• “Se estivesse em qualquer país e precisasse de neurocirurgia, viria a São Paulo”, diz microcirurgião Feres Chaddad Neto

    Feres Chaddad Neto é neuromicrocirurgião
    Jose Renato Junior | 6 dez 2021

    São muitas as motivações que podem levar alguém a encarar o desafio de ser médico. Histórico familiar, propósito, retorno financeiro estimado. Nenhuma dessas foi a de Feres Eduardo Aparecido Chaddad Neto, o principal nome do Brasil quando o assunto é microcirurgia.

    “O meu sonho era ser jogador do Corinthians. Eu fui treinar, passei na peneira quando eu tinha 14 anos, só que, por uma fatalidade do destino, eu quebrei o braço duas vezes. Aí minha mãe falou: ‘Então estuda pra ser médico do time’. Por isso que fiz medicina: me inspirei no dr. Sócrates, meu ídolo de infância com quem tenho fotos e coleção de autógrafos”, conta, divertido. 

    O que fez Feres mergulhar no complexo e minucioso mundo da microcirurgia foi mais do que somente a paixão pelo time, é claro. Esse encontro se deu também na juventude: ainda no primeiro ano, durante uma aula de neuroanatomia, ele conheceu o que viria a ser o seu verdadeiro dom. 

    “Foi paixão à primeira aula. Eu tinha um raciocínio muito rápido, não precisava nem estudar, as coisas simplesmente vinham, e isso me chamou muito atenção”, relembra. 

    “Eu também admirava muito meu professor, tanto que no meu primeiro ano eu já virei monitor da disciplina e, no ano seguinte – e até o sexto – me tornei uma espécie de auxiliar dele.”

    O curioso é que, geralmente, anatomia e neuroanatomia são oferecidos em uma mesma disciplina em grande parte das escolas de Medicina do país. Mas não na PUC Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), onde Feres estudou. 

    “Acho que eu tinha que entrar lá mesmo para descobrir o meu dom, quase como destino. Prestei a residência por lá também”, diz.

    MAIS DE 100 PROCEDIMENTOS TODOS OS ANOS

    Com esse início de carreira um tanto mágico e permeado por muita paixão, o sucesso derradeiro era praticamente uma consequência natural.

    Hoje, ele assume postos de prestígios como professor e chefe da disciplina de Neurocirurgia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), professor do programa de pós-graduação e coordenador do Laboratório de Anatomia Microneurocirúrgica da mesma instituição.

    Feres ainda atende em seu consultório particular e atua na área na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, especialidade que fez a instituição ser eleita em primeiro lugar no Brasil e em 32ª no mundo como melhor hospital especializado, segundo o ranking da Newsweek 2022. 

    O cirurgião, que desenvolveu métodos próprios que se tornaram referência mundial, tem mais de 20 anos de atuação em tratamento de aneurismas, malformações arteriovenosas cerebrais, epilepsias e tumores no sistema nervoso. São mais de uma centena de procedimentos por ano, no Brasil e no mundo.

    “A neurocirurgia do Brasil, de São Paulo, não deve nada à praticada em nenhuma parte do mundo. Pelo contrário: se eu tivesse qualquer problema na Europa ou nos Estados Unidos, eu viria ao nosso país”, acredita o especialista. 

    “Na cidade de São Paulo, a microneurocirurgia é número 1 – isso no que diz respeito ao ato cirúrgico, e não de outros atos multidisciplinares. E falo por experiência, porque eu já fui operar em vários lugares do mundo, vou todo ano”, revela. 

    Para o dr. Feres, “quem trabalha é o cara que nasceu pra fazer uma coisa e faz outra”. “Eu não trabalho, eu me divirto”, ele atesta. 

    “Não sou médico, sou neurocirurgião. Ir para uma cirurgia é o que me dá prazer, como para outras pessoas é a festa, a viagem. Eu nasci pra isso e me dá uma satisfação violenta. Quando estou criando, as coisas vêm à cabeça, a mão funciona.”

    ESTREITANDO LAÇOS: O QUE FAZ O MICRONEUROCIRURGIÃO?

    Feres Chaddad Neto conta que o que ele faz é a microneurocirurgia – ou, segundo sua explicação, “a microcirurgia dentro da cirurgia”. 

    “É a cirurgia que se faz com a utilização do microscópio neurocirúrgico. Qual é a diferença de uma microcirurgia para uma normal? Ela é formada por um time que envolve o cirurgião e sua equipe – na equipe da microcirurgia, tem áreas dentro de uma cirurgia”, afirma.

    “No meu grupo, eu tenho um pessoal que faz a incisão na cabeça, que fecha essa incisão e eu atuo no tratamento do cérebro. Ela é uma cirurgia delicada, que envolve a destreza da sua mão sob uma visão microscópica”, ele continua. 

    “Se hoje sou uma referência mundial na área é por causa da habilidade. Microcirurgia envolve habilidade, não só conhecimento.”

    A mão do microcirurgião precisa seguir preservada e sem tremedeiras ou espasmos involuntários, por isso ela é poupada do trabalho de fazer as incisões na cabeça. 

    Há, ainda, muitos outros agentes envolvidos em uma operação tão delicada. “É preciso um neuroanestesista e estar em um hospital que tenha uma sala cirúrgica equipada para isso, com uma mesa cirúrgica adequada.”

    O posicionamento do paciente é importante na neurocirurgia. Uma pessoa que vá passar por uma cirurgia no tórax, por exemplo, fica sempre na mesma posição. Já no cérebro não – sua posição pode mudar dependendo da área a ser acessada. 

    Pinças, tesouras, aspiradores, tudo isso é parte de uma gama de materiais delicados envolvidos no processo, cujo erro mínimo pode causar alterações drásticas. Portanto, é preciso ter ainda bons enfermeiros que entendam de microcirurgia, como conta Feres. 

    AS NOVAS TECNOLOGIAS ENVOLVIDAS NO PROCESSO

    Há ainda tecnologias novas e de ponta envolvidas em uma microcirurgia de respeito, dessas que Feres e sua equipe estão envolvidos. 

    É o caso da monitorização eletrofisiológica, que vai fornecendo para o médico as funções do cérebro a todo momento. Isso reduz muito as chances de o paciente ter uma sequela, por exemplo. 

    “Hoje também temos microscópios muito poderosos. A Beneficência Portuguesa, na minha opinião, tem o melhor do mundo – e ele tem todas as funções, tanto de coloração dos vasos quanto de coloração dos tumores”, conta o médico. 

    “Eu consigo verificar a função dos vasos cerebrais e visualizar o fluxo do seu interior ao longo do processo.” 

    O endoscópio também passou a entrar em cena para questões neurológicas. “Muitas das cirurgias, como tumores na hipófise, nós fazemos pelo nariz”, conta. 

    Contar com um neuropsicólogo que auxilie aquele paciente no processo, tanto no pré, quanto no durante e também no pós-operatório, é de suma importância.

    “Atualmente, algumas cirurgias fazemos com o paciente acordado, o que envolve a presença de uma neuropsicóloga que prepara esse paciente para o ato operatório”, explica. 

    “Durante a abertura da cabeça ele está dormindo e então ele desperta durante a operação. Quando [a cirurgia] é na área da linguagem, por exemplo, se o indivíduo tiver condições de estar acordado, é melhor”, conta. “Mas se ele começa a tossir, ficar agitado ou nervoso, o cérebro incha e isso complica a cirurgia.”

    Por fim, mas não menos importante, é importante ter uma terapia intensiva adequada e preparada para receber um paciente neurológico. 

    “O intensivista precisa deixar esse paciente em condições adequadas e saber intervir em intercorrências. A cirurgia envolve desde a entrada do doente até a saída.”

    PROCESSO ATUAL É “MINIMALLY INVASIVE

    Assim como ocorre em outras áreas da medicina, a neurocirurgia também busca o mínimo de intervenção possível. Atualmente, a equipe do dr. Feres não raspa mais o cabelo do paciente se não for necessário – faz somente um corte pontual, na região onde irá ocorrer de fato a incisão. 

    “Hoje a gente preza pelo ‘minimally invasive‘, o minimamente invasivo. O que se faz hoje são incisões menores, abordagens menores e com uma manipulação cada vez menor do cérebro”, explica.

    Outra coisa discutida e também bastante evoluída é a participação das pesquisas genéticas. 

    “Na microcirurgia, o ideal é rescindir totalmente para ter uma melhor resposta ao tratamento complementar. No caso dos tumores, esse tratamento seria radioterapia e quimioterapia – e, hoje, o que se avança muito são as terapias genéticas”, afirma.

    “Temos pacientes com tumores cerebrais que têm o tempo de vida prolongado graças às terapias imunogenéticas”, explica. 

    O HOMEM POR TRÁS DO MÉDICO

    Além de médico, Feres Chaddad Neto é professor – sua segunda paixão. “Nasci pra ser cirurgião e professor”, ele conta. 

    “Meu sonho era lecionar em uma universidade. Quando passei no concurso da Unifesp em 2012, foi uma realização de criança. Fora que isso me abriu muito as portas, me deu uma carreira acadêmica que reflete na vida privada”, afirma o cirurgião. 

    “Hoje eu tenho uma produção científica muito grande, publico arquivos nas principais revistas de neurocirurgia do mundo – tenho mais de 70 artigos científicos publicados. Só neste ano já saíram nove. E ainda vou lançar meu primeiro livro de microcirurgia, em português e inglês”, orgulha-se.

    Por ser também professor da pós-graduação, ele hoje comanda um dos maiores programas de especialização e aperfeiçoamento de neurocirurgia vascular do mundo, com fellows que o acompanham de várias partes do mundo. 

    “Eu não opero com rapidez: não tenho compromissos para depois de uma cirurgia, só para antes”, relata. 

    “Isso porque o ato operatório é o principal do meu dia. Independentemente do tempo que for levar, se demoro uma ou 20 horas debaixo do microscópio, tenho sempre que me comportar da mesma forma: na vigésima hora tenho que estar como na primeira, porque um cansaço pode colocar tudo em risco.”

    Ao final da cirurgia, Feres agradece ao paciente diretamente. “Tenho que agradecer pela satisfação de salvar uma vida”, afirma.

    “Tenho prazer em fazer isso. Quando opero no sistema público, opero da mesma forma que faria no privado. Faço questão que todos meus residentes atendam de gravata e jaleco, porque um paciente que não tem recurso tem que ser atendido da mesma forma”, continua o médico.

    “Aquele paciente espera muito tempo e olha para você com gratidão. Sempre fiz também o curativo do paciente, porque ele é um reflexo do trabalho que você fez no cérebro.”  

    Mas nem só de medicina vive Feres Chaddad Neto. “Adoro assistir futebol, jogo tênis às segundas-feiras e amo ficar com a minha família”, enumera. 

    “Vou ao cinema e ao teatro com a minha mulher e minha filha e adoro um bom restaurante. Gosto muito de viajar, tenho uma média de 23 viagens internacionais ao ano a trabalho – mas, em janeiro, gosto de tirar férias com a minha família.”

    Mas não tem jeito: se a microcirurgia é sua maior paixão, é também sua principal preocupação. 

    “Não posso carregar peso, por exemplo, porque a minha mão vai tremer na cirurgia. É preciso também praticar a minha inteligência emocional, pois toda cirurgia é um desafio. Faz parte do jogo.”

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