Josier Vilar é um médico que ajuda outros médicos. Desde 2016, ele dirige o IBKL, organização que auxilia hospitais e clínicas com treinamento e capacitação.
Um dos métodos que ela oferece é a simulação realística, uma recriação de situações críticas que conta com atores, equipamentos médicos e simuladores em um ambiente controlado.
Em 2018, esse “Riomaníaco”, como ele se descreve, assumiu a presidência da recém-criada Iniciativa FIS, um ecossistema de lideranças do mercado de saúde que organiza uma série de eventos, conecta gestores e empreendedores, divulga novos negócios de startups e aposta até em uma rede social própria, a Trst (pronuncia-se “trust”, do inglês para “confiança”).
Médico com mestrado em pneumologia, professor adjunto de clínica médica da UFF e do MBA sobre Gestão em Saúde da Fundação Getulio Vargas, Josier explica que o FIS é uma entidade sem fins lucrativos, “financiada pelo patrocínio de parceiros do setor que compartilham o mesmo propósito, o de garantir à sociedade um melhor acesso a serviços de saúde e assistência médica e hospitalar”. Entre os principais parceiros estão Amil, AstraZeneca, GSK, Roche e White Martins.
Nos últimos meses, Josier tem escrito artigos para grandes jornais comentando os desafios provocados pela pandemia e as ações (ou a falta delas) no combate à covid-19. Confira a entrevista:
O senhor é mestre em pneumologia. Mas, com o IBKL e a Iniciativa FIS, hoje é um médico que auxilia outros médicos e profissionais da saúde em diversas questões, como governança, gestão, suporte acadêmico, inovação etc. Por que se deu essa transição?
Percebi ao longo do tempo que, para o bom exercício da atividade profissional, você precisa conhecer um pouco de gestão, de origem do financiamento, de boa comunicação, acompanhar as inovações tecnológicas e as alternativas de modelos assistenciais. Somente assim você consegue contribuir para garantir o acesso a serviços médicos e hospitalares com a qualidade que a população necessita.
Em um artigo recente publicado no Correio da Manhã, o senhor defende um sistema de saúde em que público e privado sejam complementares. Além disso, diz que a pandemia mostrou como a falta de uma estratégia nacional e unificada pode ser desastrosa. Essa falta de sintonia entre as esferas é um dos problemas da gestão de saúde apenas no Brasil ou é algo global?
O Brasil é um exemplo importante dessa desintegração, pois com seu gigantesco tamanho, com 211 milhões de habitantes, essa falta de integração dos dados e falta de indicadores de desempenho ficam mais patentes. Outros países menores passam pelo mesmo problema, mas aqui, pelo nosso tamanho, é mais desafiador. Deveria ser a prioridade número 1 dos gestores públicos e privados.
Na sua opinião, quais foram os maiores erros cometidos no enfrentamento à pandemia no Brasil?
Falta de coordenação central, falhas de comunicação e retardo na compra de vacinas.
Os impactos da pandemia mudaram de alguma forma a medicina no Brasil?
A pandemia mostrou a fragilidade de nosso sistema de saúde do ponto de vista da integração de rede e da necessidade de melhor capacitação dos profissionais de saúde, especialmente os que estão fora dos grandes centros.
De que maneira a pandemia afetou a FIS? Sem encontros presenciais vocês focaram mais em webinars e outras interações online?
Mudou para melhor a nossa capacidade de falar com mais pessoas. Tivemos que nos adaptar e avançar no modelo digital de comunicação, o que foi muito bom.
Como funciona o FIS Labs [sistema que conecta startups e apresenta suas soluções ao setor]?
O FIS Labs é uma iniciativa que tem como objetivo fomentar o ecossistema de inovação para os empreendedores do setor da saúde, para que eles possam trazer suas soluções, mas também se conectar com as grandes lideranças do setor. Basicamente, o que a gente tenta fazer é dar um espaço para essas garotas e garotos, mulheres e homens, para que possam mostrar as soluções que foram desenvolvidas. Além disso, serve para eles estarem cada vez mais próximos da “ponta de cima” do setor da saúde, que é quem efetivamente pode tomar uma decisão de alavancar.
É uma iniciativa para aproximar os empreendedores das lideranças.
O processo de seleção é feito por meio de inscrições e recomendações de nossos parceiros. A gente tem vários apoiadores, grandes apoiadores do setor de inovação, como Cubo, BioMinas, Acate e Porto Digital. Eles muitas vezes indicam soluções, mas a gente gosta de ir além disso. Porque essas soluções já estão de certa forma aparecendo no setor. O que a gente quer é que essas startups se inscrevam no nosso site e eventualmente que outros empreendedores indiquem soluções para que a gente possa efetivamente avaliar e trazer isso para dentro do ecossistema.
Pode citar algum caso de startup que desenvolveu essas conexões por meio do FIS Labs?
A primeira de todas foi a Cognisigns, que é uma startup voltada para a detecção de autismo em crianças de até 4 anos. Nós já tentamos e possibilitamos conexões dela com a iniciativa pública, principalmente no Rio de Janeiro. Além disso, a gente sempre convida startups para estarem conosco nos nossos eventos. Teve um em maio que foi o maior evento de inovação da saúde da América Latina, o Kolmeya Innova Summit, com mais de 13 mil inscritos, mais de 150 mil visualizações e cheio de startups lá dentro. Agora em novembro teremos o Fórum Inovação Saúde, que é o maior evento de lideranças da saúde na América Latina, junto com o Symetria, que é o primeiro evento ESG do setor. Teremos startups em alguns blocos ali dentro. É isso que a gente tem feito para fomentar esse ecossistema.
Quais as diferenças da Trst para um grupo de WhatsApp ou de Facebook? Os profissionais de saúde estão dispostos e têm tempo para usar mais uma rede social?
A Trst é totalmente diferente de um grupo de WhatsApp. Em um grupo de WhatsApp, você simplesmente fica ali dentro e não tem nenhuma interação fora dele. A Trst, na verdade, se aproxima mais de uma rede de conexão. A nossa questão está muito relacionada ao fomento do ecossistema de saúde. Acho que se faz necessário que as pessoas, os ecossistemas, médicos, profissionais de saúde, as empresas e gestores tenham um ambiente onde eles possam se conectar, fazer negócios, aprender com os outros e obviamente estar conectados com seus interesses. É claro que o objetivo não é ser um Facebook.
O que a gente está querendo trazer e acho que isso pode ser uma tendência, não só na saúde, mas acho que em outros setores, é ter redes específicas.
Grandes redes de setores, em que as pessoas que estão ali têm interesse em determinado tema. No caso da Trst, é o setor da saúde. É claro que ela não substitui o Facebook. A Trst é voltada para você se conectar, para que possa efetivamente ajudar tanto as empresas como também os profissionais de saúde.
Pode falar alguns números da Iniciativa FIS?
A Iniciativa FIS vem num crescimento exponencial, principalmente neste um ano e meio. Passamos de 2 para 30 colaboradores em várias áreas. Hoje, a Iniciativa FIS se parece mais com um canal de TV. Foram investimentos altos em tecnologia proprietária para a transmissão. No Kolmeya, em quatro dias de evento, foram mais de 50 horas de transmissão ao vivo, em três idiomas, mais de 120 participantes e mais de 150 empresas representadas de alguma forma.
No Fisweek são três grandes eventos: Fórum Inovação Saúde, Symetria e Commeet, que é um evento de empresas.
A expectativa é de que sejam mais de 25 mil inscritos em novembro. Serão mais de 70 horas de transmissão ao vivo em três idiomas, além de tradução em libras. O objetivo é que a gente impacte mais de 500 mil pessoas. Temos mais de 7 mil inscritos no canal do Youtube, mais de 9 mil seguidores no Instagram – com o objetivo de chegar a 20 mil no final do ano e 100 mil no final do ano que vem.
Quais os próximos passos?
Nosso objetivo para os próximos dois ou três anos é que ela se torne o maior ecossistema de saúde da América Latina. A gente já tem olhado soluções para a educação, temos interesse em olhar outros pilares também. Hoje, para nós, transformar o setor da saúde está ligado a acesso, seja no sistema de saúde pública ou privada. A gente faz isso com conexão, que é o nosso maior DNA, por meio da geração e distribuição de conteúdo que engaja o nosso ecossistema.
Que notícia sobre sua especialidade gostaria de ler no jornal amanhã?
“Especialistas médicos passam a se interessar por governança e gestão da saúde.”
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