Ela é uma médica faixa-preta. Não só em relação aos títulos e qualificações de sua profissão, mas no ringue mesmo. A cardiologista e médica do esporte Renata Castro já foi campeã brasileira e panamericana de kickboxing.
Filha de médico e apaixonada por ciência e pelo esporte, interessou-se pelo laboratório de fisiologia do exercício quando era estudante de medicina na Universidade Federal Fluminense.
Definiu suas especializações – clínica médica, cardiologia e medicina do esporte – e fez seu pós-doc em cardiologia pela Universidade de Harvard, após anos de prática médica. Só quando já estava formada resolveu praticar luta.
“A medicina do futuro está na medicina do esporte”, defende ela, que foi eleita, ano passado, fellow do American College of Cardiology (ACC). Essa é a principal honraria da associação – e representa o reconhecimento pelos feitos profissionais de cardiologistas em todo o mundo.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, até 5 milhões de mortes por ano poderiam ser evitadas se a população mundial praticasse mais esporte. Dados da OMS mostram que um em cada quatro adultos e quatro em cada cinco adolescentes não praticam atividade física suficiente.
Por isso, a instituição fez um alerta sobre o risco de uma nova pandemia de problemas de saúde decorrentes do sedentarismo aumentado em 2020, com a Covid-19 e a reclusão de todos nós.
Novas diretrizes, lançadas ano passado, recomendam de 150 a 300 minutos de atividade aeróbica moderada a vigorosa por semana para adultos, incluindo quem tem doenças crônicas ou incapacidade, e uma média de 60 minutos por dia para crianças e adolescentes.
Como cardiologista do esporte, Renata orienta atletas e praticantes comuns de atividades físicas a aumentarem o rendimento, reduzirem o desgaste do corpo e ainda tornarem-se mais saudáveis, aliando exercício, acompanhamento clínico e qualidade de vida.
Renata, que experimentou na pele a vivência de usufruir dos benefícios da medicina do esporte, acompanhou atletas profissionais e amadores de diversas modalidades, como natação, ciclismo, atletismo, triatlon, futebol, remo, vôlei de praia, beach tennis, kickboxing e MMA.
Também atuou como médica em competições nacionais e internacionais, incluindo campeonatos sul-americanos, panamericanos, eventos do UFC (Ultimate Fighting Championship), Olimpíadas de inverno e de verão.
Na conversa com Future Health, ela fala sobre inovações em tratamentos para várias doenças e como os pacientes podem se beneficiar com a medicina do esporte, desmistificando a ideia de que somente atletas de alta performance recorrem a essa modalidade.
Em sua visão, qual a melhor definição para o que é medicina do esporte?
Trata-se de uma especialidade médica que usa a atividade física e o esporte a favor da saúde. É base de um tratamento clínico que cuida dos detalhes de quem pratica qualquer tipo de atividade física. É aquela que prepara o corpo para o seu melhor.
Não há máquina mais eficiente do que o corpo humano – e quanto mais a gente usa, melhor fica.
E acho que essa é a função principal do médico do esporte: transformar o corpo humano no melhor que ele pode ser, não com o uso de medicamentos, mas sim com seu próprio uso.
Ainda é uma especialidade pouco conhecida no país?
Há bastante espaço para a medicina do esporte ganhar mais adeptos entre a classe médica. É uma especialidade reconhecida desde 2003, quando nasceu a Sociedade Brasileira do Exercício e do Esporte.
O que faz, no dia a dia, um médico de esporte?
Varia muito. Tem os médicos que atuam em clubes esportivos; os especialistas em exames, como por exemplo, o teste cardiopulmonar de exercício, o ecocardiograma voltado para esportistas; tem médicos que trabalham com avaliação biomecânica, o que também é bastante comum.
No meu caso, atendo no consultório diferentes perfis de pacientes.
Alguns com doenças que usam a atividade física a seu favor, no seu tratamento Atendo também pessoas que praticam atividade física para evitar doenças, atletas de alta performance e esportistas não profissionais. Como também sou pesquisadora, me divido nessas duas funções.
Quais os tratamentos mais inovadores na especialidade de medicina de esporte?
Não falaria em tratamentos e sim do avanço da ciência em relação à orientação e ao entendimento do efeito do esporte no organismo. Destaco as avaliações genéticas, biomecânicas, cardiológicas aprofundadas, como por exemplo a análise da deformação miocárdica, que são técnicas de cardiografia avançadas. A inovação está na capacidade de avaliar diversos direcionamentos clínicos que podem ser mais assertivos para o melhor tratamento desses atletas ou esportistas.
Em relação ao uso da medicina do esporte para auxiliar a tratar outras doenças, como a ciência tem evoluído nos últimos anos?
Há dezenas de estudos científicos publicados sobre a eficácia da atividade física bem orientada para a saúde. Ressalto os benefícios em cardiologia, oncologia, diabetes, pneumologia, reumatologia e ortopedia. Seguindo uma equipe multidisciplinar de tratamento, incluindo a medicina do esporte, o paciente pode ter uma boa evolução clínica.
Quais os benefícios para uma pessoa comum ter um médico de esporte?
É buscar na prática de exercícios saúde, bem-estar e qualidade de vida. É sair do sedentarismo, é otimizar o tempo para realizar atividade física, tendo os seus maiores benefícios com redução de possíveis riscos à saúde. É importante para o acompanhamento de lesão e avaliação cardiovascular correta.
Além disso, o paciente pode receber orientação adequada para qual tipo de atividade física é melhor para ele.
O médico do esporte é atualmente um dos principais atores para melhorar a qualidade de vida e também a estética física. A pessoa que vai buscar a medicina do esporte também quer ganhar massa muscular e perder percentual de gordura.
O que vem de novidade e inovador nos próximos anos na cardiologia voltada para o esporte?
Sem dúvida é que os pacientes e os esportistas têm cada vez mais acesso aos seus dados de saúde, de competição e de treino. O cardiologista e o médico do esporte precisam estar atentos a isso.
Destaco as tecnologias usadas durante o treino para monitoramento, presencial ou à distância.
São equipamentos que têm ajudado, e muito, no acompanhamento médico para novas tomadas de decisão, por exemplo, com riqueza de detalhes mais personalizados.
Você é uma médica que se tornou atleta, não é? Como é essa história?
Isso mesmo. Comecei tarde, após ter me formado em medicina. Fui atleta de kickboxing, a princípio para me desestressar, mas meu médico na época me incentivou a treinar para competir. E deu muito certo.
Fui campeã municipal, estadual, brasileira e cheguei até o campeonato panamericano, em 2014, na Argentina, conquistando o ouro em duas modalidades.
Ao final de 2015, fui considerada a melhor atleta de kickboxing, mas troquei minhas luvas de competição pelo doutorado em Harvard. E hoje me dedico apenas ao treino duas vezes por semana.
Que alerta você faz às pessoas que recorrem aos anabolizantes?
Hoje em dia, muita gente acha que o médico do esporte é aquele que só prescreve anabolizantes. E não é isso. A medicina do esporte não preconiza o uso de esteroides anabolizantes, não somente pelo doping, que é um problema no esporte profissional, e sim porque é um malefício e um risco à saúde.
É importante alertar sobre os esteroides não apenas pelos efeitos que causam às mulheres, de ficarem com características masculinas, mas também pelos efeitos cardiovasculares.
Eles aumentam o colesterol e causam sérias lesões no coração. Infelizmente, algo que tenho estudado muito – e atendido vários pacientes no consultório – são homens e mulheres que fazem uso de esteroides anabolizantes para competição ou para estética e que já se apresentam com insuficiência cardíaca.