Emilio Puschmann sempre soube o que queria fazer da vida: empreender. Era nisso que pensava na época da faculdade – quando abriu uma empresa para pagar seus estudos – e mais tarde, durante os cinco anos em que trabalhou em bancos de investimento, com fusões e aquisições.
“Sempre tive em mente, durante esse tempo todo, que trabalhava para ter mais conteúdo e skills para empreender”, diz ele. Nascido na Alemanha, filho de mãe brasileira, e graduado na Inglaterra, Emilio tinha no pai alemão a inspiração para ter seu próprio negócio.
“Meu pai foi uma influência porque montou do zero, com poucos recursos e enfrentando vários obstáculos, o que virou uma grande indústria de embalagens na Alemanha”, conta ele.
A única coisa que Emilio não imaginava era que seu negócio seria no setor da saúde. E, para ele ser o fundador e CEO da Amparo Saúde, empresa que recebeu ano passado um aporte de R$ 25 milhões e saltou de 45 mil para mais de 1,4 milhão de vidas na carteira, sua história passou por uma mudança da Europa para o Brasil e duas startups que naufragaram.
CRISTO REDENTOR DECOLANDO
Por causa da mãe, Emilio desenvolveu uma relação afetiva com o Brasil desde a primeira infância. “Sempre tive um carinho especial pelo país”, ele conta. “Tenho passaporte brasileiro e uma parte da família mora aqui. Para mim, o Brasil era um lugar de férias, para onde eu vinha uma vez por ano.”
Mesmo sem conhecer a fundo o mercado brasileiro, ele decidiu, em 2011, seduzido pela promessa de economia promissora estampada inclusive em capas de prestigiosas revistas internacionais, como a “The Economist”, abrir aqui um negócio.
“É um baita clichê, mas foi o Cristo Redentor decolando na capa da revista parte da minha motivação de vir para o Brasil”, diz, rindo.
“Meus colegas do banco acharam que eu estava louco”, lembra. Não demorou muito para o cenário mudar e, em 2013, a mesma revista estampar um Cristo desgovernado despencando.
Mas, quando chegou, o mar de oportunidades que encontrou era tão vasto que Emilio testou vários setores. “Eu tinha uma visão ainda romântica e nostálgica do Brasil, e também meio aventureira”, conta.
“Me considero uma pessoa muito espontânea e aventureira. Fico entediado com muito conforto. Gosto de sair dessa zona, e o Brasil era o único lugar totalmente fora da caixa.”
A primeira startup que Emilio abriu em terras brasileiras era uma espécie de Buscapé para produtos financeiros. A segunda, um e-commerce de uma marca própria de óculos de prescrição. “Ambas não decolaram, mas serviram como grandes aprendizados para mim.”
Quando estava quase desistindo de seu sonho e voltando para a Europa, Emilio fez a última tentativa.
“Abri então uma empresa que começou com um serviço de consultas on-line e acabou se direcionando para a telepsicologia, a Telavita”, diz.
Era também o primeiro negócio de Emilio Puschmann no setor de saúde. “Ela oferecia consultas e coaching on-line, mas também tinha uma vertical de esoterismo. É, eu sei que é engraçado um alemão fazendo esoterismo”, diverte-se.
A Telavita tinha o modelo de negócios preferido de Emilio, o B2B, quando o cliente é outra companhia.
“A empresa do meu pai era B2B. E acho que ele me deixou isso como herança, porque o B2B é meu ponto forte.”
Em 2016, ele decidiu vender sua participação na startup – que, hoje, deixou a vertente esotérica de lado. “Eu gostei de trabalhar com saúde e queria fazer algo mais amplo, não só relacionado à saúde mental.”
APRENDER COM QUEM SABE
Emilio tinha aprendido que, como brinca o meme, o Brasil não é para amadores. “Para empreender com sucesso no segmento, pensei que eu tinha que trabalhar numa startup que já tivesse uma trajetória consolidada, um nome forte, grandes investidores e um modelo bacana de negócios”, conta.
Ele então conseguiu uma oportunidade em uma bem-sucedida heathtech, a dr.consulta. “Fiquei dois anos lá como diretor de B2B. Era um novo departamento com foco em empresas e operadoras, em vez de só pacientes finais”, explica.
“E, na dr.consulta, eu me apaixonei pela saúde suplementar.”
Foi na healthtech que Emilio percebeu que o país tem vários problemas que não têm como serem solucionados apenas com uma plataforma de teleconsultas.
“E eu me apaixonei pelo desafio de solucionar vícios, desperdícios, falta de transparência de dados e uma série de outras coisas que causam não só um custo absurdo da saúde no Brasil, mas também desfechos abaixo do desejado, com uma experiência ruim para o paciente.”
Definidas, assim, as principais frentes que ele pretendia atacar, Emilio enxergou a oportunidade de abrir o negócio que ele tanto desejava em 2016.
“Vi que eu conseguiria casar, de certa forma, meu histórico e minha experiência na Europa, em que a prevalência é de médico de família generalista, um sistema que não é tão hospitalocêntrico como o Brasil, com uma oportunidade de tocar empresas e negócios B2B, que é minha paixão.”
Lançada em 2017, a Amparo Saúde tem, além do modelo B2B, dois diferenciais.
“Em primeiro lugar, a gente foca na figura do médico de família, na medicina de família, que abrange em torno de 90% de todas as queixas dos pacientes”, afirma ele.
“A gente não tem especialista, apenas alguns nos serviços de telemedicina, mas não presencialmente.” O segundo ponto alto é, diz o CEO, a forma de remuneração do serviço. “Recebemos uma mensalidade [por cada um dos usuários] que engloba tudo: consultas, exames, procedimentos, curativos, medicação”, explica.
“Optamos por isso porque receber o pagamento pela consulta, o pagamento pelos exames e assim por diante pode criar desperdícios e trazer desalinhamentos de incentivos.”
Emilio acredita que tratar os atendimentos por volume é o que pode fazer com que muitos desnecessários sejam feitos. Com um valor fixo por vida atendida, que a empresa não divulga por ser variável, isso não acontece.
A Amparo conta hoje com 11 clínicas próprias em São Paulo, Osasco, Alphaville, Campinas, São José dos Campos, Brasília e Salvador. E, durante a pandemia, adotou a telemedicina, que acabou sendo responsável por um aumento exponencial no número de atendimentos.
NEGÓCIO COM INVESTIDORES DE PESO
Desde o início de suas atividades, a Amparo já recebeu R$ 42 milhões em investimentos. A startup conta com anjos de peso. “Um dos principais é José Luiz Setúbal [presidente da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, mantenedora do Sabará Hospital Infantil], pediatra e filantropo”, diz Emilio.
Há quatro anos, a healthtech lançou-se no mercado com três clínicas e um grande contrato de 16 mil vidas. “Com isso, fomos conseguindo os outros investidores”, relata o CEO.
“Percebemos que o mercado mais interessante seria o das autogestões, empresas que têm o próprio plano de saúde como GEAP e Assefaz, por exemplo.”
Segundo Emilio, a oportunidade para a Amparo e seus serviços de atenção primária está nelas. “Essas empresas de autogestão têm em torno de 5 milhões de vidas no Brasil, estão concentradas em algumas regiões do Brasil como São Paulo, Distrito Federal e Rio de Janeiro e têm, muitas vezes, uma população mais envelhecida entre seus beneficiários”, explica.
A startup decidiu trazer um sócio estratégico para ajudar a penetrar nesse mercado: o Grupo Sabin. “Eles já tinham uma grande sinergia com a gente referente às autogestões e também em relação aos exames, para ajudar a trazer mais comodidade para o paciente de não só poder fazer exame na Amparo, mas também em toda rede Sabin.”
Depois da sociedade e do aporte do grupo, a Amparo fechou com empresas como Sul América, Amil, Care Plus e Omint.
“Assim, ampliamos um pouco nosso escopo. Além de só oferecer atenção primária presencial, com clínicas e médicos de família e equipe de enfermagem, gradualmente oferecemos outros serviços complementares.”
Hoje, com o serviço presencial e o serviço remoto de atenção primária, “Temos uma operação de 24 horas, sete dias por semana, tanto em formato de pronto-atendimento como de consulta marcada, de atenção primária pelo telefone ou por videoconferência”, diz Emilio.
A tecnologia proprietária da Amparo ajuda as fontes pagadoras a criarem índices de referência com outros prestadores na atenção secundária e terciária. “Nela está embutido nosso prontuário eletrônico, que usamos para integrar, de forma tecnológica, hospitais de referência, especialistas, clínicas de especialidades, laboratórios e outros players.”
Essa rede de referência permite que o paciente que passa por qualquer um dos players tenha toda sua jornada integrada. “Ele passa por um médico de família na Amparo, por exemplo. Se precisar de um especialista ou de um hospital, o médico de família o encaminha”, explica o CEO.
“Ele escreve uma referência em nosso sistema para o médico lá no hospital. O médico abre o prontuário dele, independentemente de qual prontuário usa, e consegue a informação da Amparo de sinais vitais, de histórico do paciente, exames e tudo mais. E vice-versa.”
O registro disso tudo, afirma Emilio, elimina desperdícios.
“Ao mesmo tempo, você melhora substancialmente a experiência do paciente, porque ele não vai para um pronto-socorro onde vai ver um médico que não conhece seu histórico, nunca o viu antes”, afirma.
“E também conseguimos evitar exames repetidos, uma longa fila de espera para o paciente para ver algum especialista e uma série de outras coisas, o que traz eficiência e redução de custo.”
No ano passado, já durante a pandemia que ainda enfrentamos, a Amparo Saúde recebeu uma nova rodada de investimento, de R$ 25 milhões. “Esse recurso que está ajudando a gente a escalar nosso negócio e tornar ele ainda mais focado em tecnologia e automatização.”
Antes da pandemia, diz o CEO, a Amparo era uma rede de clínicas de atenção primária. “Depois dela, viramos uma plataforma omnichannel de saúde, que ao mesmo tempo é um prestador de atenção primária, mas que trabalha muito mais amplamente em todos os canais: consulta remota, tecnologia, videoconferência, integração com outros players, tudo de forma muito mais tecnológica.”
Conforme o CEO afirma, de forma geral cerca de 80% das queixas de pacientes são resolvidas via telemedicina na atenção primária à saúde, sem a necessidade de encaminhamento para um especialista.
Na Amparo, a média de teleconsultas diárias representa 45% de todos os atendimentos. E o modelo de atendimento reduz os custos assistenciais para os planos de saúde em até 50%, especialmente por causa da redução de internações e exames desnecessários.
Emilio aprendeu também na prática o que seu pai o havia ensinado pelo exemplo. “Ele sempre mostrou para mim que, com dedicação e bastante entusiasmo e esforço, se consegue ter um negócio de sucesso e conquistar seus sonhos.”
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