• “Não era só fabricar ventiladores pulmonares. Tivemos que lidar com a pressão da sociedade sobre quem receberia primeiro o produto”

    Um ano depois da chegada da Covid-19 no país, Wataru Ueda, CEO da Magnamed, reflete sobre a missão quase impossível dada pelo governo federal para sua pequena empresa, que, do dia para a noite, teve que multiplicar sua produção por seis – e até foi invadida pelo um político desesperado atrás dos equipamentos (Foto: Claudio Cammarota)
    Jose Renato Junior | 13 abr 2021

    Em janeiro de 2020, durante uma feira de equipamentos médicos nos Emirados Árabes Unidos, havia algo diferente no ar. Existia mais preocupação dos participantes nas notícias que vinham da Ásia, principalmente da China. 

    Os compradores de equipamentos de ventilação pulmonar já pareciam ter entendido que aquela não seria uma epidemia viral respiratória como a H1N1 e outras anteriores.

    Por aqui, no Brasil, o primeiro caso da Covid-19 foi confirmado somente no dia 26 de fevereiro de 2020. A partir desse momento, o país vem experimentando de tudo um pouco: quarentenas, lockdowns pontuais, ondas de contaminação, saturação do sistema hospitalar, hospital de campanha, entre outras situações.

    Em meados de março do ano passado, por exemplo, com o início da quarentena e uma escalada vertiginosa da doença, os ventiladores pulmonares passaram a estar no centro das preocupações. E uma demanda expressiva se tornou corriqueira, normal e contínua.

    Embora relevante no universo médico, nunca havíamos vivenciado todos os holofotes focados na importância destes equipamentos. 

    E do nosso lado, o desafio não era simples: produzir 6.500 ventiladores pulmonares em 6 meses para atender uma encomenda gigante do Ministério da Saúde. 

    Para isso, apenas a Magnamed, fabricante brasileira com produção mensal de 160 aparelhos, deveria multiplicar por 6 a sua capacidade de produção. 

    Em paralelo, situações completamente fora da normalidade aconteciam no país – inclusive conosco. A unidade matriz, em Cotia (SP), chegou a ser invadida pelo vice-prefeito da cidade atrás de equipamentos. Ações judiciais exigindo a prioridade de compra por estados e municípios também se espalharam pelo Brasil, e obviamente nos demandaram respostas. 

    Em outras palavras, não era somente fabricar o produto. Tínhamos também que lidar com a pressão da sociedade sobre quem receberia primeiro o ventilador. 

    Detalhe: do nosso lado, nada podíamos fazer, uma vez que o contrato com o Ministério da Saúde nos obrigava a entregar integralmente nossa produção à instituição.

    Em paralelo, por meio de um grupo de WhatsApp de ex-estudantes do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), nasceu uma força-tarefa, sem precedentes na indústria de inovação médica nacional. 

    Suzano, Embraer, GM, BV, Klabin, Positivo, Flex e FCA, entre outras grandes empresas, mobilizaram capital financeiro e humano para salvar vidas. E, assim, ajudaram a implementar na fábrica da Flex, em Sorocaba (SP), uma linha de montagem de ventiladores pulmonares de alta complexidade extremamente produtiva.

    MISSÃO DADA É MISSÃO CUMPRIDA

    A fábrica da Magnamed, localizada em Cotia, em São Paulo

    Até o mês de agosto, todos os ventiladores encomendados pelo Ministério da Saúde à Magnamed foram entregues, cumprindo a virtualmente impossível missão inicial. 

    Um dos gargalos mais complexos foi vencido com tecnologia nacional, o que nos encheu de orgulho de ter feito parte deste grande esforço verde e amarelo. E não temos dúvidas de que, sem essa mobilização, o resultado seria outro. Mesmo assim, cada uma das mais de 355 mil mortes de compatriotas dói muito.

    Agora, um ano após o início da pandemia no Brasil, vemos a situação novamente se tornar difícil. 

    Sabemos que os ventiladores pulmonares continuam sendo peça-chaves no processo de combate ao vírus Sars-Cov-2, muito embora exista, neste momento, um outro importante e fundamental aliado: as vacinas. Sem contar, claro, o uso obrigatório de máscaras e álcool em gel.

    Claro que ainda é preciso vacinar mais e mais brasileiros, antes de chegarmos a um ponto de tranquilidade. 

    E com alegria vemos iniciativas nacionais também para o desenvolvimento de imunizantes, como a pesquisa que vem sendo feita por instituições como a Fiocruz, a USP, a UFMG e o Instituto Butantan. Mas também sabemos que isso demanda esforço, comprometimento e tempo. 

    O mesmo comprometimento e esforço que temos observado, com reverência, por parte de milhares de profissionais da saúde em todo o país. É impressionante a resiliência e determinação desses brasileiros. 

    E, apesar dessa dedicação ímpar, a situação infelizmente está longe de estar resolvida. Teremos de nos unir ainda mais como sociedade para encontrar caminhos comuns e sustentáveis até a estabilidade.

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    Wataru Ueda é CEO da Magnamed, fábrica de ventiladores pulmonares com sede em Cotia.

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