É crescente o interesse de pesquisadores e indústria farmacêutica em realizar ensaios clínicos para avaliar a eficácia dos derivados da cannabis no tratamento de doença e seus sintomas.
O ambiente legal de muitos países, Brasil inclusive, tornou-se favorável à pesquisa e comercialização de medicamentos voltados, principalmente, às doenças raras como epilepsias farmacorresistentes, dor e espasticidade na esclerose múltipla, dores crônicas, cuidados paliativos com o câncer, além de Alzheimer, Parkinson e TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Os números de venda de cannabis medicinal são atrativos para os investidores. Segundo um levantamento feito pela empresa de inteligência de mercado de cannabis Kaya Mind, a regulamentação da planta no Brasil poderia gerar 117 mil empregos e movimentar R$ 26,1 bilhões em quatro anos no país (o cálculo inclui o uso adulto).
Até 2020, segundo relatório da Prohibition Partners, 23.121 pacientes brasileiros utilizavam produtos, farmacêuticos ou não, à base de cannabis com fins terapêuticos. As cifras podem crescer mais de 11 vezes e chegar a 262.088 em 2025.
Os dados só beneficiam as evoluções em tratamentos e diagnósticos. “Pesquisa de qualidade e legislação adequada têm potencializado a velocidade de inovação”, afirma o neurologista Gabriel Micheli, gerente Médico Científico da Health Meds, labtech brasileira especializada em cannabis medicinal.
ESCLEROSE MÚLTIPLA: UMA DAS MAIS BENEFICIADAS
O surgimento de medicamentos derivados da cannabis foi revolucionário para o tratamento de diversas condições.
“Pessoas que convivem com sintomas debilitantes da esclerose múltipla, como dor, espasticidade (aumento da contração, o que provoca enrijecimento muscular) e disfunção urinária, encontram nos canabinoides uma alternativa terapêutica segura e eficaz”, diz Gabriel.
“Estudos conclusivos sobre o tema já foram publicados e, hoje, essa classe terapêutica já está disponível no ‘arsenal’ dos neurologistas que tratam desses pacientes.”
A esclerose múltipla não tem cura e pode manifestar-se por sintomas como fadiga intensa, depressão, distúrbios visuais, fraqueza muscular, alteração do equilíbrio e da coordenação motora, dores articulares, disfunção intestinal e da bexiga.
“Atualmente, mais de 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo têm a doença. No Brasil, já são mais de 300 mil”, afirma Gabriel.
Embora os fitofármacos da cannabis atuem apenas nos sintomas causados pela doença, e não em sua causa, são uma alternativa de tratamento para pacientes que não respondem a outras opções terapêuticas, já que apresentam eficácia com baixo perfil de efeitos colaterais.
O Jama Neurology, importante veículo científico, publicou a avaliação de 17 estudos de derivados de cannabis, incluindo 3.161 pacientes.
As descobertas evidenciaram eficácia significativa nos participantes tratados com canabinoides versus placebo.
Na avaliação sobre a espasticidade, o resultado foi 30% superior em relação aos pacientes que receberam placebo, assim como nas evidências da dor.
O levantamento apontou, ainda, que os participantes que apresentavam disfunção de bexiga obtiveram melhora de até 20% nos sintomas. Os efeitos colaterais foram, em sua maioria, brandos, e o tratamento foi bem tolerado pelos participantes.
Especialistas do mundo todo buscam respostas sobre qual seria a forma de atuação da cannabis nos sintomas cujos resultados apresentam mais evidências.
“O que podemos afirmar, no momento, de forma simples, é que a cannabis medicinal tem múltiplos mecanismos de ação nos neurônios do sistema nervoso central e periférico, que promovem benefícios, principalmente, na dor e na espasticidade em pacientes com esclerose múltipla”, diz o médico.
Segundo Gabriel, existem inúmeros estudos em andamento para analisar a resposta do tratamento com canabigerol (CBG) na esclerose múltipla com a avaliação da melhora dos processos inflamatórios dos pacientes.
A Health Meds foi a primeira empresa a oferecer no Brasil produtos à base de CBG, fitocanabinoide com excelentes propriedades anti-inflamatórias.
COMO A HEALTH MEDS ATUA NO PAÍS
Criada em 2019, a Health Meds produz quatro tipos de óleo em um laboratório próprio localizado na Flórida, nos Estados Unidos.
O cânhamo usado nos produtos é cultivado de forma orgânica, sem fertilizantes, pesticidas ou herbicidas. Seus produtos fitofármacos têm alto teor de CBD (canabidiol) e CBG (canabigerol) e baixo teor de THC (tetrahidrocanabinol). A dosagem está em conformidade com as normas legais brasileiras.
A empresa também tem funcionários treinados para ajudarem o paciente a importar os produtos, o que só pode ser feito mediante prescrição médica e uma autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
POR DENTRO DA CANNABIS MEDICINAL
Cannabis sativa é o nome científico da planta da maconha. A cannabis tem mais de 480 substâncias químicas, e 150 deles são chamados fitocanabinoides, como o CBD, o CBG e o THC.
Essas substâncias conseguem ativar receptores que se encontram na superfície das células e são sensíveis aos extratos da maconha.
Os receptores CB1, por exemplo, encontram-se especialmente em tecidos do sistema nervoso central. Já os CB2 estão relacionados ao sistema imunológico e órgãos como fígado, pâncreas e outros.
Os receptores, com o estímulo, ajudam no equilíbrio de uma série de funções fisiológicas, como memória, humor, controle motor, comportamento alimentar, imunidade, sono e dor. Essa estabilização do organismo é chamada de homeostase.
Seus benefícios são conhecidos há milênios. Há registros do uso medicinal da cannabis do século 1 a.C., na China e na Índia, para vários problemas de saúde.
Mais tarde, o uso recreativo da maconha e a posterior política de combate às drogas ofuscaram os benefícios medicinais – e a planta passou a ser perseguida.
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Em 2015, a Anvisa retirou o canabidiol da lista de substâncias proibidas e passou a autorizar a importação de produtos mediante prescrição médica. Em 2017, o primeiro medicamento à base de CBD, desenvolvido para esclerose múltipla, foi aprovado.
Apesar disso, a cannabis medicinal ainda não é considerada um medicamento no Brasil. As Resoluções da Diretoria Colegiada 327/19 e 335/20, classificam os óleos como um “produto à base de cannabis” ou um “fitofármaco”.
O processo para ser considerado um medicamento passa pela realização de estudos clínicos com o produto, o que pode levar de dois a três anos.
“Apesar de inicialmente ser uma barreira, se faz necessária uma regulação para que a marca seja validada no mercado interno com o resultado científico”, afirma Eduardo Rydz, diretor de Acesso ao Mercado, da Health Meds.
“Esse procedimento passa a ter, também, um reconhecimento internacional.”
Parte da produção da planta já pode ser feita no Brasil, desde que a empresa importe o insumo farmacêutico.
Como ainda é necessário um componente de importação, cabe a cada empresa, dentro de sua estratégia de negócios, definir o melhor modelo.
“Uma produção 100% no Brasil requer definições na lei sobre o cultivo e outros desdobramentos que estão sendo discutidos no PL [projeto de lei] 399/15”, explica Leandro Rocha Neto, diretor de Novos Negócios da Health Meds.
“Ou seja, ainda teremos um bom tempo de discussões e definições ao longo dos próximos anos”, prevê.