vida para o posto de vacinação, porque posso ser fatalista, mas acredito na ciência, na informação e na história.
Tudo parecia que ficaria bem. Meus pais, minha irmã, meu cunhado, meu namorado, o pai do meu filho, todos nós já tínhamos pelo menos uma dose da vacina e eu não havia tido trombose, como era mais provável mesmo.
Estava tudo ótimo até que, numa noite de agosto de 2021, comecei a sentir umas coisas estranhas ao me deitar. Tentava fechar os olhos e, quando estava para adormecer profundamente, acordava assustada, com o coração na boca e sentindo falta de ar. Também parecia que eu ia desmaiar, que minha pressão estava muito baixa – aquele famoso “teto preto”.
Me senti assim durante a madrugada toda. E essas crises começaram a ficar mais frequentes – até que comecei a ter medo de dormir e cheguei ao ponto de ficar quase 48 horas acordada, trabalhando, exausta, e ainda cuidando do meu filho, que tinha 5 anos na ocasião.
Foi só aí que caiu a ficha: eu havia entrado para outra estatística – absolutamente mais significativa em termos de números e tão preocupante quanto: a de pessoas que não passaram psicologicamente imunes à pandemia de Covid-19.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os casos mundiais de ansiedade aumentaram 25,6%, e os de depressão, 27,6% em 2020 – e serão os principais problemas de saúde do mundo em 2030.
Procurei, por indicação de uma amiga, a psiquiatra Aline Nagai, que me diagnosticou com transtorno de ansiedade generalizada.
Aline me prescreveu medicações mas disse que eu precisava fazer transformações mais profundas na minha vida – o trabalho dela é focado em Medicina do Estilo de Vida.
Isso significava que ela iria começar a pegar no meu pé para mudar hábitos de vida, incluindo a prática de esportes e alimentação.
Foi de Aline que eu ouvi pela primeira vez sobre microbiota intestinal – a população de bactérias, fungos e vírus que habita o nosso trato gastrointestinal, que tem como função manter a integridade da mucosa, atuar na absorção de nutrientes e controlar a proliferação de bactérias que podem causar doenças.
Estudos realizados por pesquisadores da Universidade Complutense de Madrid mostram que o aumento do cortisol, produzido pelo estresse, pode fazer com que a parede do intestino fique mais porosa, permitindo que bactérias, moléculas produzidas pelas bactérias e fragmentos de alimentos atravessem a barreira intestinal, alcançando a corrente sanguínea ou outros órgãos, o que ativa nosso sistema imune. Isso pode levar a uma inflamação de baixo grau, alterações metabólicas ou doenças autoimunes.
Os mesmos estudos indicam que pacientes com depressão podem apresentar a flora bacteriana alterada quando comparados a indivíduos saudáveis.
Aline me contou que sentiu na pele a melhora da sua saúde psíquica e física quando tomou a decisão de mudar seus hábitos de vida:
“Eu era obesa e, em 2016, estava me sentindo muito mal, estressada, ansiosa. Fazia tratamentos tradicionais, com medicação, e isso me parecia ser sempre um resultado parcial na minha vida”, ela me disse.
“Fiz então um período intenso de mudança de estilo de vida, e percebi o quanto isso me mudou de uma forma geral. Mudou também a forma como encarava meus tratamentos, a abordagem que tinha com os meus pacientes”, continuou.
Aline me contou que foi sentindo como a alimentação era importante. E que aprendeu, na prática, que a quantidade de industrializados que consumia afetava sua saúde física e psíquica.
“É um experimento, mas sempre bato na tecla de que a gente tem que viver atento, porque se a gente não presta atenção também em como estamos nos sentindo, como nosso comportamento afeta a nossa saúde, isso pode passar meio batido.”
Para dar início a um processo de mudança nos meus hábitos diários, procurei os profissionais da BiomeHub – empresa de biotecnologia, voltada para a área de saúde, que faz processamento de amostras e pesquisas – para me ajudarem a entender como andava a minha microbiota.
A empresa tem no Probiome – exame molecular que identifica as bactérias presentes no intestino por meio de sequenciamento de DNA – o seu carro-chefe.
O Probiome custa R$ 900 e ainda é um exame não muito difundido entre a classe médica. Fernanda Piazza, especialista em Nutrição Aplicada ao Microbioma da BiomeHub, conta que a maioria dos exames é pedido para acompanhamento de pacientes com problemas gastrointestinais – por exemplo, a síndrome do intestino irritável.
Fernanda observa, porém, que ultimamente têm surgido casos de pacientes submetidos a tratamentos para combater o câncer.
“Alguns tipos de quimioterápicos podem ter seus efeitos colaterais potencializados quando a diversidade da microbiota está diminuída”, ela me explicou.
“Alguns oncologistas prescrevem o teste de microbiota para o paciente que está em quimioterapia, para avaliarmos se o tratamento está sendo bem aproveitado, notando a necessidade de intervenções dietoterápicas mais firmes quando ele apresenta características que possam prejudicar o tratamento e também para melhorar a qualidade de vida daquele paciente.”
Farmacêutica e Product Owner da BiomeHub, Michele Rode, especialista em biologia celular e do desenvolvimento, me contou que uma microbiota intestinal em equilíbrio tem pequenas variações, mas é estável no geral.
E que é possível fazermos alterações significativas na microbiota por meio da alimentação. “As bactérias têm uma sequência no DNA delas, um gene chamado 16S, que é utilizado para identificação. Extraímos o DNA da amostra de fezes do paciente e sequenciamos duas regiões do gene 16S”, explicou.
“Depois, comparamos o achado com um banco de dados existente para identificar quais são as diferentes bactérias presentes naquele intestino.”
A partir de algumas características avaliadas no estudo dessa microbiota, como alta ou baixa diversidade, quantidade de bactérias chamadas “marcadoras de saúde”, e baixa ou alta incidência de bactérias patogênicas e pré-inflamatórias, os resultados poderão ser classificados de três formas: em equilíbrio, em atenção ou em desequilíbrio.
“Uma microbiota saudável tem dois filos predominantes: firmicutes e bacteroidetes. Eles devem representar cerca de 90% das bactérias intestinais e devem estar em uma proporção quase de um para um”, disse ela.
Michele continua:
“Se um paciente sofre, por exemplo, de síndrome do intestino irritável, a gente vê que existe um aumento do filo firmicutes e uma diminuição do filo bacteroidete. Nos casos de depressão e ansiedade, a literatura descreve uma diminuição de bactérias marcadoras de saúde.”
Ainda sobre a questão das características de uma microbiota de alguém que sofre de ansiedade ou depressão, Michele falou que a relação ainda é algo novo, portanto não há um resultado de perfil esperado para essas condições psíquicas.
Mas, segundo ela, há experiências descritas na literatura envolvendo camundongos e o transplante da microbiota fecal. Animais que foram transplantados com amostras de indivíduos que sofriam de depressão e ansiedade passaram a apresentar sintomas dessas doenças.
“Sabemos que existe uma relação, mas ainda não sabemos qual é a característica dessa microbiota, a ‘carinha’ dela, como sabemos a da doença intestinal inflamatória, por exemplo.”
Ainda de acordo com Michele, a literatura mostra que muitos pacientes com depressão ou ansiedade têm diminuição de dois gêneros: bifidobacterium e lactobacilos. Logo, aumentar as proporções dessas bactérias no intestino, seja com uso de probióticos (as bactérias mesmo, que são vendidos na farmácia na forma de suplementos) ou prebióticos (alimentos que ajudam no crescimento das bactérias boas, são substrato pra elas), poderia auxiliar no tratamento dessas disfunções.
“Se não fornecermos os nutrientes pela nossa dieta, os prebióticos [fibras] para essas bactérias estabelecerem no nosso intestino, elas vão continuar não fazendo parte da nossa microbiota intestinal.”
Eu estava curiosa para entender o que meu intestino contaria a meu respeito, então fiz a coleta – que é bem fácil –, e aguardei o resultado por cerca de 15 dias.
Confesso que fiquei surpresa ao saber que minha microbiota estava em estado de atenção. A verdade é que eu esperava que estivesse pior.
Não andava tendo a melhor alimentação do mundo, com uma dieta rica em carboidratos do mal, como farinha branca e açúcar, e bem pouco proteica – já que não como carne vermelha e não consumo carne branca todos os dias.
O resultado mostrou que eu tinha uma proporção adequada dos dois principais filos, os firmicutes e os bacteroidetes. No entanto, revelou que eu tinha apenas duas das cinco bactérias marcadoras de saúde desejadas – e um predomínio acentuado de uma delas, com 26,3% de presença.
O ideal é que tenhamos uma proporção equilibrada dessas cinco bactérias. O resultado corroborou o que as especialistas haviam me dito anteriormente – que pessoas que sofrem de depressão ou ansiedade tendem a apresentar menos bactérias marcadoras de saúde.
No meu caso, Michele disse que provavelmente faltavam prebióticos na alimentação. Eu não estava fornecendo o suprimento adequado a três dessas cinco bactérias marcadoras de saúde pela falta de variedade de nutrientes na minha dieta e estava “engordando” demais uma delas.
Fazia sentido, tendo em vista que eu realmente não sou muito de experimentar coisas novas e acabo me limitando também àquilo que é mais prático no dia a dia.
Aline, que me acompanhou em todo o processo de estudo da minha microbiota, comentou que existe também uma questão cultural nessa ausência de variedade na nossa dieta.
“Os brasileiros não comem muita comida fermentada, o que seria importante. A gente não consome, de uma forma geral, sementes. Colocar chia, gergelim, semente de girassol é algo que falta na nossa alimentação. Frutas vermelhas também”, ela disse.
Uma preocupação também de não se ter a variedade desejada de bactérias no seu organismo é no caso de termos que tomar um antibiótico para algum tipo de infecção.
“Supondo que você tenha 50% das suas bactérias de uma única espécie: se você usa um antibiótico que atua nessa espécie, ele acaba com a sua microbiota. Então é bem interessante essa questão da diversidade alimentar”, contou Michele.
Para dar continuidade ao processo de entender minha microbiota, fui encaminhada para a nutricionista Carolina Blagojevic Castro, que me propôs uma dieta vegana por vinte dias. O objetivo era dar um “susto” no meu organismo e provocar alguma mudança num curto espaço de tempo.
Ela me enviou um plano alimentar completo, com várias sugestões de receitas veganas. Preciso fazer um parênteses aqui para dizer que minha admiração pela comunidade vegana aumentou muito depois que eu fiz essa dieta, porque é preciso muita disciplina e determinação para segui-la.
Não vou mentir: dá trabalho – ainda mais para uma pessoa, como eu, que não gosta de cozinhar. Além disso, ela me receitou um prebiótico em forma de cápsulas e compridos de ômega 3.
Passado esse período de dieta vegana, repeti o exame e meu resultado permaneceu “em atenção”, embora com algumas alterações interessantes. Passei de duas para três bactérias marcadoras de saúde.
Outro gênero também surgiu, a prevotella, que está relacionada ao consumo de carboidrato – quando fazemos dietas veganas ou vegetarianas, a gente tende facilmente a errar a mão e consumir mais carboidrato. Por outro lado, aumentou um pouco o meu filo firmicutes.
Outro ponto positivo do meu resultado foi o surgimento da bifidobacteria, que, segundo Fernanda, é difícil de acontecer: “A gente tem que estar com uma dieta exatamente saudável, e é mais comum que ela apareça em pessoas jovens”, afirmou.
“Além disso, ela tem uma característica de percorrer o eixo intestino-cérebro, de melhorar a ansiedade, a depressão”. As bifidobactérias estavam em uma proporção baixa em meu organismo, portanto nenhuma diferença física ou de sintomatologia era esperada.
“O que conseguimos observar é que, mesmo com uma intervenção em curto período, já houve aumento dela. Do ponto de vista de microbiota, você não saiu do estado de atenção, mas houve, sim, melhora”, ela me disse.
Claro que ninguém estava esperando que, em vinte dias, todos os meus problemas seriam corrigidos, afinal, uma mudança de estilo de vida se conquista com o tempo – e com muito esforço.
Mas passar por esse processo todo e poder visualizar dados e resultados com um exame foi muito interessante – e considero o primeiro passo para o início de uma transformação de que tanto preciso.
Espero que daqui por diante as únicas vezes que eu tenha o tal do “teto preto” seja durante as aulas de crossfit, intensas para principiantes, que comecei a frequentar há poucos dias, incentivada pela psiquiatra Aline. E força!