Qual é a chance de você cruzar com uma mulher saindo do mar com uma prancha de surfe debaixo do braço e imaginar que ela é PhD em ciências biológicas e uma das mais respeitadas pesquisadoras da área de neurociência e comportamento do país?
Um conceito automatizado de seu cérebro poderia lhe fazer acreditar que isso não é provável. Porém, no caso de Elisa Harumi Kozasa, 53, esse é um retrato fiel, ainda mais se você frequentar o litoral norte paulista.
Vários alunos do mestrado e doutorado do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, ou mesmo da pós-graduação Gestão Emocional nas Organizações: Cultivating Emotional Balance, do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, atestariam a veracidade da informação – e o seu cérebro seria pego em um padrão de pensamento.
É exatamente para limpar esses “caminhos pré-traçados” da mente que cada vez mais pessoas meditam ou se dedicam a práticas contemplativas – por consequência, colhem benefícios como redução de estresse, manejo de ansiedade e depressão, melhora do desempenho cognitivo, da atenção e foco.
E é nesta área do conhecimento que Elisa é uma big rider, surfista especialista em ondas grandes.
Ela é bióloga formada pela Universidade de São Paulo, tem doutorado em Psicobiologia pela Universidade Federal de São Paulo e é pesquisadora do Einstein desde 2013, época em que terminou sua tese de pós-doc.
Seu nome aparece em 77 artigos científicos, inúmeros publicados em revistas internacionais.
A linha de pesquisa que interessa a Elisa trata sempre de avaliar bem-estar e performance sob três ângulos: análise de neuroimagem funcional e estrutural, movimento e respostas psicofisiológicas.
Com este tripé em mente, Elisa já avaliou práticas contemplativas – meditação, ioga, lian gong, tai chi chuan – e orientou um estudo que demonstra benefícios de prática de ioga por mulheres idosas diretamente no córtex pré-frontal, em regiões associadas a funções cognitivas como atenção e memória.
Os resultados sugerem que a ioga pode ser uma maneira de proteger o cérebro contra o declínio cognitivo que ocorre no envelhecimento.
Outra faceta interessante na trajetória da pesquisadora é sua associação com o Mind&Life Institute – ONG fundada em 1991 pelo 14º Dalai Lama, Francisco Varela e Adam Engle para unir ciência e sabedoria contemplativa, entender melhor a mente e criar mudanças positivas no mundo. Ela foi a primeira pessoa nomeada como fellow do instituto na América Latina, em 2015.
Atualmente, Elisa está envolvida em projetos de pesquisas que tentam avaliar os benefícios das práticas contemplativas no surfe e também estudos sobre os efeitos das mídias sociais.
Leia abaixo a conversa de Elisa Kozasa com Future Health:
Por que escolheu a biologia?
Minha família esperava que eu fosse cursar medicina, porque minhas notas do simulado no cursinho eram suficientes para passar no vestibular. Ninguém imaginava que eu fosse prestar biologia. Tanto que só mostrei minha inscrição depois, quando contei que queria ser professora. Minha mãe ficou apavorada, dizendo que eu ia morrer de fome.
Nem me passava pela cabeça a vida de pesquisadora, porque eu nem conhecia. Mas eu tinha tido professores excelentes durante minha vida e eles me inspiraram.
Eu decidi fazer biologia porque gostava da matéria e porque não tinha gostado da minha experiência na escola técnica – fiz processamento de dados. Isso me deu certeza de que eu não me interessava pela área de exatas. Então, decidi por biologia, mas poderia ter sido qualquer coisa que eu pudesse ser professora. Antes de me formar em 1989, já tinha sido contratada para dar aula em cursinho pré-vestibular e no Colégio Objetivo. Por 10 anos fui professora.
Como foi o trajeto da biologia para a psicobiologia?
Ciências biológicas é um curso que abre muitas possibilidades. Tenho colegas de sala que foram para botânica, ecologia, anatomia animal, fisiologia animal… Eu sempre gostei da parte de fisiologia, a parte de explicar as funções do corpo e o cérebro já me interessava muito – a neurofisiologia. O fato de eu ir para área de educação tinha muito a ver com o papel do professor e do educador, que de certa maneira já embute uma questão psicológica.
O que é um bom professor? Um bom professor não é só aquele que conhece tecnicamente. É quem entende o aluno como um ser humano.
É quem está disposto a, apesar de todas as dificuldades que existem no processo, tentar levar esse aluno para um outro nível de formação, e não apenas de informação. Desde mostrar um comportamento que não é adequado ou um comportamento que poderia ser melhor para outro momento. Muitos alunos trazem questões familiares para o professor, que se torna um conselheiro. Isso é muito delicado e, ao mesmo tempo, importante.
Quando o professor é inspirador pode ajudar o aluno a passar pelas dificuldades da adolescência e isso precisa ser feito com muita responsabilidade.
Obviamente, o professor não é psicólogo, mas é um educador e uma referência. Então, eu sempre me interessei pela parte de comportamento. E quando descobri o programa de psicobiologia da Unifesp [Universidade Federal de São Paulo] me pareceu uma passagem natural.
Por que decidiu ir para pesquisa?
Digamos que em dado momento eu não via muitos desafios no Ensino Médio, porque o que é passado ao aluno é o conteúdo que já está consolidado, bem estabelecido. É difícil de se ter a possibilidade de criar novos conhecimentos, apesar de haver escolas inovadoras que fazem isso. Mas não é a realidade da maioria do mercado. Em 1997 fui fazer mestrado e doutorado na Unifesp porque ali tinha a área pela qual me interessava muito, psicobiologia – as bases biológicas do comportamento.
A gente estuda desde o sono até comportamentos de adição, ansiedade, depressão. A minha tese de mestrado em 1998 foi um protocolo para pessoas com fobia de falar em público.
Depois, como eu já tinha interesse em meditação e conheci dois professores da Índia que estavam no Brasil, decidi fazer a avaliação de um protocolo de ioga no meu doutorado. Meu orientador, o professor José Roberto Leite, foi muito aberto para isso, mas disse que não iríamos tentar agência de fomento, porque ele não acreditava que emplacaria. Concordei. Fizemos um trabalho bem básico, questionário impresso, respondido a caneta, mesmo assim tivemos uma publicação internacional. Daí me tornei professora afiliada lá.
No ano em que havia possibilidade de eu me tornar orientadora no programa de psicobiologia, o Einstein tinha aberto vagas para pesquisadores.
O meu pós-doutorado já havia sido desenvolvido lá na Unifesp [entre 2008-12]. Apesar de meu supervisor ser o neurocientista Luiz Eugênio Mello e o Edson Amaro Junior, todos os experimentos foram no Hospital Albert Einstein. Fizemos toda parte de coleta de dados, neuroimagem e análise lá e, como eu já tinha um histórico de publicações razoável, o Luiz Vicente Rizzo, Diretor de Pesquisa do Einstein, me convidou para entrar lá como docente.
Quando você começou com as práticas contemplativas em nível pessoal? E quais foram as primeiras?
Tive um contato com práticas contemplativas a partir dos 12 anos de idade, quando comecei a praticar aikido [arte da paz], uma arte marcial japonesa, que tem muitos componentes contemplativos [ela graduou-se 5º dan em aikido pela International Aikido Federation e deu aulas até 2015.] Segundo a lenda, o fundador do aikido Morihei Ueshiba teve uma experiência de iluminação, algo bastante falado na meditação. Me interessei cada vez mais por essas práticas, lia a respeito. Comecei a praticar meditação por minha conta, depois fui a alguns templos para conhecer um pouco mais. Li vários livros, desde teosofia, budismo e até outras linhas religiosas, e acabei me interessando por isso como uma linha de pesquisa.
Quando vislumbrou a possibilidade de a meditação ser uma linha de pesquisa forte para você?
Tem dois livros que li aos 17 anos. O primeiro é “Autobiografia de um Iogue”, de Paramahansa Yogananda, o primeiro que veio para o ocidente e também tinha muito interesse em ciência. Num dos capítulos ele entrevista o pesquisador indiano Jagadis Chandra Bose [desenvolvedor do crescógrafo, criado para analisar o crescimento de plantas]. O outro livro é “Diálogos Com Cientistas e Sábios: a Busca da Unidade” [de Renée Weber], infelizmente esgotado por aqui. Nele a autora conversa com o Prêmio Nobel de 1977 Ilya Prigogine, com o físico David Bohm, com o filósofo indiano Jiddu Krishnamurti e com o Dalai Lama.
Esse livro me fez pensar que existia a possibilidade de diálogo entre as práticas tradicionais e a ciência.
Alguns anos mais tarde, enquanto fazia doutorado, conheci o Mind & Life Institute, a grande inspiração para mim. Em 2004, participei de um evento deles, o primeiro Summer Research Institute, em que tentam reunir pesquisadores com estudos nessa área com contemplativos, monges etc. Fui a única pessoa da América Latina a ir para Charlottesville, nos EUA. Em 2005 fui selecionada de novo para ir. Aí, em 2006, o Dalai Lama veio ao Brasil e eu propus a Lia Diskin, da Palas Athena, que organiza as vindas dele, para fazermos um evento similar ao Summer Research. Foi um sucesso, tivemos mais de 3 mil pessoas no Anhembi. Reunimos pesquisadores brasileiros com o Dalai Lama.
Você sentiu temor ao começar a pesquisar meditação? Foi uma das primeiras a fazer isso, certo?
Até onde sei, minha tese de doutorado foi a primeira tese em uma escola médica na América Latina sobre efeitos da meditação em saúde mental, mas eu nunca tive muito medo dessas questões. De verdade, não me importo muito com o que as pessoas pensam ou não pensam. Sou uma pessoa de convicções e tinha convicção de que isso era algo importante.
Era relevante para as pessoas conhecerem, para eu conhecer mais e desenvolver essa linha de pesquisa.
Até hoje, em primeiro lugar, eu faço pesquisas sobre coisas do meu interesse, porque é impossível fazer algo bom em ciência se você não estiver engajado e interessado 100%. Projetos de pesquisa são sempre bem difíceis, imagina fazer algo de que você não gosta? Não tenho perfil, por exemplo, de fazer pesquisa para uma indústria. Isso não me move, mas os projetos que eu tenho feito têm uma característica em comum: serem relevantes para o público.
Você já disse que há estudos que indicam que a meditação pode nos ajudar a ter comportamentos mais adequados socialmente, melhorar as relações interpessoais e nos tornar mais compassivos. Qual você considera ser o primeiro grande impacto que você causou em neurociências com suas pesquisas?
Tem alguns. Vou citar um estudo de 2017, em que fui orientadora do Rui Ferreira Afonso. Ele sempre se interessou por ioga, eu já tinha orientado ele na Unifesp e ele decidiu vir para o Einstein comigo. Resolvemos fazer um estudo em colaboração com a professora Sara Lazar de Harvard, que já tinha experiência em diferenças entre métricas de espessura de córtex cerebral entre pessoas que meditavam regularmente e pessoas que não meditavam. Esse estudo dela tem centenas de citações.
Eu a encontrei em um simpósio e decidimos fazer um estudo com ioga em idosos.
Seria mais fácil encontrar voluntários aqui no Brasil e também ela já tinha visto que estudos anteriores indicavam – ainda não havia estatísticas – que a diferença de espessura no cérebro deveria ser maior nessa população. Elaboramos um protocolo em que resolvemos estudar diferenças na espessura do córtex cerebral entre praticantes de ioga com mais de 60 anos. No fim, ficamos só com mulheres, porque quando começamos a recrutar pessoas 95% eram mulheres. Todas tinham nível superior, e fiquei com receio de a gente nem ver diferença entre o grupo de praticantes e o de não-praticantes, porque uma das coisas que mais protege o cérebro são os anos de escolaridade.
Mesmo assim, vimos diferenças na espessura cortical de mulheres idosas praticantes de ioga, com mínimo de 8 anos, comparado a não-praticantes.
Esse estudo teve grande repercussão, ele está entre os 1% dos estudos mais visualizados na editora Frontiers, entre todas as revistas. Teve muita citação na mídia em geral, não apenas no Brasil, mas nos Estados Unidos, Europa, Índia, Austrália. E fomos parar também em uma das páginas do Fórum Econômico Mundial, ligada à saúde e bem-estar.
Ultimamente, há muitos estudos que comprovam os benefícios das práticas contemplativas e da meditação. O que você tem visto de novidade nos estudos atuais?
Uma das coisas mais interessantes é poder levar essas práticas para um grande número de pessoas e poder ver o efeito nelas, trabalhar com big data. Isso é possível, por exemplo, com o desenvolvimento de aplicativos de meditação. Nós temos um estudo muito bom publicado dentro dessa área, de uma aluna minha de doutorado, chamada Cássia Coelhoso.
Foi o desenvolvimento de um aplicativo lançado com o nome comercial de “Meditação Natura”, um app de bem-estar que se utiliza de técnicas da psicologia positiva e práticas contemplativas.
Não é só meditação. Foi interessante porque criamos este aplicativo e mais um aplicativo controle para o experimento. Esse app controle estimulava as pessoas a prestarem atenção a como estavam se sentindo no momento, basicamente mindfulness. O aplicativo lançado teve um resultado superior em várias métricas em bem-estar e redução de estresse. Fora do Brasil também existe um grande interesse nisso, inclusive do principal centro de estudos na área, o Center for Healthy Minds da Universidade de Winsconsin-Madison, com Richard Davidson. Ele tem tido grande interesse em levar essas práticas para o maior número de pessoas.
A Covid-19 despertou mais gente para atenção com a saúde mental?
Já era um tema que estava sob os holofotes, mas o fato de estarmos em pandemia fez com que as pessoas tivessem tempo para ir atrás dessas coisas. Tudo que era online foi consumido de forma muito voraz, porque era a única forma de consumo de cursos, aulas e entretenimento. Eu atribuo a isso esse grande boom de busca por aplicativos de meditação.
A busca por aplicativos de meditação implica também na melhora da saúde mental?
Sim, porém sempre que a pessoa está com um transtorno mental ou está precisando de um diagnóstico, ela deve consultar um profissional de saúde mental. Não existe aplicativo nem meditação presencial que substitua um tratamento de saúde mental. Isso é uma das coisas que eu mais tenho falado. Nesses casos, você precisa de um psicólogo ou de um psiquiatra e, provavelmente, de ambos – que é o tratamento mais perfeito para boa parte dos casos.
A prática da meditação pode vir como um coadjuvante, a depender do momento em que você está e do transtorno.
Por exemplo, se a pessoa está deprimida, a meditação não é o mais recomendado porque ela não vai nem ter ânimo de fazer a prática. Os programas que se utilizam de terapia cognitiva associada à meditação, geralmente, vêm como prevenção a recaídas – e não como algo para ser usado durante a crise. Existem alguns estudos indicando essa possibilidade no caso de a pessoa não estar tão prostrada, mas não dá para substituir tratamento por aplicativo, nem por treinamento de meditação presencial.
Em termos de prevenção de perda da cognição e de demências, a meditação é algo que se destaca?
Há muito pouco dado sobre isso. Há estudos indicando que os meditadores tendem a ser mais saudáveis mentalmente. Talvez a prática da meditação seja uma forma preventiva na preservação da saúde da mente. Mas gosto de dizer que meditação não é a única forma de se fazer isso. Atividade física é extremamente exuberante em termos de proteção e como parte do tratamento de saúde mental. Eu acho atividade física fundamental. Escolaridade ou quantidade de anos de estudo, no caso de cognição, tem muito mais evidências do que meditação. Então, não devemos fechar como “meditação é a solução”. Não é uma panaceia.
Na sua opinião, entre os vários benefícios da meditação, qual pode ser destacado?
Conhecer a sua mente. Para isso não basta você usar um aplicativo por quatro ou oito semanas. Conhecer a mente é um processo de vida. Se existe alguma função para a qual as técnicas meditativas possam ter sido delineadas não foi para reduzir estresse, melhorar a depressão, melhorar hipertensão. Foi para ajudar o ser humano a conhecer a sua mente. Esse é o objetivo mais interessante no longo prazo, de um projeto de vida, para se “utilizar” meditação.
Por outro lado, as práticas meditativas ajudam muito nessas duas frentes de combate – estresse e depressão. Você quis dizer que se a gente se conhece, sabe das próprias capacidades e limites, a gente sofre menos com ansiedade e estresse?
Em um contexto histórico, vamos entender que até 100 anos atrás as pessoas estavam mais ocupadas e preocupadas com a sobrevivência. Depressão e ansiedade não eram faladas, porque as pessoas morriam de fome, por infecções. Tem um livro que gosto muito, “Sociedade do Cansaço”, em que Byung-Chul Han comenta sobre o nosso momento atual em relação a algumas décadas atrás.
Ansiedade e depressão estão sob os holofotes porque vivemos em um mundo mais confortável e temos o luxo de elas terem se tornado holofotes em vez da fome e pragas – apesar de agora estarmos com uma praga que é a Covid-19 e, ainda hoje, haver fome.
Então, o que vejo é que essas práticas se tornaram mais faladas na década de 1960, com os movimentos de contracultura. Nos anos 1970, começaram também as pesquisas científicas, sem tanta repercussão quanto agora. Mas muito do que temos de evidências hoje se deve ao trabalho do Mind&Life Institute. Com isso as pessoas estão entendendo que existe uma possibilidade de observar a própria mente, como você funciona e responde emocionalmente e o quanto isso se reflete na qualidade da sua vida.
Você pratica surfe desde 2003 e também trabalha com alguns atletas como – no passado com Filipe Toledo (compete na elite mundial); atualmente com Samuel Pupo (estreante no Circuito Mundial de Surfe da WSL) e o skatista Pedro Quintas (finalista na modalidade skate park nas Olimpíadas de Tóquio), entre outros. Esse trabalho tem a ver com o fato de, ao se conhecer e melhorar a maneira de estar no mundo, o atleta melhora também a própria performance?
Com os atletas, a priori, é um trabalho específico para os campeonatos, mas eles percebem que ajuda na vida. A gente começa trabalhando foco de atenção, estratégias para regulação emocional. Devo dizer que eles não fazem meditação como a gente pratica, por isso que eu disse antes que há outras coisas que a gente precisa fazer. Mas no caso deles, tento adaptar as práticas contemplativas que aprendi ao longo da vida para o contexto do surfe.
Inclusive, como ex-atleta de arte marcial, aprendi muito sobre como a mente e o corpo se relacionam na prática.
Só que na hora que você começa a usar essas estratégias na atividade, percebe que pode utilizar isso no seu dia a dia. Principalmente com os atletas mais novos, tenho feito um trabalho que envolve até os pais, no sentido de o que ele pode fazer em casa para ajudar, para ser útil? Assim, o atleta entende que há outros contextos da vida, além do esporte.
Em 2021, você esteve envolvida na publicação de 10 artigos científicos, somente três deles relacionados a meditação. Entre os outros, qual você destaca?
Tem dois estudos sobre os efeitos na saúde emocional de se ouvir notícias – positivas e negativas – sobre Covid-19. Foi um experimento online: um estudo com profissionais de saúde e outro com o público em geral. Os resultados são bem parecidos. Nos dois casos, o estado emocional do participante é avaliado antes de serem submetidas a um áudio com notícias negativas ou positivas sobre a Covid-19. As pessoas eram sorteadas para entrar em um desses dois grupos.
Depois de receber as notícias negativas sobre Covid, as pessoas demonstraram uma piora no estado emocional após 2 minutos. Quem ouve notícias positivas tem uma melhora em seu estado emocional no mesmo tempo.
E como era um estudo online, não queríamos que ninguém saísse mal, então, demos em seguida, 3 minutos e 20 segundos de relaxamento. O que observamos é que quem tinha piorado o estado emocional por ouvir notícias negativas conseguiu se recuperar, e quem tinha ouvido notícias positivas teve uma melhora no estado emocional com o relaxamento.
Então, vimos que vale a pena você fazer pausas durante o dia, relaxar um pouco para o seu estado emocional melhorar e tomar cuidado com o que você consome de notícia, porque 2 minutos são suficientes para mudar seu estado emocional.
No estudo com o público em geral, ainda vimos algumas associações. Por exemplo, antes de entrar no estudo, as pessoas que praticavam meditação e ioga tinham um estado emocional, de base, melhor do que quem não praticava. Quem fazia atividade física também tinha um estado emocional de base melhor versus quem não fazia. E quem tinha diagnóstico de transtorno mental tinha um estado de base pior do que quem não tinha.
Ter o corpo em atividade ajuda muito na saúde emocional.
Há outro estudo bem interessante sobre compaixão no qual expusemos os participantes a duas condições. Uma delas era lembrar de situações estressoras da vida, enquanto a gente registrava a atividade cerebral e variabilidade cardíaca, uma medida de saúde do coração. A outra era fazer uma prática autocompassiva, algo como: “Você passou por essa situação, mas lembre-se de que você é um ser humano que passa por dificuldades, comete erros, é importante você se acolher”.
Avaliamos a atividade do cérebro usando o fNIRS, um equipamento mais portátil do que a Ressonância Magnética, o que nos permite fazer avaliação do indivíduo menos confinado.
Vimos que houve melhora da variabilidade cardíaca quando a pessoa fazia essa prática autocompassiva e também que diminuía um pouco a atividade de algumas áreas pré-frontais do cérebro, muitas vezes envolvidas com situações estressoras, demonstrando que, durante a prática, a pessoa não estava tão engajada pelas memórias. O que concluímos ali é que 5 minutos de uma prática autocompassiva pode ajudar a melhorar o seu estado emocional, mental, cerebral.
E também do coração, certo?
Sim. Não dá para separar o seu estado mental do seu coração – tanto o órgão físico quanto o coração como símbolo das emoções. Em nosso estudo, não estávamos trabalhando especificamente com hipertensos, mas, se estivéssemos, certamente veríamos variação na pressão arterial. É pra gente entender que a cabeça não está separada do resto do corpo.
É importante as pessoas entenderem que saúde mental não é separada de saúde física e nem que saúde física é separada de saúde mental.
Essa saúde integral demanda um investimento pessoal – atenção, tempo e recurso financeiro para atividade física, exames médicos com regularidade e uso de medicamentos em caso de doenças crônicas. Não é possível ficar saudável ficando sentado em frente a uma tela. Não é possível ficar saudável comendo, o tempo todo, coisas que agridem o organismo. Isso engloba também investir, e muito, nos seus relacionamentos. Você não tem filhos saudáveis se não pode estar presencialmente com eles. É preciso estar com os amigos, com a família e cuidar dos pais.