Há 40 anos, o pediatra Claudio Schvartsman se dedica a estudar a saúde (e a doença) de bebês, crianças e adolescentes.
Uma tradição, digamos assim, que veio de berço – o pai, Samuel, também pediatra, foi um renomado professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Atual vice-presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, que mantém o hospital de mesmo nome, autor e coautor de diversas pesquisas, Claudio é figura frequente na mídia.
Não apenas por causa de seus predicados, mas porque, a despeito de tanta experiência, usa palavras de fácil compreensão, com didatismo.
Neste bate-papo sobre um assunto urgente – a Covid pediátrica –, o médico afirma que, se antes os pronto-socorros voltados a essa população encontravam-se vazios, o que fez com que muitos pediatras fossem dispensados dos plantões, hoje a situação é bem diferente.
Ele faz um alerta: vamos demorar ainda para descobrir os impactos reais da pandemia na vida de quem a enfrentou criança ou ainda bebê, tanto em seus aspectos emocionais quanto no desenvolvimento.
O pediatra ainda fala sobre a importância da vacinação infantil, que anda em ritmo lento no país. Desde que a primeira criança foi vacinada, o indígena Davi Seremramiwe Xavante, de 8 anos, em 14 de janeiro, o país imunizou com a primeira dose apenas 27% das crianças, de acordo com os dados do Consórcio de Imprensa deste domingo (13 de fevereiro).
Levamos quase o triplo do tempo que países como Canadá, Argentina e Uruguai gastaram para imunizar a mesma quantidade de crianças. Falta de doses e falta de informação são os principais vilões.
De acordo com o pediatra, não faz sentido não vacinar as crianças. Ele afirma que o perfil de segurança das vacinas contra Covid disponíveis para essa população no país é muito semelhante a de todas as demais vacinas do calendário pediátrico.
Confira abaixo os principais trechos de sua conversa com Future Health.
Crianças de todo o Brasil já têm se vacinado contra a Covid-19, mas é importante voltarmos um pouco no tempo e entender por que essa doença tende a afetar menos esse grupo.
Na primeira metade da pandemia, no ano de 2020, crianças foram poupadas da Covid-19 – e há uma série de especulações para resolver essa questão, apesar de não se saber o motivo exato. Certamente o isolamento social – fechamento de escolas e uso de máscara – contribuiu para a proteção da criança. Sem escola, a criança fica na proteção do lar. O interessante é que não apenas ela foi poupada da Covid, como de todas as demais doenças infecciosas respiratórias que normalmente acometem bebês e crianças. Despencou a incidência de doenças como bronquiolite, influenza, resfriados, pneumonia, amigdalite e assim por diante.
Mas, de forma geral, a criança pegava e pega Covid de uma forma mais leve.
No ano de 2021, a partir do segundo semestre, quando começaram a ser liberadas as atividades gerais – e, nesse caso em específico, o retorno das atividades escolares –, o cenário começou a mudar, com crianças começando a ser afetadas não apenas pela Covid, mas pelas demais doenças respiratórias.
O impacto na vida das crianças com a falta das atividades escolares, com a perda do aprendizado e da socialização, pode ser mensurado?
Essa perda é irreparável e imensurável. Não há indicadores objetivos com relação a essa questão, e há algo que vai além: o uso de máscara. Particularmente para bebês pequenos, que utilizam muito a expressão facial das pessoas com quem tem contato. Esse contato, fora do âmbito doméstico, passou a acontecer apenas com pessoas de máscara. Uma legião de bebês perdeu esse marcador tão importante: a expressão facial dos outros.
O bebê aprende a se expressar facialmente ao ver os outros?
Mais ou menos isso. Sentir a expressão facial do interlocutor do bebê é importantíssimo, assim como o contato visual. E isso diminuiu bastante com a pandemia. E será muito difícil mensurar, objetivamente, esse impacto.
A relação entre pais e filhos também foi afetada por causa da pandemia?
O próprio emocional da criança, depois de uma certa idade, foi afetado. Porque aquilo que ela conhecia como uma vida normal sofreu uma disrupção muito violenta. Em vez de ir à escola, passou a ficar fechada dentro de casa. E quanto pior o nível socioeconômico da família, maior – e pior – é o impacto.
Também se fez sentir a questão da diferença socioeconômica, levando em conta que escolas passaram a oferecer o aprendizado online.
Entretanto, a qualidade desse aprendizado variou muito, dependendo da estrutura da escola e da casa dessa criança – da presença de computador, internet e do aposento para se dedicar de uma maneira sossegada à tarefa. Provavelmente a pandemia, na questão da escolaridade, afetou de uma maneira desproporcional as famílias, tendo como principal marcador a questão socioeconômica, possivelmente aprofundando o fosso que já existe.
Entretanto, mesmo nas famílias de melhor nível socioeconômico, houve um impacto emocional grande entre crianças e adolescentes restritas em casa.
E isso em todos os sentidos: na rotina, na socialização, na alimentação que passou a ser feita com serviços de entregas, salgadinhos, biscoitos, refrigerantes. E o desaparecimento da atividade física, que traz um contexto complicadíssimo para a vida das crianças. Elas foram profundamente afetadas. Do ponto de vista da doença respiratória, porém, ela foi poupada. Mas a partir do segundo semestre de 2021, com a volta das atividades presenciais, as demais doenças respiratórias voltaram à toda.
A partir de outubro, houve uma sucessão de epidemias dessas doenças: começando com bronquiolite e acabando, em dezembro, com a influenza.
Os prontos-socorros de pediatria ficaram lotados por causa dessas epidemias – diferente do final do ano de 2020, quando a atividade nos prontos-socorros de pediatria teve uma diminuição acentuada. Tanto que, em muitos hospitais, diminuiu-se o número de pediatras em plantões. Já no segundo semestre do ano passado, foi preciso aumentar a capacidade de atendimento. Ninguém consegue enfrentar a velocidade dessas epidemias. E provavelmente veremos isso de novo, este ano, a partir de abril – o momento esperado dessas enfermidades.
Estamos nos aproximando do fim da primeira quinzena de fevereiro: como estão os prontos-socorros de pediatria?
Estão se reestruturando: aumentam os números de pediatras, enfermeiros, tudo no limite das possibilidades. É muito difícil fazer administração pelo pico. Para a influenza, felizmente existe a vacina – e ela costuma chegar no começo de março, para bebês acima de seis meses. A expectativa é que isso auxilie bastante a proteção. Já a bronquiolite não tem vacina, assim como todas as outras viroses respiratórias.
E este ano?
Em 2022 a criança tem sido bastante afetada pela Covid. E é um percentual enorme que vem sendo infectado. Como toda doença viral e infantil, a grande maioria dos casos é doença de leve intensidade – e vale para todas. Eu tenho 40 anos de profissão e, nos primeiros 10 anos de carreira, convivi muito com o sarampo. Na imensa maioria dos casos, uma doença leve.
Eu tive sarampo quando criança e foi uma doença leve. Mesma coisa com meus irmãos. Mas isso não quer dizer que não existe a possibilidade da evolução para uma doença grave.
Isso vale para catapora, para rotavírus e para a maior parte de enfermidades para as quais existe vacina. E vale para Covid-19. A maioria das crianças que pega Covid desenvolve um quadro leve, algumas vezes moderado. O caso grave é pouco comum, mas existe. Estatísticas têm variado para um número entre 400 e 600 óbitos infantis no Brasil devido à Covid-19. Ouvimos algumas argumentações sobre isso ser irrelevante, mas acredito ser uma distorção da realidade.
Morrerem centenas de crianças por causa da mesma doença não é um fenômeno comum.
E o óbito é somente a ponta do iceberg: quando você tem pacientes que estão morrendo pela doença, tem um número que varia de cinco a dez vezes que tiveram a doença grave, impactando prontos-socorros, UTIs, recursos humanos e materiais. Imagine você o impacto de 600 famílias que perderam uma criança. E há o outro lado da moeda: o efeito protetor da vacina.
Nessa forma pediátrica, quais as características das vacinas contra a Covid disponíveis para crianças no Brasil?
A Pfizer, que foi liberada a partir de cinco anos de idade, ainda que o FDA [órgão regulador de saúde nos Estados Unidos] já esteja prestes a aprovar a liberação abaixo dessa idade, e a Coronavac, liberada a partir de 6 anos de idade aqui no país, têm perfis de eficácia um pouco diferente, que fica um pouco mais difícil de enxergar graças à Ômicron.
O risco de miocardite relacionado à vacina da Pfizer é muito utilizado em argumentos que negam a vacina, mas isso também não corresponde à realidade.
O número de casos de miocardite nas centenas de milhões já administradas no mundo é infinitamente menor do que o número de casos de miocardite em pacientes que tiveram infecção por Covid – em número e intensidade. Tudo que se faz em medicina tem risco e tem benefício.
Você está autorizado a executar uma ação quando o benefício claramente supera o risco – e é esse o caso da vacina da Pfizer.
Já a Coronavac é uma vacina de uma tecnologia muito tradicional e muito similar à vacina contra a influenza. Não foi detectado nenhum evento grave no caso dela. Embora sua eficácia possa ser de moderada intensidade, ela, em último caso, protege contra a forma grave da doença – que é o que mais nos interessa.
Aliás, o perfil de segurança das duas não é muito diferente dos perfis de todas as demais vacinas do calendário vacinal.
Todas têm questões mas, como eu já disse, o benefício de todas supera – e muito! – o risco. Por isso há uma indicação clara de tomar. Para mim é muito difícil entender a singularização dessa questão a Covid.
O Brasil sempre foi um país que era muito a favor de vacinas, não é?
E continua sendo.
Mas é a primeira vez que o senhor tem visto essa questão de antivacinas?
Sim. Nunca tinha visto isso correr pela internet, mesmo em manifestações oficiais de pessoas que ocupam cargos públicos… Ainda mais pessoas argumentando sem ter conhecimento nenhum de causa, impactando muito a questão de fake news. Meu pensamento e recomendação é pegar seu filho e levá-lo para tomar vacina. Aquela que estiver disponível.