Uma trajetória profissional de inquietação, passagem por várias áreas e vontade de inovar levou o carioca Alan Campos a assumir o desafio de ser o primeiro CDO (Chief Digital Officer) no Brasil da empresa farmacêutica global Novartis em junho de 2019.
Nesse tempo, ele já conseguiu estruturar sua equipe e iniciar uma estratégia de ampla transformação digital que abrange todas as áreas da companhia. Com o sonho de reimaginar a medicina para novos tempos.
A Novartis foi criada na Suíça em 1996 com a fusão de duas gigantes do setor que já eram centenárias na época, a Ciba-Geigy e a Sandoz. Como em boa parte das empresas de longa tradição, transformações e absorção de inovações podem ser mais complicadas, ainda mais com tantas unidades com funções muito diferentes.
Com a tecnologia digital quase onipresente na vida de todos, Alan foi chamado pela Novartis Brasil para um cargo de diretoria que não existia.
Internamente, seu desafio é fazer as unidades – da médica até a jurídica – trabalharem com uma cabeça digital em harmonia. E, externamente, ampliar o relacionamento das marcas com médicos e pacientes.
Alan recebeu essa tarefa depois de uma carreira profissional (que hoje chega a 17 anos) em ebulição constante. Formou-se em design de produtos na UFRJ, mas saiu com o diploma curioso sobre como os negócios funcionam – algo que pouco viu na faculdade. Fez MBA na ESPM, o que lhe deu uma boa introdução sobre a dinâmica do mundo do business.
Começou a trabalhar em agências de publicidade e de eventos. Depois, passou pelo mercado de moda. Em todos os lugares, questionou o modelo de negócios e decidiu partir para outras saídas. A primeira foi a criação de uma agência publicitária online, a praontem.com, em 2007.
Como a agência dependia muito do seu horário e a exigência de tempo era cada vez maior (“Afinal, enquanto eu dormia, o negócio não estava girando”, ele lembra), Alan optou por outra guinada profissional em 2012: ingressar no ecossistema de startups, que iniciava seu boom no Brasil.
Montou a Instaquadros, que transformava fotos do cliente em produtos de decoração. A startup foi escolhida para ser acelerada pela 21212, uma das primeiras empresas do tipo no país, e Alan passou oito meses incubado tendo treinamento com alguns grandes empreendedores e experts daqui e dos Estados Unidos.
Esse período lhe deu uma educação muito útil até hoje. “Costumo dizer que foi um MBA de vida”, ele fala.
Após três anos, fundou outra empresa digital ligada à decoração, a Nicephotos (atual Soupop). Foi breve. Logo apareceu a primeira oportunidade de trabalhar numa grande companhia – a Nextel. Um emprego que levou Alan a trocar o Rio de Janeiro natal por São Paulo, onde vive até hoje.
“Um amigo meu do tempo de aceleradora estava liderando a transformação digital na Nextel e me chamou para ser seu braço direito. Eu nunca tinha estado dentro de uma empresa grande e me apaixonei por construir essa ponte entre o mundo das startups e o mundo executivo”, ele recorda.
“Me apaixonei por entender e ‘hackear’ a dinâmica tradicional e implementar o vírus da inovação digital.”
Dois anos depois, Alan passou para o grupo Dasa, onde assumiu o posto de COO, um diretor de operações responsável por estruturar a operação da corporate venture Nexa.
Suas funções incluíam desde construir uma tese de investimentos em startups até estruturar um time e desenvolver produtos digitais para o mercado. Dali nasceu o site e app Livia Saúde, que organiza todos os exames médicos de uma pessoa, mesmo que feitos em diferentes laboratórios. Uma espécie de Guiabolso para exames, exemplifica Alan.
Enfim, uma primeira experiência com o mundo da medicina. Que deve ter servido muito para que ele fosse indicado para a vaga de primeiro CDO da Novartis, na qual ele ingressou em junho de 2019.
Depois de toda essa saga que ilustra bem a inquietação e ímpeto de Alan, passamos à parte em que ele fala mais detalhadamente de sua experiência e planos na Novartis para Future Health. Confira abaixo.
Como foi sua entrada na Novartis e qual a missão que você recebeu?
Alguém me indicou para construir a primeira diretoria digital da Novartis no Brasil. Já existiam iniciativas digitais significativas na companhia, mas não um diretor que reportasse diretamente para o presidente daqui. A área digital ficava dentro da diretoria comercial. Herdei seis pessoas e hoje a área tem mais de 30 pessoas – ou mais de 50, se contar com ventures. Vim e entrei com tudo.
Quando cheguei, a abordagem da companhia foi para apresentar um planejamento estratégico da área de digital. Falei que digital não funciona assim.
Propus escolher dois ou três projetos-pilotos para rodar e o que funcionasse seria escalado. Eles entenderam e compraram a ideia. É uma das empresas em que sinto maior segurança psicológica para ser eu mesmo, explorar meu maior potencial. Esse ambiente de segurança foi praticamente um ninho para montar várias ideias muito legais, com patrocínio total do CEO. Sem isso, transformação digital nenhuma vai para frente.
O que você já conseguiu colocar em prática dessa transformação digital?
A primeira coisa que fiz foi perguntar para todos os diretores da companhia o que digital era para eles. Surgiu todo tipo de coisa. E fui colando post-its na parede do andar da minha sala. Tinha muita coisa da área médica, da comunicação corporativa, do site da companhia, de mídias sociais, de operações como digitalização de documentos da área jurídica, de marketing digital e de performance, de experiência do usuário… Clusterizei tudo em sete grupos diferentes. Fui para uma reunião e falei que não dava para eu tomar conta de sete grupos, mesmo que contratasse mais 30 pessoas.
Propus começar com coisas que considero vitórias rápidas.
Se trabalhar com a área médica, vou dar resultado daqui a três anos. Como é que no final do ano vou reportar resultado pro presidente trabalhando com essa área? Organizar dados da companhia também não era para esse “ano 1”. Leva de oito a 12 meses para fazer toda a organização e sanitização de base, não vou conseguir entregar valor rápido. Onde a gente entregou valor rápido? Dividi em três grandes pilares e uma quarta iniciativa que permeava tudo.
Primeiro grande pilar: conquistar o relacionamento com médicos e pacientes em plataformas digitais.
Porque acredito que, no futuro, quem vai ganhar o jogo na indústria farmacêutica será quem conquistar essa relação. Digamos que você pede comida pelo iFood e não pelo Rappi ou Uber Eats – o iFood foi o que conquistou relacionamento com você naquela plataforma digital de pedir comida.
O segundo pilar: inspirar inovação e maximizar lançamentos.
Como inspirar na companhia? Tenho unidades de negócios superevoluídas no digital e outras que não acreditam tanto. Para equalizar isso, começamos o primeiro Agile Brand Team. A companhia tem brand teams e, há dez meses, a gente implantou em cinco times de marcas uma metodologia ágil inédita na Novartis no mundo inteiro. Não sou só CDO. Sou também head de digital e estratégia. Então, para influenciar e orquestrar a estratégia da companhia, entrei com times ágeis.
O terceiro pilar: parcerias com o ecossistema de tecnologia.
A ambição é ser o parceiro número 1 desse ecossistema. Antes de eu chegar, tínhamos uma maratona de startups para ver como fazer isso. Pouquíssimas parcerias saíram do papel. Saíram algumas, mas levava oito meses entre o momento em que a gente propunha um contrato até fechar.
A indústria farmacêutica tem dificuldade em entender a razão de existir de uma startup. E a startup não entende por que cada hora uma unidade de negócios diferente da empresa farmacêutica liga para ela.
Para preencher esse gap enorme e fazer dar certo, trouxemos em fevereiro um hub de inovação global da Novartis chamado Biome. É um framework que acelera esse tipo de aprovação. Um negócio que levaria meses para fechar passa a levar semanas. Com a Biome, podemos montar um time local que vai reimaginar os processos de aprovação interna do jurídico, compliance, da área médica… Criamos um time multidisciplinar com gente de todas essas áreas que, toda semana, se senta e já aprova .
Como funcionam os times que foram montados?
Construímos o primeiro time de user experience designers, os UX designers, e service designers da Novartis no mundo. Tínhamos UX na companhia há algum tempo, mas na área de tecnologia, não na de negócios. Os service designers investigam jornada do paciente, jornada do médico, identificam pontos que podem entregar valor. Fazemos esse trabalho com grandes clínicas e já temos três projetos lançados. A missão desse time é encurtar a jornada do paciente.
Temos também um time que chamamos de growth hacking. Uma estratégia de crescimento que usa muitas ferramentas de marketing digital, mas vai além dele.
Se o time precisar levantar da cadeira e entrevistar um paciente, vai fazer isso. Se precisarmos de uma pesquisa online patrocinada no Facebook chamando médicos para responder, esse time vai fazer isso. Para conseguir informações, entregar valor e conquistar o relacionamento.
Tem cases incríveis de médicos do Amazonas dizendo que ninguém da indústria farmacêutica jamais tinha entrado em contato. E hoje prescrevem nossos medicamentos.
Temos mais de 20 sites no ar sobre cada doença. Alguém responde um quiz e, a partir disso, identificamos traços de um potencial paciente ou não. Então referenciamos esse potencial paciente para uma rede de médicos cadastrados em nosso site. Qualquer médico pode se cadastrar no nosso site pelo Doctor Finder. A partir dessa base, indicamos um médico perto da casa do paciente para encurtar a jornada dele.
Como é a caça de talentos para essa transformação digital?
Em todas as empresas em que precisei construir times, tive muita dificuldade. Qual é um dos maiores desafios da transformação digital? É talento, pessoas. Porque aqui estou concorrendo com Uber, com iFood, com Nubank. O Uber abriu uma central e contratou 300 cientistas de dados em São Paulo. Então acabou com a oportunidade de eu contratar bons cientistas de dados. Mas na Novartis encontrei uma área de talent introduction fora da curva. Não precisei contratar consultoria externa. E eu entrevistei pessoalmente todas as pessoas que entraram. Um investimento de tempo e energia que a gente precisava.
Eu não trago talentos para cá dizendo “venha trabalhar na indústria careta”. Vendo o sonho que me venderam e realmente estamos concretizando: como a gente reimagina a medicina?
Dentro de reimaginar a medicina, é preciso reimaginar o relacionamento com médicos e pacientes, empoderado com dados e com o digital. Consigo vender esse sonho numa entrevista. Porque hoje os melhores talentos não são atraídos só por remuneração. Eles precisam ver que impacto, que legado que vão deixar.
É possível medir o retorno de investimento para essa transformação?
O que posso te dizer é que, no primeiro ano, a gente teve um retorno de quase duas vezes, mais exatamente 1,8, do valor investido – alavancado principalmente por essa frente de growth hacking. Respeitando a regulação e uma série de restrições que a indústria tem, conseguimos medir. Temos 6,8 milhões de potenciais pacientes visitando nossos sites e mais de 5 mil médicos se relacionaram conosco em plataformas digitais.
Como a pandemia de Covid-19 afetou e afeta essa missão?
Em geral, a indústria farmacêutica, não só a Novartis, tem uma cultura avessa a risco. É muito cuidadosa. Afinal, um medicamento não pode matar. E essa cultura de criação de novos medicamentos permeia todas as áreas da companhia. Naturalmente, os executivos têm um nível de aversão ao risco maior do que numa telecom.
Mas, quando vem uma pandemia, eles se permitem assumir mais riscos.
Então uma ideia que estava na gaveta, como fazer telemedicina, tem a aversão ao risco diminuída. E isso permitiu que ganhássemos apoio em estratégias que não tínhamos tanto antes. Permitiu que o investimento em digital aumentasse, que a gente testasse os representantes comerciais virtuais.
Quais são os planos para 2021?
Basicamente, escalar os projetos-pilotos que funcionaram no ano passado. Expandir os times ágeis para mais marcas. Começamos a fazer marketing digital com a ideia de concentrar nas marcas que entregam mais valor para a companhia.
E, com a Biome, esperamos entregar pelo menos seis projetos importantes de parcerias com startups.
Outra coisa que também vamos escalar são os times de user experience e service designers. Fizemos com uma marca em 2020. Para 2021, vamos fazer com mais cinco marcas. Faz sentido ter um time de user experience designers atualizando, mapeando, interagindo com médicos e pacientes, identificando oportunidades de projetos, criando e lançando novos projetos, parcerias com startups… Tudo sai daí.
Quer ficar por dentro das melhores histórias de inovação em saúde? Assine nossa newsletter!