Quase 70% do custo da saúde estão relacionados às doenças cardiovasculares crônicas. Silenciosas, elas manifestam seus sintomas geralmente quando a pessoa tem por volta de 50 a 60 anos, quando já estão instaladas e a capacidade de modificá-las já é muito pequena.
Quase tudo o que se faz em medicina hoje é em relação à média. Vivemos, segundo o oncologista clínico Fernando Moura, co-coordenador médico do Centro de Medicina de Precisão do Hospital Israelita Albert Einstein, “a era da medicina baseada em evidência, que é muito regulada em um parâmetro standard, padrão”.
O tratamento que funciona para um grupo de pessoas, por exemplo, é usado como padrão.
O modelo, no entanto, tem problemas.
Há no mercado três tipos de drogas blockbusters para reduzir a pressão arterial. Os inibidores da conversão da enzima da angiotensina, ou inibidores de ECA, funcionam para 10% a 30% dos pacientes. Os betabloqueadores, para 15% a 25% e as estatinas, para 30% a 70%.
Ou seja, há lacunas em todos esses tratamentos. Por isso, um dos sonhos dourados da medicina é não apenas desenvolver estratégias para detectar precocemente as patologias, mas também poder oferecer o tratamento adequado para cada paciente, de forma personalizada.
A medicina de precisão é uma abordagem emergente que vem nesse sentido e leva em consideração a variabilidade dos genes de cada pessoa.
De acordo com Fernando Moura, ela é baseada em três pilares, que ele chama de 3P: predição, que identifica os riscos do paciente desenvolver determinadas doenças; prevenção, que adota medidas para evitar o aparecimento de doenças; e precisão no tratamento, para evitar efeitos colaterais e melhorar o desfecho da doença.
O tema foi assunto do I Simpósio Internacional Einstein de Medicina de Precisão, evento online que aconteceu em outubro, com a presença de especialistas do corpo clínico do hospital e do City Of Hope, um dos principais centros independentes do mundo no estudo e tratamento do câncer.
Segundo Fernando, a abordagem vem revolucionando completamente a prática médica ao permitir exatidão nas estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças.
Além disso, gera mais sustentabilidade ao sistema de saúde – por meio do sequenciamento genético, é possível identificar a melhor forma de tratar cada paciente, evitar exames desnecessários e, mais que isso, tratamentos que não vão ter o efeito desejado.
As informações geradas por esses sequenciamentos, além disso, formam bancos de dados que servem de suporte para análises, estudos e novos protocolos.
O Einstein vem implementando o “Projeto Genomas Raros” por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).
O programa faz sequenciamentos de genomas completos em brasileiros com doenças raras e risco hereditário de câncer e pretende estabelecer padrões para os projetos futuros em genômica humana no SUS.
O Einstein está lançando este mês também o Predicta, teste genético preditivo de risco que avalia o risco individual para o desenvolvimento de vários tipos de câncer e várias outras condições hereditárias.
O teste ainda fornece dados sobre o perfil farmacogênomico do indivíduo, com informações sobre metabolização de vários medicamentos, como antidepressivos e analgésicos, medicamentos oncológicos e cardiológicos, entre outros.
Além disso, ele oferece informações sobre ancestralidade, que revelam traços de similaridade do DNA com diversas etnias ao redor do globo, e inclui consultas médicas e acompanhamento anual com médico geneticista, ao longo de cinco anos, para atualização dos dados de saúde e genéticos.
“Sei que muita coisa da medicina de precisão parece ainda meio futurístico, exercício de futurologia, mas tenho que dizer que ela já está acontecendo”, diz Fernando. Leia abaixo a entrevista que ele deu a Future Health sobre o tema.
O que a medicina de precisão pode fazer por nós?
A medicina de precisão está relacionada ao que chamamos de 3P: predição de risco, prevenção por rastreamento e personalização no tratamento. Imagine alguém que tem câncer de pulmão e fez uma biópsia. Essa biópsia vai para uma lâmina, que é examinada pelo patologista. Ele dá o nome da célula para mim, baseado na imagem que ele enxerga. Uma máquina tem condições de aprender isso. Mas a máquina pode aprender se aquilo é grave ou não é grave dentro do “dicionário de câncer”, ou seja, se é um câncer biologicamente mais agressivo ou menos agressivo.
O patologista informa a gravidade, mas baseado no que está vendo e não num conteúdo de centenas, milhares de casos, que a máquina aprendeu e que vai apoiar o profissional na decisão e no que ele está laudando.
A gente faz medicina de precisão baseada em um elemento para tratamento personalizado. Mas a máquina tem condições de nos dar inúmeras outras informações além da mutação, por exemplo: o paciente com câncer com determinada mutação A pode ser obeso ou magro, pode ser caucasiano ou asiático, pode ser negro ou branco. Ele pode ter inúmeras situações de concomitâncias.
Hoje falamos de medicina de precisão, mas tenho certeza de que em breve vamos começar a falar de medicina de precisão de precisão, vamos começar a dar nome para a precisão porque vamos aprimorá-la.
Em seis meses já vamos olhar diferente para o que está acontecendo para trás. E isso já acontece para determinados tipos de câncer de pulmão. Nós já sabemos que tem uma mutação, mas ela não se comporta igual, depende do parceiro de fusão dela. É muito técnico, mas só quero dizer que nós vamos começar a analisar dados de dentro da mutação para tornar o diagnóstico ainda mais preciso do que só dizer: existe uma mutação.
O que, de fato, já está sendo feito em relação à medicina de precisão aqui no país?
Vamos pegar o contexto histórico. Você certamente deve ter alguma conhecida que teve câncer de mama. Por volta de 1860, a supressão da produção hormonal foi identificada como uma forma eficaz de tratar a doença. Inicialmente essa inibição envolvia a retirada dos ovários. Posteriormente, o tratamento com tamoxifeno tornou-se uma alternativa não cirúrgica para controlar o câncer de mama através do bloqueio hormonal. De alguma forma, essa já era uma maneira de tratamento com medicina de precisão.
Com a medicina daquela época, a medicina de tentativa e erro, você dava uma medicação para ver o que acontecia. Deu certo num indivíduo, você ia para o segundo, e assim a coisa ia ganhando escala.
Obviamente que houve acidentes terríveis ao longo da história, talvez o mais clássico deles é a talidomida. Seus parentes mais antigos devem contar que davam talidomida para a grávida não ter enjoo, e então os bebês nasciam com malformações. E esse era o pecado da tentativa e do erro, porque não aferia toxicidade inerente àquilo que estava sendo feito.
E aí veio a era da medicina baseada em evidência, que é muito regulada em um parâmetro standard, padrão, e em uma inovação que é testada em paralelo.
Obviamente que tudo isso é muito bem controlado em inúmeras fases que levam a segurança a rigor até o ponto em que a gente consegue implementar uma inovação. É onde a gente está hoje. Em paralelo, está acontecendo a medicina baseada em dados, na qual a gente consegue, através do conhecimento de dados de um mundo real e de dados de estudos clínicos, que são esses baseados em evidência, compilar esse dado, tratá-lo – obviamente, com critério, ética e segurança – para concluir algumas coisas e, a partir disso, beneficiar o sistema como um todo.
No início do século 19, a evolução se dava pela tentativa e erro. Atualmente, estamos caminhando para o uso de inteligência artificial, modelagem e aprendizado de máquina como forma de buscar constantemente novos conhecimentos.
O que a gente está fazendo é trazer dados de uma série de indivíduos, de uma série de locais, para uma estrutura única, e tratar esses dados de modo a deixá-los pareados e uniformizados. E aquilo vai trazendo a capacidade para a máquina fazer análises guiadas, obviamente, sempre pela nossa inteligência humana, caso contrário fica uma impressão de que a máquina vai passar a fazer tudo sozinha.
Sei que muita coisa da medicina de precisão parece ainda meio futurístico, exercício de futurologia, mas tenho que dizer que ela já está acontecendo.
E acontece no Brasil, acontece no hospital, algumas pontas vão acontecer em breve, logo menos no serviço público – é só a gente ter uma modelagem e provar que custa mais barato fazer isso do que o que é feito hoje. Então tem muita coisa que vai caminhar em poucos anos, à medida que a gente começa realmente a fazer em maior escala o que já faz hoje em pequena escala.
Você pode dar um exemplo prático?
Sim. O indivíduo vem com gripe, suspeita de Covid e vai para tomografia. Ela descarta Covid, mas encontra lá um nódulo suspeito. O que fazer com esse nódulo? Biopsiar, acompanhar com outra tomografia, depois de um determinado tempo. Essa é a prática usual. Mas a gente pode aprender com a densidade da imagem tomográfica, baseados num gabarito que já foi acumulado de casos semelhantes, se aquela imagem é altamente suspeita, pouco suspeita e até mesmo chegar num diagnóstico sem biopsiar, só pela densidade da imagem. Isso é só uma das coisas que a gente vai passar a fazer com esse acúmulo de dados e acúmulo de pixels que a gente vai ter capacidade de olhar.
Mas o que a gente faz de fato hoje em dia? Já existem análises e testes para indivíduos saudáveis com os quais a gente consegue, por exemplo, rastrear genes de risco e de susceptibilidade para determinadas doenças.
Por exemplo: câncer, doença cardiovascular, doenças metabólicas, doenças endócrinas, doenças da imunidade. Se você detecta que aquele gene está estritamente relacionado a uma mutação enquanto saudável, podemos propor ações que são desde medidas preventivas, mudanças de hábitos de vida – como alimentação, atividade física – ou mesmo tomar ações profiláticas. O exemplo clássico que a gente mais conhece é o da Angelina Jolie, que fez um desses testes lá em 2013, detectou uma mutação que é relacionada a câncer de mama em 80% das vezes, e tomou uma decisão, para aquele momento bem radical, porque não se falava tanto nisso, de fazer uma mastectomia profilática das duas mamas. Veja: a mãe e a avó tinham tido câncer de mama, ela testou positivo para o gene que se relaciona ao câncer de mama – e então foi lá e operou.
De lá para cá, o que Angelina Jolie fez se tornou uma rotina, a gente aconselha isso aqui no nosso centro de genômica. E assim vai ser com vários outros tipos de doença.
Um dos genes que a gente testa muito, e por coincidência hoje de manhã eu estava tendo uma reunião com a cardiologia sobre isso, é um relacionado à morte súbita. Em junho, na Eurocopa, num jogo de futebol [contra a Finlândia], o craque da Dinamarca [Christian Eriksen] teve uma parada cardíaca em campo. A gente tem exames hoje que predizem, por exemplo, esse tipo de gene para diabetes, para infarto, para colesterol, para doença cardíaca que causa uma hipertrofia do coração levando à insuficiência cardíaca, para vários erros de metabolismos. Então existem várias ações que, diante desses testes e num simples tubo de sangue, demonstram alterações no genes.
O Einstein lança agora em novembro o primeiro dos nossos, chamado de Predicta, que examina 563 genes.
Temos uma série de análises que são preditivas em relação a eles. Uma outra frente em que a medicina de precisão atua é na predição de doença em populações. Por exemplo: conseguimos rastrear populações que são suscetíveis a determinadas doenças em determinadas regiões.
Em relação ao câncer, quais tipos já podem se beneficiar de verdade hoje da medicina de precisão?
Quando falamos de câncer, já há cinco formas de rastreamento documentadas como eficientes: pulmão, próstata, colorretal, colo uterino e mama. Cadê os outros duzentos tipos de câncer? Nós não temos dados. Em 2022, no mais tardar 2023, teremos à disposição testes de fragmentos do DNA do câncer, que podem ser identificados num simples exame de sangue, a chamada biópsia líquida. E como resultado, poderemos entender probabilidade aumentada para determinados tipos de câncer, como por exemplo câncer de esôfago e câncer de pâncreas. A interpretação desse exame tem base em um gabarito, gerado a partir de indivíduos com as mesmas alterações genômicas que tiveram a doença.
À medida em que um dos pacientes é identificado, ele contribui para o gabarito ser aprimorado. E então vai desenvolvendo aprendizado de máquina.
Como você está rastreando e tratando precocemente, sua curva de sucesso vai subindo. Imagina que pegaram um indivíduo que teve câncer diagnosticado e sequenciaram o tumor dele. Sequenciar significa colocar num aparelho que vai ler o DNA do câncer. Obviamente existe um erro ali, caso contrário não seria câncer. Identificado esse erro, temos algumas poucas estratégias – mas que, quando identificadas, são muito eficientes para combater o câncer de maneira individualizada. Ou seja: eu consigo identificar onde está a falha e, a partir de um remédio, corrigir essa falha de uma maneira muito mais eficiente, com muito menos toxicidade, muito mais sobrevivência de longo prazo, do que a quimioterapia, que era a ferramenta padrão nossa até então – e eu estou falando de quatro, no máximo oito anos, de 2021 para trás.
Qual o maior desafio para o acesso disso tudo para pacientes do SUS?
A loucura é esta: aceitamos pagar muito para tratar poucos, e esses poucos estão graves. Porque isso não é só com câncer, é com cardiologia, endocrinologia… É muito pouco provável abrir uma porta de um consultório no SUS escrito “diabetes” que vá pegar o paciente com diabetes inicial. Ele já vem com graves situações em paralelo, porque rodou a rede por muito tempo e não conseguiu ter o acesso adequado aos tratamentos mais modernos ou porque demorou muito para chegar no tratamento de qualidade, e aí a coisa começou a complicar. A gente vê isso acontecendo com tudo. Então aceitamos internar um doente como esse, que está com uma infecção grave na perna por falta de circulação, levá-lo para a mesa de cirurgia, colocar uma ponte intravascular e dar alta para ele já debilitado, mas com uma endoprótese, para melhorar o fluxo sanguíneo para o membro, causado pela deficiência e pelo acúmulo de gordura dentro da artéria – tudo em virtude do diabetes grave.
Mas não aceitamos fazer um teste de sangue que vai dizer que ele vai ter diabetes, ou monitorar o diabetes dele de uma maneira sistemática.
Tem um colega que trabalha comigo, Leonardo [Pinto de Carvalho], que cuidou de todos os dados da cidade-estado de Singapura. Lá, se o diabetes do paciente altera, eles detectam essa alteração de várias formas e ativamente vão até o paciente e falam: o que que está acontecendo aqui? No Brasil, internamos em serviços de excelência em endoprótese, instalamos os dispositivos, gastamos uma fortuna. Então é essa conta que vai precisar ser modulada, é trazer esse valor aplicado lá na frente de modo pesado na prevenção, na metodologia. É preciso competência, de todas as formas: do serviço, das pessoas e da estrutura. Você vai me falar: mas é muito fácil falar, e executar, como é? Olha, não é fácil, estamos falando de um ambiente muito grande num universo enorme.
Mas o Einstein tem um hospital público chamado Vila Santa Catarina, um hospital de mais de 300 leitos, gerido com o mesmo corpo clínico em geral.
Eu, por exemplo, faço lá um trabalho voluntário uma vez por semana. E a diferença é nenhuma: o que fazemos lá é o que a gente faz aqui. Depende de competências múltiplas. O preço ainda é impeditivo. Mas não dá para fazer testagem em todo mundo do painel que a Angelina Jolie fez para entrar com prevenção nesse sentido? Eu acho que essa conta fecha se elegermos a população e levarmos essa população de risco para testagem dentro de um centro de excelência. Não dá para fazer no posto de saúde de qualquer bairro, mas você criando um fluxo e organizando esse fluxo, talvez feche a conta, porque é mais barato você testar e reprimir a doença do que tratar a doença avançada.
E é nesse ponto de debate que estamos hoje.
A gente sempre precisa lembrar da escala, porque um teste, um exame, ele custa x para um, mas ele vai custar talvez um pouco menos ou muito menos para mil. E é uma questão de otimização. Mas aqui entram os desafios da gestão pública.
A medicina de precisão é a resposta para tudo?
Não é resposta para tudo. Talvez eu não saiba responder sua pergunta com os olhos de 2050. Talvez lá em 2050, ela vá ser a resposta para tudo. Você deve conhecer casais que vivem juntos e que um deles contraiu Covid, o homem ou a mulher, ou o homem e o homem. Um dos dois contraiu e o par, não. O que explica isso? Um banco de dados inglês, olhando para isso, identificou algumas variações em um cromossomo, o número três, que estão ligadas à motilidade ciliar, os cílios do pulmão, por exemplo, que podem ter uma dificuldade maior diante da contaminação com o novo coronavírus. É exploratório isso, não dá para concluir nada. Mas imagine que, se isso realmente for comprovado, do ponto de vista científico, é possível mapear essa alteração do cromossomo três e eventualmente prevenir o indivíduo com mais shots de vacina, com um intervalo menor, para que ele não tenha a gravidade lá na frente, se ele vier a ter infecção.
Com isso, começamos a olhar para o indivíduo, não para a população.
Conforme vai passando o tempo, a gente vai aprimorando o conhecimento e vai conseguindo selecionar melhor. Isso explica por que, por exemplo, em alguns casos a quimioterapia funciona para 10% das pessoas, e não para 90%. O remédio funciona para um e, baseado naquilo que o indivíduo tem, você tratava o que a população tinha. Era essa a forma de conhecimento. Quando hoje olhamos para trás e pensamos que os caras colocavam uma sanguessuga para tratar pressão alta, cortavam o pulso para sangrar e diminuir a pressão, pode parecer um absurdo. Mas, desculpa, é o que eles tinham para fazer naquele momento. E operar apêndice, como é que faziam? Tinham seis cirurgiões, um só cortava, os outros cinco seguravam os membros, porque não tinha anestesia.
Talvez em 2200 olhemos para trás e digamos: olha que insanidade, eles faziam quimioterapia para todo mundo, era todos loucos.
A resposta para a sua pergunta hoje é: não, medicina de precisão não é necessária para todo mundo, mas talvez lá na frente, em 2050, a gente vá olhar para trás e falar: a gente faz para todo mundo já. Uma evolução e o conhecimento da inovação na medicina demoravam anos até serem implantados na prática, no dia a dia. Hoje está levando meses. Vai chegar o momento em que vai levar semanas. E a gente vai incorporar as tecnologias de uma maneira muito mais rápida do que no passado. E vai ganhar dados e informação. A coisa não para, sabe?
O jornalista Daniel Schneider escreveu um artigo para a gente em que conta que um parente fez um sequenciamento genético e descobriu uma variante que não é grave, mas que pode, em determinadas situações, matar: como no caso de usar substâncias como cloroquina. A medicina de precisão ajuda em casos assim, certo?
O outro coordenador médico aqui do Instituto de Medicina de Precisão, doutor João Bosco, tem muito interesse nessa área de farmacogenômica. Essa é a área de estudo antes de dar o tratamento para o paciente, que avalia qual é o gene de suscetibilidade, de maior toxicidade do tratamento. E já conhecemos alguns genes que são preditores de maior efeito colateral de vários tipos de remédios. Isso tudo pode ser coletado de imediato e ficar armazenado, por exemplo, em seu prontuário eletrônico. Então pode ser que você nunca precise de um remédio para pressão alta, mas, se um dia precisar, a gente vai ter em seu histórico quais são os genes ligados a essa condição farmacogenômica que poderiam trazer a você um efeito indesejado.
Ou o efeito desejado?
Exato. E, através disso, vai ser possível traçar uma estratégia de tratamento. E você pode me falar: o conhecimento de hoje não vai ser o mesmo de daqui 30 anos. É verdade. Mas pode ser que em 30 anos eu não precise repetir o exame, eu só vou aprimorar o conhecimento a partir da informação que já tinha lá atrás, para o conhecimento de dados adquiridos ao longo desse tempo. Tudo se torna complemento na informação. Muitos dos testes que a gente faz hoje, por exemplo, podem determinar resultados que são de significância incerta para a gente – ou seja, a gente não sabe se eles são, por exemplo, candidatos no futuro a serem uma informação ruim ou não.
Com o passar do tempo, o que é significante e incerto pode se tornar informativo para alguma condição de malignidade, por exemplo.
E aí você vai ser informado, com base no seu passado, que naquele momento você tem um risco para determinada doença. E é essa a proposta desse nosso teste: ele vai monitorar o indivíduo que fizer o teste por cinco anos, acompanhando a evolução da ciência, para justamente se, em algum momento, em algum ponto desses cinco anos, a informação modificar para bem ou para mal. E ele será informado se está correndo risco ou se deixou de correr um risco.
Vamos chegar ao ponto de Singapura?
Isso é viável, e eu tenho convicção que, obviamente, fazendo de uma maneira adequada, indicado de modo correto, você consegue fazer a gestão da população com muito mais eficácia do que ficar correndo atrás e publicizando. Porque é o que a gente faz, no fim das contas. “Temos o serviço de excelência em transplante cardíaco”. Ótimo, é uma cirurgia enorme, uma inovação. Mas espera um pouquinho: você pode evitar de chegar até o momento de precisar de um transplante.
O que você gostaria que acontecesse em um futuro próximo em relação à medicina de precisão?
Hoje, com o conhecimento de 2021, acho que sequenciar as pessoas. A partir disso, você constrói uma tábua de resultados gênicos prováveis. É certeza que o indivíduo vai ter aquilo ou não? Não é certeza, então você não precisa abrir todas as informações para o paciente. Por exemplo: descobre-se um gene que, se a pessoa fumar, tem risco maior de ter câncer de esôfago. E então você pode intervir nesse indivíduo para que pratique atividade física, tenha uma vida saudável e não fume em hipótese alguma.
Ou, diferentemente, você vai abrindo caixas conforme a necessidade: a pessoa tem genes ligados à velhice que dão risco maior de Alzheimer.
Porque você vai contar para uma criança de cinco anos ou para o pai dela que tem 25 que o gene dela está relacionado ao Alzheimer aos 60? Você tem que contar conforme a evolução da vida dela. Porque talvez, quando essa criança tiver 60 anos, o Alzheimer já tenha cura. Então o ideal seria ir abrindo os resultados para o paciente na medida em que haja alguma exposição que exija essa atitude de intervenção. O Robert Green, professor da Harvard, usou essa frase no congresso que o Einstein fez agora em outubro: no futuro, todos os indivíduos serão sequenciados para os seus riscos das doenças mais prováveis. Faz todo sentido.
Minha avó teve três irmãs com Alzheimer. Eu preciso saber se tenho esse gene ou isso vai apenas criar em mim uma ansiedade?
Esse é um ponto importante. Hoje, para muitas das alterações gênicas que a gente identifica, nós não temos ação. Identificamos um risco e nossa ação pertinente é mudança de hábito de vida. Qual é a forma de você evitar a aterosclerose aos 60 anos? É ter uma alimentação saudável, praticar esporte, atividade física, ter uma vida livre de estresse, se é que é possível, ou com menos estresse. Você consegue fazer a intervenção da modificação do estilo de vida. Ou então: existe a estatina, que previne depósito de placa de gordura na artéria. Talvez logo menos, ao identificar um gene como, por exemplo, do Alzheimer, já exista uma medicação que não vá tratar a doença instalada, mas vai evitar ou reduzir o risco relativo de ela se instalar. E essa pode ser a forma de prevenirmos a doença de maneira mais efetiva. Isso tudo está sendo pesquisado. O mundo não dorme atrás de respostas como essas, não só para Alzheimer, mas para uma série de coisas, uma série de doenças.
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