No momento em que esta matéria estava sendo apurada, em 24 de maio, o Congresso brasileiro travava uma batalha que andava longe dos holofotes. Ofuscada pela CPI da Covid, discutida no Senado Nacional, e longe dos jornais graças à pandemia que segue assolando o país, o Projeto de Lei 399/2015 busca autorizar o cultivo, em solo brasileiro, da cannabis sativa para fins medicinais, veterinários, industriais e científicos.
O texto está no início da tramitação, em comissão especial na Câmara, e pode mudar o jogo da maconha no Brasil – mas, enquanto isso não acontece, diversas empresas encontram maneiras alternativas de se atualizarem para a eventualidade de a cannabis ganhar de fato uma nova legislação nacional.
Segundo regras da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), há duas formas de atuar dentro da legalidade com a cannabis medicinal: e-commerces para oferecer importação de produtos como canabidiol ou solicitação de autorização da agência reguladora para produzir e vender em farmácias.
É possível importar o produto desde 2015, desde que exista uma receita médica e uma autorização da própria Anvisa para adquirir o produto.
Vislumbrando um futuro positivo para esse universo, três empresas se fundiram para criar uma holding que busca atuar em toda a cadeia da cannabis no Brasil. São elas: Green Flower Brazil, Indeov e InterCan Academy.
A primeira é uma empresa que possui licença controlada de produção e industrialização de produtos derivados da cannabis para uso medicinal. A segunda, a primeira empresa de consultoria especializada em cannabis medicinal no Brasil. A terceira, um centro para educar a comunidade médica sobre o sistema endocanabinoide, cannabis medicinal e seu potencial terapêutico.
Hoje, as três formam o LACann Group.
UMA HISTÓRIA QUE COMEÇA NAS PISTAS
Daniel Rodrigues, cofundador do grupo, vem de um lugar muito distante da cannabis e do mundo da saúde. Ele e seu pai, Geraldo Rodrigues, atual presidente do Conselho da LACann, trabalhavam com gerenciamento de atletas quando o último soube da oportunidade de negócio em torno da maconha. E isso graças a um piloto que agenciavam.
“Quando fui trabalhar com o meu pai, comecei a ter contato com esse piloto, que era canadense e morava na Inglaterra”, conta Daniel.
O pai do piloto, que se aproximou de Daniel e Geraldo, trabalhava com private equity no Canadá e participou do primeiro funding da Aphria, hoje uma multinacional do mercado canábico.
“Conhecemos os fundadores da Aphria e isso nos trouxe oportunidade de entender melhor esse universo”, afirma. Daniel foi, mais tarde, visitar as fazendas canadenses, ver como funcionavam os processos.
E ele e o pai perceberam então a chance de trazer o mercado da cannabis para o Brasil ainda em 2019. O projeto ainda era embrionário, mas Daniel queria entrar com tudo na jogada.
“Surgiu uma oportunidade através de um amigo brasileiro que mora no Paraguai ao descobrirmos que o país ia liberar a licença de cultivo para laboratórios locais”, relembra.
“Nosso projeto estava quase indo por água abaixo, e isso foi uma luz no fim do túnel”, conta.
“O Paraguai é uma China da América Latina em termos de custo de produção de tudo, de tributos. Alguns possíveis parceiros no Canadá não tiveram essa visão. Mas eu estava estudando cannabis há um bom tempo e não ia desistir.”
LICENÇA NUM MAU MOMENTO PARA APOSTAREM EM CANNABIS
Daniel eventualmente conseguiu montar um projeto para fazer a aplicação para a licença, e firmou uma parceria com um laboratório paraguaio, além de um escritório de advocacia local.
A aplicação da licença final aconteceu em 2019, e em 20 de fevereiro de 2020 ela foi liberada. “O Paraguai estava passando por uma epidemia de dengue, e depois veio a pandemia, o que acabou gerando atrasos”, explica.
“Estávamos esperando sair a licença para começar uma rodada de captação para começar a levantar tudo.”
O tempo foi padrasto com Daniel: a rodada começou exatamente na semana anterior ao lockdown. “Eu peguei Covid-19, outras pessoas pegaram Covid, as bolsas ao redor do mundo foram entrando em circuit breaker”, relembra.
“A partir de então, a cannabis deixou de ser uma megaoportunidade para o brasileiro, que estava cheio de liquidez, querendo colocar dinheiro em qualquer lugar”, lamenta. “Todo o resto passou a ser uma oportunidade, então a gente resolveu parar a captação por completo”, diz.
A LACann trouxe poucos investidores-anjos nessa fase inicial, mas encontrou uma ótima solução para não frear seus negócios: contatar a Indeov e a InterCan que, a priori, apareceram como boas consultorias de negócio.
“Quando começou a pandemia, a gente passou a conversar sobre planos futuros, e entendemos que nossas operações são totalmente complementares, sem nenhum conflito de interesse nem nada do tipo”, afirma Daniel.
“Então a gente virou uma chave e falou: quem divide multiplica.”
O processo de fusão levou cerca de um ano e, nesse tempo, entre documentações, burocracias e procedimentos internos, Daniel se aproximou bastante da Indeov, especializando-se ainda mais no mercado.
“A Indeov é uma empresa extremamente respeitada, pioneira no Brasil, com uma capacidade surreal e 100% orgânica, sem nunca ter nenhum investidor. Isso chamou bastante a nossa atenção, pelo fato de a empresa nunca ter tido um pontapé para decolar mais, para ir mais alto do que ela já está. A gente tem bastante coisa para fazer.”
PLANO: REVOLUCIONAR O MERCADO DA CANNABIS
Os planos da holding são grandes. Eles pretendem revolucionar o mercado da cannabis na América Latina, e gás não falta.
“Hoje, quando a gente fala de cannabis e de cultivadores de cannabis, estamos em ‘green rush’: quem consegue o custo de produção mais barato do mundo”, diz o empreendedor sobre o cultivo paraguaio.
“Só para você ter uma ideia, é tão positivo a gente cultivar no Paraguai por causa de energia elétrica, de mão de obra e de sistema tributário, que estamos estimando que o nosso custo de produção em cerca de 25 a 30 centavos de dólar por grama, enquanto no Canadá ele é cultivado no mínimo por 70”, explica, empolgado.
Isso, diz Daniel, vai trazer uma revolução para o mercado, principalmente de THC.
“A gente tem uma licença exclusivamente para exportação, no Paraguai, podendo fazer o que quiser e com um custo de produção extremamente baixo. Todas as pontas da cadeia estão fechadas. Agora é correr para a captação”, completa.
Para se adaptar ao mundo pandêmico, a LACann reduziu um pouco o tamanho do projeto, adaptando a dimensão das estufas iniciais, para depois buscar fundos e ter em mente os custos reais da operação e produtos em fases de testes de produção.
O plano da holding é ter um portfólio de produtos fabricados no Paraguai com foco na exportação para o Brasil. E, apesar de a legislação brasileira não ser tão moderna como em outros lugares do planeta, a Anvisa acaba sendo um trunfo para a LACann.
“Ao registrarmos um produto no Brasil, a gente pode registrar praticamente em todos os países do mundo, porque a Anvisa é uma das agências mais respeitadas do globo”, pontua Daniel. “Tudo que a gente fizer no nosso portfólio vai ser adequado para o mercado brasileiro, o que nos permitirá exportar para o mundo todo.”
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