Em janeiro, o doutor Phillip Scheinberg, 49 anos, completa oito anos no comando do Departamento de Hematologia da BP (marca que a Beneficência Portuguesa de São Paulo adotou em 2020 para se diferenciar de outros hospitais homônimos no país). Nesse período, ele conseguiu reestruturar e modernizar a área baseado em sua experiência de 15 anos nos Estados Unidos. Dessa forma, conseguiu transformar a Hematologia da BP em referência no Brasil.
Nascido em Boston (EUA) quando seu pai morou lá para estudar, Phillip veio para o Brasil aos 5 anos de idade e se formou em medicina na Unisa (Universidade de Santo Amaro) de São Paulo em 1995. Após fazer residência no Hospital das Clínicas paulistano por um ano e meio, aproveitou sua cidadania americana e mudou-se para os Estados Unidos para se aperfeiçoar profissionalmente.
Trabalhou no Mount Sinai Medical Center de Miami Beach de 1997 a 2001, onde conseguiu o título de especialista em clínica médica e chegou a ser residente chefe dessa área.
Depois disso, foi morar em Bethesda, no estado de Maryland, para trabalhar e se especializar em Hematologia e Oncologia no National Heart, Lung and Blood Institute (NHLBI) do National Institutes of Health (NIH), maior centro de pesquisa do mundo.
Atuando como fellow e trainee no NHLBI, obteve a especialização em 2006 e passou a integrar o staff do Hematology Branch da instituição. Ali, desenvolveu pesquisas clínicas e laboratoriais nas áreas de falência medular, transplante de medula óssea e imunidade celular contra antígenos tumorais, alogênicos e virais. E foi investigador principal em dez protocolos clínicos que desenvolveu.
Após tantos anos nos Estados Unidos, veio o convite da Beneficência Portuguesa de São Paulo para montar toda a estrutura da Hematologia e transplante de medula óssea no novo centro oncológico que estava sendo montado no hospital. O dr. Phillip assumiu o cargo no início de 2012 e transformou completamente sua área. Ele conversou com Future Health sobre sua trajetória para a seção Profissionais.
Como você se tornou especialista em hematologia e oncologia?
Fiz minha formação nas duas áreas nos Estados Unidos, mas meu foco hoje é em hematologia, que é o que mais me interessa. Há várias doenças oncológicas na hematologia, tipo linfoma, leucemia, mieloma, às quais me dedico muito. Mas oncologia mesmo, que é o que chamam de tumor sólido, próstata, estômago, pâncreas, gastrintestinal, isso eu não faço. Poderia, tenho formação, mas preferi me dedicar mais aos tumores hematológicos.
Fiquei 15 anos nos Estados Unidos e tive uma vivência muito intensa com diversas áreas da medicina americana.
Acho que, em parte, esse foi o motivo pelo qual me estenderam o convite da BP. Eu e minha esposa já tínhamos a ideia de voltar ao Brasil. Na verdade, 15 anos é muito tempo, nossas famílias aqui…
Realmente quis muito tentar o Brasil. Tentar que o Brasil desse certo.
A BP cresceu muito nesse período. Hoje somos considerados, se não o principal programa de Hematologia, um dos principais, isso dito pelos próprios colegas médicos. Estruturamos um programa de transplante de medula em 2016 e, quatro anos depois, já realizamos 500 transplantes. Um crescimento vertiginoso que me traz muita satisfação porque a gente se dedicou muito. E tem muito trabalho pela frente.
Entre 2006 e 2011, você desenvolveu no National Heart, Lung and Blood Institute pesquisas sobre falência modular, transplante de medula óssea e imunidade celular contra antígenos tumorais, alogênicos e virais. Que resultados concretos dessas pesquisas pode destacar?
A gente começou muita coisa. Principalmente na área de falência modular – como nas falências renal e cardíaca, a medula pode se tornar também insuficiente. A gente desenvolveu novos tratamentos no NHLBI, que tem um budget de cerca de US$ 35 bilhões por ano. É mais que o do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil, que não dá um décimo disso. E isso era só o nosso centro dentro do National Institute of Health.
Na área de falência modular, a gente desenvolveu novos tratamentos aprovados pela FDA americana e na Europa.
Mas, quando cheguei aqui em 2012, havia um território extremamente hostil e anti-pesquisa. Não está ideal, mas vem melhorando. Acho que até por uma pressão da sociedade, das ONGs, de sociedades que representam pacientes, começaram a botar muita pressão porque o Brasil está muito prejudicado por esses atrasos em pesquisa, em aprovação de drogas. Quando você entende por que os americanos são tão produtivos, passa a entender a estrutura na qual eles trabalham. Eles têm uma estruturação muito boa, o que infelizmente no Brasil é muito deficitário.
Às vezes você tem pessoas boas em locais que não têm estrutura. Já estive em tanto lugar bom que consigo enxergar isso na hora.
Sabendo das coisas que vi nos Estados Unidos, uma das principais prioridades que tenho aqui na BP tem sido trabalhar na estruturação. Fiz isso por cinco anos antes de começar a recrutar, trazer pessoas boas, de alto nível. Eu sabia que a ordem tinha de ser essa. Não porque eu sou gênio, mas porque eu vi, vivenciei. As coisas não aconteceram ao acaso aqui na BP.
E hoje, trabalha com alguma pesquisa?
Temos conseguido alocar muita pesquisa com novas drogas patrocinadas por indústrias farmacêuticas que querem trazer suas inovações. Ainda falta bastante para estarmos no mesmo nível de outros países, mas conseguimos crescer bastante. E há estudos que são de interesse nosso, que não são patrocinados pela indústria.
Qual é o hoje o tema mais quente na sua especialidade? O que tem atraído mais investimento, mais recursos?
Seria a área de terapia celular, células Car-T [células modificadas em laboratório para identificar melhor células cancerígenas]. Isso realmente é uma revolução. É uma área de terapia celular que sempre foi uma promessa, mas nunca se tornou uma realidade. Muito provavelmente o Brasil vai receber essa tecnologia em 2021. E a BP está entre as principais instituições que vão fazer parte disso. As indústrias farmacêuticas são detentoras dessa tecnologia, então você tem que fazer parcerias. De três anos pra cá, a BP tem investido muito em banco de sangue, capacitação, já visando terapia celular.
Quais são os novos tratamentos ou drogas que já estão disponíveis ou para serem lançados que parecem mais promissores?
Na área da hematologia, em termos de aprovação, houve uma enxurrada nos últimos anos. Em torno de 20 a 30 drogas novas em dois, três anos. O que tem bombado são as terapias-alvos e a imunoterapia. Terapia-alvo é quando você tem uma alteração genética específica. Ou quando você ataca um alvo específico que você identificou. E a imunoterapia é quando você manipula o sistema imunológico para reconhecer um tumor e matá-lo.
O que viu nos últimos congressos que mais chamou sua atenção?
A velocidade com que a informação e a tecnologia estão sendo desenvolvidas. Geralmente demorava dez, 15, 20 anos. Agora a gente está vendo acontecer em três, quatro, cinco anos. Hoje há drogas sendo aprovadas para uso que até quatro anos atrás ninguém tinha ouvido falar. Essa velocidade chama muito a atenção. A gente aprendeu muito mais sobre essas doenças, sobre onde machuca, onde dói, e consegue desenvolver tratamentos que vão na jugular da célula, fazendo uma analogia. A quantidade de informação que chega ao médico hoje é quase impossível de digerir. Um volume muito grande.
Onde acha que a hematologia vai estar em cinco ou dez anos?
Daqui a uns anos, provavelmente vamos utilizar muito pouco a quimioterapia para tratar os pacientes. Vamos utilizar muito mais essas outras modalidades de tratamento como terapia celular, terapias-alvo, imunoterapia. É uma tendência que vai se fortalecer, o que é bom para os pacientes.
Que notícia em relação à sua especialidade você gostaria de ler?
Tem doenças na hematologia que a gente não cura, só controla. Seria muito legal se a gente tivesse tratamentos novos que pudessem curá-las.
Qual é o principal problema a ser solucionado na saúde do brasileiro na sua área?
Acesso. Tem muita coisa que tem lá fora e tem muita coisa que tem aqui no Brasil aprovada pela Anvisa mas que “não é isso”, que “não é aquilo”… Tem também o acesso aos melhores hospitais e médicos, e aí tem toda uma questão estrutural do Brasil. E acesso a drogas. São questões muito importantes.
Como é a estrutura com a qual o senhor trabalha na BP?
A gente trabalha com uma estrutura que é muito daquela que aprendi quando estava nos Estados Unidos. A gente aplica muito o modelo americano aqui. Por dois motivos: primeiro, porque eu não saberia aplicar qualquer outro modelo porque nunca trabalhei no Brasil antes de vir; segundo, porque é o melhor do mundo e nenhum outro modelo na medicina chega perto. Aqui na BP, a gente tem adotado muito esse modelo americano em muitas iniciativas. Na hematologia, hoje temos 24 pessoas. Quando cheguei aqui, eram três. Failure is not an option.